sexta-feira, 23 de junho de 2017

Trends in Thyroid Cancer Incidence and Mortality in the United States, 1974-2013

Hyeyeun Lim, Susan S. Devesa, Julie A. Sosa, David Check, Cari M. Kitahara.

JAMA 2017, 317: 1338-1348.


Trata-se de estudo retrospectivo que avaliou incidência e mortalidade por câncer de tireoide nos Estados Unidos. O estudo teve como objetivo comparar a tendência da incidência e da mortalidade por câncer de tireoide de acordo com as características do tumor (tamanho, estadiamento) e características demográficas (idade, sexo, raça) dos pacientes, buscando avaliar se houve real aumento na incidência de câncer de tireoide ou excesso de diagnósticos e se o aumento da mortalidade observada por esse tumor seria consequência do diagnóstico em estágios mais avançados. Foi realizada revisão do banco de dados SEER-9 (Surveillance, Epidemiology and End Results-9), incluindo todos os pacientes com câncer de tireoide diagnosticado entre 1974 e 2013. Com intuito de garantir melhores informações e prevenir a superestimação de óbitos nos primeiros anos do acompanhamento, na análise de mortalidade foram incluídos óbitos por câncer de tireoide ocorrido de 1994 e 2013. Diagnósticos em necropsia ou atestado de óbito foram excluídos da análise.
Dos 77.276 pacientes com câncer de tireoide diagnosticados entre 1974 e 2013, 75% eram mulheres, idade média ao diagnostico foi 48 anos e 64.625 apresentavam o subtipo papilar. Entre 1994 e 2013 ocorreram 2.371 mortes pela doença. A incidência de câncer de tireoide aumentou em média 3,6%/ano (IC95% 3,2 – 3,9%), relacionada a aumento expressivo do carcinoma papilar (percentual de variação anual de 4,4% [IC95% 4,0 – 4,7%]). Houve aumento da incidência de câncer papilar de tireoide em todos os estágios (localizado, 4,6% ao ano; regional, 4,3% ao ano; metástases à distância, 2,4% ao ano; desconhecido, 1,8% ao ano). A incidência de mortalidade aumentou 1,1% ao ano (IC95% 0,6 – 1,6%) no período estudado, sendo 2,9% ao ano (IC95% 1,1 – 4,7%) se considerados somente os pacientes com câncer papilar e metástases à distância. Durante o Clube de Revista foram discutidos os seguintes aspectos:
·         O percentual de mudança anual da incidência do câncer de tireoide foi maior entre os anos de 1997 e 2009, chegando a 6,7% ao ano, provavelmente em decorrência do aumento da disponibilidade de exames de imagem neste período. Nos anos subsequentes houve tendência à redução da incidência, que pode ser explicada pela conduta mais conservadora preconizada, tendo em vista os efeitos adversos de tratamentos excessivos em pacientes de baixo risco;
·         O estudo reforça a ideia de que o aumento da incidência do câncer de tireoide é real e não apenas secundário ao excesso de diagnósticos, uma vez que houve aumento de tumores < 2 cm e também de tumores entre 2 e 4 cm e estágio TNM IV;
·         Embora o estudo cite a epidemia de obesidade e a diminuição do tabagismo como possíveis fatores contribuintes para o aumento da incidência de câncer de tireoide, esta relação causal é especulação;
·         O fato de o estudo incluir as mortes apenas a partir de 1994 pode ter determinado viés, ao subestimar a mortalidade no início do acompanhamento;
·         Como não foi avaliado o tipo de tratamento realizado pelos pacientes, bem como exposições ambientais e fatores relacionados ao estilo de vida, fatores de confusão podem etr influenciando os resultados.
Pílula do clube: Parece haver uma tendência real de aumento da incidência de câncer de tireoide entre 1974 e 2013 nos Estados Unidos, assim como aumento da mortalidade por carcinoma papilar avançado. Entretanto, o estudo possui algumas limitações, sendo necessário observar se esta tendência se manterá ao longo do tempo.
Discutido no Clube de Revista de 29/5/2017

sábado, 10 de junho de 2017

Coadministration of Canagliflozin and Phentermine for Weight Management in Overweight and Obese Individuals without Diabetes: A Randomized Clinical Trial

Hollander P, Bays HE, Rosenstock J, Frustaci ME, Fung A, Vercruysse F, Erondu N.

Diabetes Care 2017, 40(5):632-639.

Trata-se de ensaio clínico randomizado, placebo-controlado, multicêntrico, conduzido em 18 centros nos Estados Unidos, que avaliou a eficácia e a segurança da coadministração de canagliflozina com fentermina em indivíduos com sobrepeso ou obesos e sem diabetes. Foram incluídos pacientes com sobrepeso ou obesidade sem diabetes mellitus com IMC ≥30 e ≤50 kg/m2 ou um IMC ≥27 e ≤50 kg/m2 com hipertensão e/ou dislipidemia. Os critérios de exclusão foram história de obesidade de causa secundária, hemoglobina glicada ≥ 6,5, diagnóstico de diabetes, doença cardiovascular nos últimos 3 meses antes do rastreamento, história de transtorno alimentar, glaucoma, taxa de filtração glomerular estimada < 70 ml/min/1,73m2, hipertrigliceridemia ≥ 600 mg/dL, lipoaspiração ou tratamento com medicamentos emagrecedores, antipsicóticos, corticosteróides, agentes antihiperglicêmicos, inibidores seletivos da recaptação de serotonina ou inibidores da recaptação de serotonina-noradrenalina nos últimos 3 meses ou uso de inibidores da MAO nos últimos 14 dias. Inicialmente os pacientes foram submetidos a um período de run-in de 4 semanas, em que receberam instruções padronizadas para implementar um programa de perda de peso não farmacológico que incluía uma dieta individualizada com restrição calórica de 600 kcal e 150 minutos de exercício físico por semana. Os pacientes foram randomizados para receber placebo, canagliflozina, fentermina ou a coadministração de canagliflozina com fentermina (cana/fen) e o estudo teve duração de 26 semanas. O desfecho primário foi o percentual de mudança no peso em relação ao início do estudo com cana/fen versus placebo na semana 26. Desfechos secundários foram a proporção de pacientes que perderam ≥5% do peso e a mudança absoluta em relação ao início do estudo do peso e da pressão sistólica.
Foram randomizados 82 pacientes no grupo placebo, 84 pacientes no grupo da canagliflozina, 85 pacientes no grupo da fentermina e 83 pacientes no grupo da cana/fen, sendo que 69% destes terminaram o estudo. A maioria dos pacientes eram brancos e do sexo feminino. A idade média foi de 45,7 anos, o peso médio foi de 102,9 kg e o IMC médio de 37,3 kg/m2. A mudança percentual de peso foi expressa através da média dos quadrados mínimos e atingiu -0,6, -1,9, -4,1 e -7,5% nos grupos placebo, canagliflozina, fentermina e cana/fen, respectivamente. A mudança absoluta no peso foi de -0,6, -1,9, -4,1 e -7,3 kg, respectivamente. A perda percentual de peso com cana/fen foi estatisticamente superior em relação ao placebo, sendo de -6,9%. A redução absoluta foi de -6,7 kg. A perda de peso com a associação continuou até a semana 26 sem apresentar um platô. Uma proporção maior de participantes atingiu a perda de ≥5% com cana/fen versus placebo (66,7 vs 17,5%; odds ratio 10,2, P<0,0001). Aproximadamente 18% da perda de peso com cana/fen foi atribuída à canagliflozina, ~50% à fentermina e 32% à interação da canagliflozina com a fentermina. Houve redução estatisticamente significativa da pressão arterial sistólica com a cana/fen versus placebo (-4,2 mmHg, P=0,015). Houve um aumento de 3,5 batimentos cardíacos por minuto no grupo da cana/fen. Não houve alteração significativa nos níveis de lipídeos. A incidência global de efeitos adversos foi de 57,3, 59,5, 54,1 e 66,3% com placebo, canagliflozina, fentermina e cana/fen, respectivamente. Houve uma maior incidência de efeitos adversos que levaram à saída do estudo no grupo da canagliflozina. A incidência de infecções genitais micóticas femininas foi de 10,3 e 7,2% nos grupos canagliflozina e cana/fen, respectivamente, versus nenhum evento nos grupos placebo e fentermina. A incidência de infecções do trato urinário em geral foi baixa, sendo numericamente maior nos grupos da canagliflozina e cana/fen. Durante o clube foram discutidos os seguintes aspectos:

·         Os autores não caracterizam no corpo do texto quais as doses administradas de cada medicação. Apesar de serem citadas no resumo do artigo, é essencial descrever com clareza a intervenção proposta;
·         Apesar de fentermina estar contraindicada em bula para pacientes com doença cardiovascular e hipertensão (mesmo que leve), os autores limitaram os critérios de exclusão aos pacientes que tiveram doença cardiovascular nos últimos 3 meses antes do rastreamento, o que deixa espaço para que pacientes com doença cardiovascular estável possam ter sido randomizados. Além disso, hipertensão era permitida como critério de inclusão;
·         O período de run-in pode ter filtrado para fora do estudo aqueles pacientes predispostos a uma menor adesão terapêutica, permanecendo, portanto, apenas aqueles com maior potencial de resposta à intervenção;
·         O tempo de tratamento foi curto, não se podendo avaliar se houve reganho de peso nos grupos;
·         O uso da canagliflozina isoladamente teve uma perda desprezível de peso;
·         Chama atenção a redução estatisticamente significativa da pressão arterial sistólica nos grupos que receberam fentermina, sendo que geralmente o aumento dos níveis pressóricos é esperada com o uso dessa medicação;
·         Os autores aventam que possa existir um efeito sinérgico para a perda de peso com a combinação cana/fen, sem, no entanto, especular com profundidade quais podem ser os mecanismos implicados nesse sinergismo.

Pílula do clube: o uso a curto prazo da combinação cana/fen esteve associada a uma perda de peso significativa em relação ao placebo, sem haver dados disponíveis a longo prazo para avaliar se há reganho de peso. No momento, não existem evidências para o uso de canagliflozina em monoterapia com o objetivo de emagrecimento.


Discutido no Clube de Revista de 22/05/2017.

Extrathyroidal Extension Is Associated with Compromised Survival in Patients with Thyroid Cancer

Linda M. Youngwirth, Mohamed A. Adam, Randall P. Scheri, Sanziana A. Roman, and Julie A. Sosa
Thyroid 2017, 27(5): 626-631.
http://online.liebertpub.com/doi/abs/10.1089/thy.2016.0132

Nos pacientes com câncer diferenciado de tireoide (CDT) existem vários fatores de risco e indicadores de doença avançada, dentre eles: sexo masculino, idade avançada, volume tumoral e extensão extratireoidiana (ETE), a qual é definida pelo crescimento tumoral para fora da glândula tireoide, envolvendo tecidos e/ou órgãos adjacentes. Atualmente, a ETE é utilizada como parte dos sistemas de estadiamento do CDT, embora pouco se saiba sobre seu impacto nos desfechos destes pacientes. Trata-se de estudo retrospectivo, observacional, com base no banco nacional de dados em câncer dos Estados Unidos. Neste estudo foram selecionados pacientes adultos (≥ 18 anos), incluídos no banco entre 1998 e 2012, com diagnóstico de CDT ou câncer medular de tireoide (CMT). Os pacientes foram divididos em: sem ETE (T1 e T2); ETE mínima (T3 e < 4 cm) e ETE extensa (T4 e < 4 cm). Foram excluídos pacientes com tumores > 4 cm e aqueles com CMT e metástases à distância. Foram avaliadas características demográficas, clínicas e patológicas. O modelo de razões proporcionais de Cox foi utilizado para cada tipo histológico com objetivo de identificar fatores associados com a sobrevida.
Foram incluídos 241.118 pacientes com CDT; destes 86,9% não apresentavam ETE, 9,1% ETE mínima e 4% ETE extensa. Quando comparados com os pacientes sem ETE, os pacientes com ETE mínima e extensa eram mais comumente do sexo masculino, apresentavam média de idade maior, e maior número de comorbidades. Os tumores que apresentavam ETE eram maiores (1,4cm vs. 1,8cm vs. 2,0 cm para os grupos sem ETE, ETE mínima e ETE extensa, respectivamente), apresentavam mais comumente invasão linfovascular (8,6% vs. 28% vs. 35,1%, respectivamente) e metástases para linfonodos (32,5% vs. 67% vs. 74,6%, respectivamente) – todos com P < 0,01. Após ajuste para outras variáveis a presença de ETE mínima e extensa (HR 1,13 e 1,74, P < 0,01) foi associada com o comprometimento da sobrevida em pacientes com CDT de maneira independente.
Quanto ao CMT, foram avaliados 3.415 pacientes, dos quais 87,9% não apresentavam ETE, 7,1% ETE mínima e 5% ETE extensa. Comparados com os pacientes sem ETE, os pacientes com ETE mínima e extensa eram mais comumente homens, e apresentavam idade média maior. Os tumores desses pacientes eram maiores (1,7 cm vs. 2,2 cm vs. 2,2cm, respectivamente), apresentavam mais comumente invasão linfovascular (19,2% vs. 68,9% vs. 79,3%, respectivamente), margens positivas após tireoidectomia (5,8% vs. 44,1% vs. 51,9%, respectivamente) e metástases para linfonodos (39% vs. 90,5% vs. 94,4%, respectivamente) – todos com P < 0,01. Após ajuste para outras variáveis, ETE extensa (HR 1,63 P=0,01) foi associada com o comprometimento da sobrevida. ETE mínima mostrou uma tendência a comprometer a sobrevida (HR 1,44 P=0,07). Durante o Clube de Revista, os seguintes pontos foram discutidos:
·         A utilização da média e desvio padrão na análise do tamanho tumoral pode não ser adequada, pois os dados pareciam não ter distribuição normal. Da mesma forma, não foi descrito se estes dados foram comparados através de teste paramétrico ou não paramétrico;
·         O uso da ETE como critério de pior prognóstico vem ocorrendo e tem sido incluído em todos os consensos e escores de risco do câncer de tireoide, apesar desse estudo parecer ser o primeiro que avaliou esta questão em grande número de pacientes e considerando sobrevida como desfecho;
·         O estudo foi feito com dados de banco de dados, logo não foi possível determinar o impacto da ETE sobre desfechos mais específicos do câncer de tireoide (recidiva, doença persistente, morte relacionada).

Pílula do clube: Em pacientes com câncer de tireoide, a presença de extensão extratireoidiana (mínima ou extensa) está associada ao comprometimento da sobrevida em especial nos pacientes com CDT.


Discutido no Clube de Revista de 15/05/2017.

Sugar- and Artifcially Sweetened Beverages and the Risks of Incident Stroke and Dementia: A Prospective Cohort Study

Matthew P. Pase, Jayandra J. Himali, Alexa S. Beiser, Hugo J. Aparicio, Claudia L. Satizabal, Ramachandran S. Vasan, Sudha Seshadri, Paul F. Jacques.

Stroke 2017,48(5):1139-1146.

Trata-se de estudo de observacional realizado com o banco de dados do Framinghan Heart Study Offspring Cohort, com objetivo de avaliar a associação entre o consumo de bebidas adoçadas com açúcar ou artificialmente e incidência de AVC ou demência em 10 anos. A coorte inicial foi composta por 5.124 voluntários incluídos em 1971; destes, 3.029 indivíduos foram elegíveis para participar deste estudo por terem preenchido o questionário de frequência alimentar de Harvard (Harvard FFQ) entre 1998 e 2001. Para a análise do desfecho AVC (n = 269), foram excluídos participantes com menos de 45 anos e com AVC ou outra doença neurológica prévia; já para o desfecho demência (n = 1.395) foram excluídos indivíduos com menos 65 anos e com demência. O Harvard FFQ foi validado previamente vs. registro alimentar. As bebidas adoçadas foram divididas em: 1) bebidas açucaradas em geral (incluindo refrigerante normal, suco natural e suco adoçado com açúcar), 2) refrigerante normal e 3) refrigerante adoçado artificialmente. Utilizou-se modelo de regressão de Cox proporcionada para avaliar o risco dos desfechos com três modelos de ajustes: 1. Minimamente ajustado (idade, sexo, total de calorias ingeridas e escolaridade para avaliação de demência), 2. Modelo 1 + ajustes para fatores de estilo de vida (qualidade da dieta, atividade física e tabagismo) e 3. Modelo 1 + ajustes para variáveis cardiometabólicas (HAS, DM, DCV, FA, dislipidemia, hipertrofia de VE, relação cintura/quadril e heterozigoto para apoproteína E apenas para demência).
Houve aumento de » 2 vezes no risco de AVC total e isquêmico com consumo recente de refrigerante adoçado artificialmente, em qualquer quantidade quando comparado a nenhuma ingestão por semana, em análise ajustada (modelos 2 e 3). Aumento de risco para AVC isquêmico ocorreu relacionado ao consumo cumulativo de tais bebidas. A análise de sensibilidade mostrou que, quando ajustado para prevalência de hipertensão, o efeito sobre o risco de AVC foi atenuado, podendo a hipertensão ser um fator mediador parcial desta associação. O consumo de refrigerantes adoçados artificialmente também foi associado a aumento de risco de demência em geral e Alzheimer em aproximadamente duas vezes, tanto para consumo cumulativo quanto recente, porém apenas para os pacientes que consumiram > 1 porção/dia. Tal resultado perdeu significância estatística quando ajustado com o modelo 3. A análise de sensibilidade mostrou atenuação do risco de demência com o consumo de tais bebidas quando ajustado para a prevalência de diabetes. Não foi observado aumento de risco de AVC ou demência com o consumo de bebidas adoçadas em geral ou refrigerante normal isoladamente, em quaisquer das análises realizadas. O grupo que mais ingeriu bebidas açucaradas (> 2/dia) apresentava menor prevalência de diabetes, doença cardiovascular, hipertensão e tinham IMC médio algo menor, quando comparado com o grupo que mais ingeriu refrigerantes adoçados artificialmente (>1/dia), sendo, respectivamente, para diabetes 8% vs. 22%, doença cardiovascular 10% vs. 13%, hipertensão 32% vs. 39% e IMC médio 27 vs. 29. Foram discutidos no clube os seguintes aspectos:
·         A ausência de aumento de desfechos com bebidas açucaradas pode ser secundária a um perfil de pacientes mais saudáveis no basal e que, portanto, não tinham a preocupação de reduzir o consumo de açúcar;
·         Os pacientes foram incluídos na coorte inicial em 1971, contudo, a primeira coleta deste estudo foi em 1991 e a análise dos dados em 2001. Não se pode excluir a possibilidade de ter ocorrido óbito dos pacientes mais graves antes da coleta e análise dos dados (viés de sobrevivência);
·         Devido a ser um estudo observacional, não se pode determinar relação de causa-efeito, existindo a possibilidade de viés de causalidade reversa. Também não se pode excluir o viés de memória intrínseco a estudos que utilizam questionários para quantificação da exposição.

Pílula do clube: O consumo de refrigerante adoçado artificialmente pode estar associado a aumento de incidência de AVC e demência. Contudo, os vieses do estudo, incluindo o de causalidade reversa, podem ter influenciado a análise/interpretação dos dados.


Discutido no Clube de Revista de 08/05/2017.

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Frequency of Evidence-Based Screening for Retinopathy in Type 1 Diabetes

The DCCT/EDIC Research Group

N Engl J Med 2017, 376(16):1507-1516.

Trata-se de dados da coorte prospectiva do grupo do DCCT/EDIC. Foram analisados dados de retinografia de quase 30 anos de 1.441 pacientes com diabete melito tipo 1 (DM1). O objetivo foi estabelecer um cronograma de rastreamento de retinopatia diabética baseado em evidência, buscando a individualização da frequência do exame com base em fatores de risco estabelecidos para a progressão da doença e com base em uma população e diabéticos com tratamento intensivo. Durante o estudo DCCT (1983 à 1989), o rastreamento de retinopatia foi feito com retinografia estereoscópica de 7 campos a cada 6 meses. No seu seguimento (estudo EDIC) até 2012, o exame era feito a cada 4 anos a partir do ano de entrada no DCCT. A retinopatia diabética foi classificada de acordo com a escala do Early Treatment Diabetic Retinopathy Study (ETDRS): ausente (estágio 1), não proliferativa leve (estágio 2), não proliferativa moderada (estágio 3), não proliferativa grave (estágio 4) e proliferativa grave, edema macular clinicamente significativo ou tratamento prévio com fotocoagulação, corticoide intraocular e agente anti-VEGF (estágio 5).
Foram analisadas quase 24.000 fotografias em um seguimento médio de 23 anos, evidenciando ausência de progressão de estágio da retinopatia em comparação com o exame anterior em cerca de 78%, piora em 14% e melhora do estágio em 8% dos casos. O risco de progressão para retinopatia proliferativa ou edema macular clinicamente significativo se associou ao estágio da retinopatia atual (maior risco nos estágios 3 e 4) e ao valor da hemoglobina glicada (maior risco se mais elevada). A partir dos resultados, os autores propõem um cronograma de rastreamento em que a taxa de progressão para o estágio 5 fosse próxima de 5% (exceto para o estágio 4, que ficou em torno de 14%): a cada 4 anos (retinopatia estágio 1), 3 anos (estágio 2), 6 meses (estágio 3) e 3 meses (estágio 4). Os intervalos de rastreamento também podem ser individualizados com base no valor da hemoglobina glicada (menores se pior controle glicêmico). Por fim, foi criado um aplicativo na internet (https://extapps.bsc.gwu.edu/shinypub/edic/retinopathy/) para individualizar o cálculo do tempo até o próximo exame a partir dos dados de hemoglobina glicada e estágio atual de retinopatia do paciente. O novo modelo de rastreamento, em comparação com a recomendação atual de avaliação anual, mostrou uma redução de 58% no número de exames (18 vs. 7,7) para detecção de doença estágio 5, e redução de 2,3 meses para o diagnóstico. Estima-se que essa estratégia implicaria em redução dos custos.
            As principais limitações do estudo são: uso de retinografia em vez de oftalmoscopia; resultados obtidos em uma única coorte, podendo não ser aplicável a outras populações; baixa representatividade de gestantes na coorte (menos de 2% do estudo) - impossibilitando o seu emprego nesse subgrupo. Outro aspecto importante é que a expansão do uso de agentes anti-VEGF para fases mais precoces de retinopatia pode alterar frequência do rastreamento no futuro, uma vez que os intervalos propostos por esse estudo buscam a detecção de doença avançada. Durante o Clube de Revista, foram discutidos os seguintes pontos:
·         Mesmo sendo improvável que a retinopatia nos pacientes com DM2 se comporte de forma diferente, essas informações se baseiam em uma coorte de pacientes com DM1;
·         O aumento do intervalo de rastreamento em pacientes sem retinopatia ou com doença leve reduz a carga de encaminhamentos para oftalmologista, o que pode contribuir para que aqueles com indicação de tratamento sejam avaliados com mais brevidade;
·         A elevada probabilidade de progressão para doença estágio 5 em curto intervalo nos pacientes com retinopatia não proliferativa grave (estágio 4) sugere já representar doença que demande seguimento e tratamento com especialista, ao invés de “rastreamento”;
·         O novo cronograma de rastreamento baseado em evidência é de fácil compreensão e aplicável na prática clínica. Nos casos em que se queira individualizar para a hemoglobina glicada do paciente, além do estágio da retinopatia, pode-se utilizar o aplicativo disponível na internet, também simples de manusear. 

     Pílula do Clube: cronograma individualizado de rastreamento da retinopatia diabética com base no estágio atual da retinopatia e na hemoglobina glicada reduz a frequência de exames sem atrasar o diagnóstico de doença clinicamente significativa.


Discutido no Clube de Revista de 24/04/2017.

Thyroid Hormone Therapy for Older Adults with Subclinical Hypothyroidism

D.J. Stott, N. Rodondi, P.M. Kearney, I. Ford, R.G.J. Westendorp, S.P. Mooijaart, N. Sattar, C.E. Aubert, D. Aujesky, D.C. Bauer, C. Baumgartner, M.R. Blum, J.P. Browne, S. Byrne, T.-H. Collet, O.M. Dekkers, W.P.J. den Elzen, R.S. DuPuy, G. Ellis, M. Feller, C. Floriani, K. Hendry, C. Hurley, J.W. Jukema, S. Kean, M. Kelly, D. Krebs, P. Langhorne, G. McCarthy, V. McCarthy, A. McConnachie, M. McDade, M. Messow, A. O’Flynn, D. O’Riordan, R.K.E. Poortvliet, T.J Quinn, A. Russell, C. Sinnott, J.W.A. Smit, H.A. Van Dorland, K.A. Walsh, E.K. Walsh, T. Watt, R. Wilson, and J. Gussekloo, for the TRUST Study Group*

N Engl J Med 2017, Apr 3. Epub ahead of print. http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa1603825#t=article

O uso de levotiroxina para tratar hipotireoidismo subclínico em idosos é controverso. O presente estudo trata-se de um ensaio clínico randomizado controlado por placebo com o objetivo de determinar se a levotiroxina proporciona benefícios clínicos quando reposta em idosos com tal condição. O estudo incluiu 737 adultos com mais de 65 anos e com hipotireoidismo subclínico pelo critério laboratorial em mais de dois exames com intervalo de três meses. Foram excluídos pacientes que utilizaram no passado levotiroxina, amiodarona ou lítio, assim como pacientes criticamente doentes ou com evento coronariano agudo recente. Um total de 368 pacientes foram randomizados para levotiroxina e 369 para placebo. A dose inicial da levotiroxina era de 50 mcg, podendo variar de acordo com comorbidades ou o TSH inicial do paciente.  Como desfechos primários foram avaliados dois escores, um de sintomas de hipotireoidismo (thypro) e outro que mede cansaço no início do estudo e após 12 meses de seguimento. Como desfechos secundários foram avaliados qualidade de vida, força muscular e eventos cardiovasculares.
A média de idade dos pacientes foi de 74,4 anos e a média do TSH foi 6,40 ± 2,01 mUI/L no início do estudo. Após 12 meses, a média de TSH foi de 5,48 mUI/L no grupo placebo e 3,63 mUI/L no grupo levotiroxina. Em relação aos desfechos primários, não foram observadas diferenças na variação, ao longo de um ano, no escore de sintomas de hipotireoidismo (0,2 ± 15,3 vs. 0,2 ± 14,4; nos grupos placebo e levotiroxina, respectivamente) e no escore de cansaço (3,2 ± 17,7 vs. 3,8 ± 18,4; nos grupos placebo e levotiroxina, respectivamente). Quanto aos desfechos secundários também não forma observadas diferenças entre os grupos analisados. Durante o Clube, os seguintes aspectos foram discutidos:
·         O fato do estudo não demonstrar benefício do tratamento com levotiroxina em sintomas é limitado pelo fato de que os pacientes incluídos não apresentavam sintomas ou eram pouco sintomáticos no início do estudo;
·          O estudo não abordou alguns aspectos importantes como a avaliação do anti-TPO nestes pacientes e grupos que apresentam maior fator de risco para desenvolver doença clínica;
·         O estudo teve uma amostra muito pequena de pacientes com TSH > 10 e, portanto, não podemos generalizar os achados para este grupo de pacientes;
·         Apesar do estudo não ter poder para avaliar desfechos cardiovasculares ou mortalidade, observamos que houve o dobro de mortes no grupo tratamento (n =10 vs. 5).

Pílula do Clube: O tratamento do hipotireoidismo subclínico na população acima de 65 anos não traz benefícios sintomáticos como melhora do cansaço e sintomas de hipotireoidismo. Ainda não se sabe se o tratamento apresentaria alteração em mortalidade e desfecho cardiovascular.


Discutido no Clube de Revista 17/04/2017.

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Relative effectiveness of insulin pump treatment over multiple daily injections and structured education during flexible intensive insulin treatment for type 1 diabetes: cluster randomised trial (REPOSE)

The REPOSE Study Group

BMJ 2017, Mar 30;356:j1285.


Trata-se de ensaio clínico randomizado, multicêntrico, envolvendo três centros na Escócia e cinco centros na Inglaterra, com objetivo de avaliar se bomba de infusão de insulina é melhor do que múltiplas injeções diárias de insulina (MDI) para o controle glicêmico em pacientes com diabetes tipo 1 (DM1). Foram avaliados 248 pacientes que, previamente à randomização, receberam cursos de treinamento em tratamento intensivo para diabetes baseados no estudo DAFNE (2002).  Após a randomização entre os grupos bomba ou MDI, os pacientes recebiam orientações específicas para tratamento com cada uma das modalidades e eram seguidos por dois anos. Os desfechos primários avaliados foram redução na HbA1c para pacientes com valores basais ≥ 7,5%, manutenção da HbA1c com redução do número de hipoglicemias para aqueles com valores basais < 7,5% e proporção de pacientes que atingiram a meta de HbA1c < 7,5%.
Ao final dos dois anos de seguimento, na análise por intenção de tratar, houve redução de 0,24% na HbA1c nos pacientes do grupo bomba quando comparados com o grupo MDI, entretanto sem significância estatística (P=0,1). Quando realizada análise por protocolo, em que apenas os pacientes que iniciaram e terminaram o estudo no mesmo grupo foram analisados, houve redução de 0,36% da HbA1c dos pacientes do grupo bomba vs. MDI (P=0,02), entretanto sem relevância clínica (definida pelos autores como sendo diferença superior a 0,5% na HbA1c entre os grupos). Ocorreram 2,6 episódios de hipoglicemia por paciente no grupo bomba vs. 2,3 episódios por paciente no grupo MDI (P=0,77). Da mesma forma, a proporção de participantes com HbA1c < 7,5% ao final do segundo ano de estudo, foi de 25% no grupo bomba e 23% no grupo MDI (P=0,57). Durante o Clube de Revista os seguintes pontos foram discutidos:
·         O desenho do estudo foi adequado, apresentando critérios de inclusão e exclusão bastante claros que procuraram minimizar vieses no estudo;
·         Apesar de ter sido proposta análise por intenção de tratar, os pacientes sem uma medida de HbA1c após o baseline foram excluídos da análise;
·         Considerando que alguns pacientes mudaram de grupo ao longo do estudo, foi realizada uma segunda análise dos dados – por protocolo;
·         Assim como em estudos prévios com bomba de insulina, percebe-se pequena redução na HbA1c mas que não reflete significância na prática clínica.

Pílula do clube: Pacientes com DM1 quando recebem treinamento apropriado para o tratamento de sua doença, demonstram uma melhora no controle da doença independente da forma de tratamento escolhida (bomba de insulina ou múltiplas injeções diárias). Portanto, o fator mais importante para um bom controle da doença é a educação intensiva e continuada dos pacientes.


Discutido no Clube de Revista de 10/04/2017.

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Effect of Testosterone Treatment on Volumetric Bone Density and Strength in Older Men with Low Testosterone: A Controlled Clinical Trial

Peter J. Snyder, David L. Kopperdahl, Alisa J. Stephens-Shields, Susan S. Ellenberg, Jane A. Cauley, Kristine E. Ensrud, Cora E. Lewis, Elizabeth Barrett-Connor, Ann V. Schwartz, David C. Lee, Shalender Bhasin, Glenn R. Cunningham, Thomas M. Gill, Alvin M. Matsumoto, Ronald S. Swerdloff, Shehzad Basaria, Susan J. Diem, ChristinaWang, Xiaoling Hou, Denise Cifelli, Darlene Dougar, Bret Zeldow, Douglas C. Bauer, Tony M. Keaveny.

JAMA Intern Med 2017, 177(4):471-79.

Os T-trial é um conjunto de sete ensaios clínicos randomizados, multicêntricos, duplo-cegos, placebo-controlados, envolvendo 12 centros nos Estados Unidos. Os objetivos primários específicos são testar as hipóteses de que a reposição de testosterona em homens idosos com concentrações séricas baixas desse hormônio e com sintomas e/ou anomalias objetivamente medidas em pelo menos uma das cinco áreas possivelmente associadas a esta alteração (função física ou sexual, vitalidade, cognição e anemia) resultará em alterações mais favoráveis ​​nessas anormalidades do que o tratamento com placebo.
O Bone Trial testou a hipótese de que o tratamento com testosterona poderia aumentar a densidade mineral óssea (DMO) trabecular volumétrica da coluna lombar em homens com ≥ 65 anos com testosterona sérica < 275ng/dL em duas dosagens matinais. O desfecho primário foi a alteração da DMO da coluna lombar (trabecular) em relação à linha de base medida por tomografia computadorizada quantitativa (QCT). Os desfechos secundários foram: DMO da coluna lombar e quadril (trabecular e cortical), além da força óssea desses sítios (medida por análise de elementos finitos [FEA] da TC). Os homens foram avaliados por TC quantitativa e DEXA da coluna vertebral e quadril, e fraturas clínicas aos 0 e 12 meses. Foi calculado tamanho da amostra (200 indivíduos) e imputação múltipla foi usada para verificar a influência dos exames ausentes no mês 12 na análise do desfecho primário, e o método Markov chain Monte Carlo para imputar valores faltantes. Avaliação foi realizada por intenção de tratar.
Dos 295 homens que participaram do Bone Trial (em 9 centros clínicos), 211 preencheram os critérios de inclusão, dos quais 189 (90%) completaram o tratamento e tiveram exames analisados na linha de base e em 12 meses. Os participantes foram tratados com testosterona ou gel placebo durante um ano. A dose foi ajustada de forma cegada para atingir um nível de testosterona normal. O tratamento com testosterona aumentou a DMO média da coluna lombar trabecular (desfecho primário) em 7,5% (IC95% 4,8-10,3%), comparado com 0,8% (IC95% -1,9% a 3,4%) no placebo, uma diferença de 6,8% (IC95% 4,8-8,7%; P<0,001). A diferença média foi menor (4%, IC95% 3-5%) nas análises de sensibilidade para exames faltantes do mês 12, mas ainda significativos (P<0,001). A magnitude do aumento % na DMO trabecular vertebral da linha de base até o mês 12 em homens tratados com testosterona se associou com alterações na testosterona total (β=0,01, ρ=0,25, P=0,01) e estradiol (β=0,17, ρ=0,37, P<0,001). O tratamento com testosterona aumentou a força do osso trabecular da coluna vertebral em 10,8% (IC95% 7,4-14,3%), comparado com 2,4% (IC95% -1 a 5,7%) em homens do grupo placebo; com diferença de 8,5% (IC95% 6-10,9%; P<0,001). Na DEXA, o tratamento com testosterona determinou aumento da DMO média (3,3%, IC95% 2,01-4,56%) mais do que placebo (2,1%, IC95% 0,87-3,36%; P=0,01). No quadril, foi associado com aumento médio de 1,2% (IC95% 0,19-2,17%) comparado com 0,5% (IC95% -0,45 a 1,46%) no placebo (P=0,052). No colo do fêmur, foi associado a aumento médio de 1,5% (IC95% 0,02-2,97%) e placebo de 0,9% (IC95% -0,49% a 2,35%; P=0,27). Durante o tratamento, 6 fraturas foram relatadas e confirmadas em cada grupo; no ano subsequente, 3 fraturas ocorreram no grupo de testosterona e 4 no grupo placebo.O tratamento com testosterona não foi associado a maior incidência de eventos adversos de próstata ou cardiovasculares do que no grupo placebo. Durante o clube foram discutidos os seguintes aspectos:
·         Foram incluídos apenas homens com níveis de testosterona muito baixos e com baixo risco para doença cardiovascular e Ca de próstata, o que limita a validade externa;
·         Foram incluídos homens sem osteopenia ou osteoporose, o que também limita a validade externa;
·         O tempo de seguimento foi curto para demonstrar aumento do risco de efeitos adversos como câncer de próstata e eventos cardiovasculares, bem como efeitos benéficos (fraturas);
·         Os desfechos avaliados (primários e secundários) foram todos substitutos (medidas de DMO por diferentes métodos). Não houve diferença em desfechos clínicos (fraturas).

Pílula do Clube: Em homens com mais de 65 anos com níveis baixos de testosterona, sem alto risco cardiovascular e de câncer de próstata, o uso de testosterona tópica pode melhorar a densidade mineral óssea da coluna vertebral e osso trabecular medidas por QCT, com benefícios discretos em relação ao quadril e ao osso cortical.


Discutido no Clube de Revista de 03/04/2017.

domingo, 9 de abril de 2017

Initial and Dynamic Risk Stratification of Pediatric Patients with Differentiated Thyroid Cancer

Tae Yon Sung, Min Ji Jeon, Yi Ho Lee, Yu-mi Lee, Hyemi Kwon, Jong Ho Yoon, Ki-Wook Chung, Won Gu Kim, Dong Eun Song, and Suck Joon Hong

J Clin Endocrinol Metab 2017, 102(3):793-800.

Trata-se de estudo de coorte retrospectivo, que envolveu 88 crianças com carcinoma diferenciado de tireoide (CDT) e teve como objetivo avaliar a utilidade da classificação de risco da American Thyroid Association (ATA) e da estratificação dinâmica de risco (EDR) baseada na reposta à terapia inicial nessas crianças. Foram incluídos todos os pacientes que realizaram tireoidectomia parcial ou total com diagnóstico de CDT, no período ente janeiro de 1995 e dezembro de 2014, no Asan Medical Center, em Seoul, Coréia do Sul. Onze pacientes foram excluídos por falta de informações no acompanhamento. Os pacientes tiveram um acompanhamento médio de 5,3 anos.
Baseado na classificação de risco da ATA, 22%, 48% e 30% dos pacientes estavam no grupo de risco baixo, intermediário e alto, respectivamente. Não houve diferença no tempo de sobrevida livre de doença entre os grupos de indeterminado e baixo risco. O risco de doença recorrente/persistente foi maior no grupo de alto risco (HR 18,4; P=0,005). Em relação à EDR, 49%, 13%, 6% e 31% dos pacientes foram classificados nos grupos de reposta excelente, indeterminada, bioquímica incompleta e estrutural incompleta, respectivamente. O risco de doença recorrente/persistente foi maior no grupo indeterminado (HR 10,2; P=0,045) e no grupo de reposta estrutural incompleta (HR 98,7; P=0,005) quando comparados ao grupo de reposta excelente. Durante o Clube de Revista os seguintes pontos foram discutidos:
·                    A classificação de risco da ATA de 2015, embora já conste no consenso de CDT em crianças, apresenta diversas limitações do ponto de vista prático em virtude da disponibilidade de todos os dados que a mesma necessita para classificação;
·                     Apesar do grupo com reposta bioquímica incompleta não ter mostrado um aumento de risco significativo em relação ao grupo com reposta excelente, talvez pelo pequeno número de pacientes incluídos neste grupo (n=5), o HR mostrou um aumento progressivo desde a resposta indeterminada até o grupo com resposta estrutural incompleta, que deve ser considerado;
·                    Enquanto nos adultos os pacientes com resposta indeterminada apresentam um comportamento semelhante aos com resposta excelente, neste estudo os pacientes do grupo com resposta indeterminada apresentaram um aumento de risco semelhante aos do grupo com resposta bioquímica incompleta. Isto pode ser explicado pelo comportamento mais agressivo do CDT em crianças, com maior incidência de metástases em linfonodos e à distância;
·                    O estudo apresenta validade externa comprometida, uma vez que foram incluídos pacientes de um único centro.

Pílula do Clube: A classificação de risco da ATA e a EDR apresentaram uma boa correlação com o status de doença dos pacientes no final do acompanhamento, principalmente nos grupos de baixo e alto risco, podendo ser usadas como ferramentas adicionais na avaliação destes pacientes, embora sejam necessários mais estudos para validação das mesmas na população pediátrica.

Discutido no Clube de Revista de 27/03/2017.

quarta-feira, 29 de março de 2017

Treatment of Subclinical Hypothyroidism or Hypothyroxinemia in Pregnancy

B.M. Casey, E.A. Thom, A.M. Peaceman, M.W. Varner, Y. Sorokin, D.G. Hirtz, U.M. Reddy, R.J. Wapner, J.M. Thorp, Jr., G. Saade, A.T.N. Tita, D.J. Rouse, B. Sibai, J.D. Iams, B.M. Mercer, J. Tolosa, S.N. Caritis, and J.P. VanDorsten, for the Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Maternal–Fetal Medicine Units Network*

N Engl J Med 2017, 376:815-825.

Este é um artigo que relata dois ECR, controlados por placebo, que avaliaram se o tratamento do hipotireoidismo subclínico ou da hipotiroxinemia com levotiroxina na gestação apresenta algum impacto no QI da prole aos 5 anos de idade.
O primeiro estudo incluiu 677 gestantes (8-20 semanas de idade gestacional) com TSH > 4 mUi/L e T4 livre normal, atingiu o ‘n’ esperado para o estudo, calculado em 670. O alvo esperado de TSH foi 0,1 – 2,5mU/L. A maioria das gestantes no grupo intervenção atingiu o alvo antes das 21 semanas de idade gestacional. A média de QI das crianças com 5 anos foi 97 vs. 94 pontos (P=0,3) nos grupos intervenção e placebo, respectivamente. Também não houve diferença quanto a desfechos avaliados por outros instrumentos validados para aferição de atenção, comportamento, linguagem, desenvolvimento motor e psicológico. Além disso, não houve diferença nos desfechos secundários, que foram eventos adversos gestacionais, fetais ou maternos. Houve mais mortes até 3 anos de idade no grupo placebo (4 intervenção vs. 9 placebo), sendo a maioria perda fetal ou natimortos (4 intervenção vs. 7 placebo), com ‘P’ não significativo.
No segundo trabalho, foram incluídas 526 gestantes (8-20 semanas de idade gestacional) com T4L < 0,86 ng/dL e TSH normal. O ‘n’ calculado também foi atingido (500 pacientes) e os grupos intervenção e controle eram semelhantes em suas características basais. O alvo de T4L adotado foi entre 0,86 e 1,9ng/dL. A maioria das gestantes atingiu o alvo de T4L antes das 21 semanas de idade gestacional. A média de QI das crianças com 5 anos foi igual nos dois grupos (94 vs. 94 pontos P=0,3) e também não houve diferença nos desfechos quando avaliados por outros instrumentos validados para aferição de diversos aspectos do desenvolvimento. Da mesma maneira, não houve diferença nos desfechos secundários, que foram eventos adversos gestacionais, fetais ou maternos. Neste estudo, também houve mais mortes até 3 anos de idade no grupo placebo (3 intervenção vs. 6 placebo), sendo a maioria perda fetal ou natimortos (2 intervenção vs. 5 placebo), novamente com ‘p’ não significativo. Em nenhum dos estudos houve aumento de efeitos adversos ao uso da medicação. Durante o Clube de Revista os seguintes pontos foram discutidos:
·         Ambos os ECRs tiveram o tratamento iniciado em idade gestacional levemente avançada (16 e 17 semanas). Uma vez que a tireoide fetal começa a produção hormonal logo nas primeiras 10-12 semanas, o tratamento poderia ser benéfico caso a randomização fosse mais precoce;
·         A definição do status da função tireoidiana dos participantes dos dois estudos foi feita com uma única dosagem de TSH e T4L, o que é inadequado, já que 50% dos TSH discretamente elevados normalizam numa segunda avaliação;
·         Ambos os estudos apresentaram mais mortes no grupo placebo, sem significância estatística provavelmente por não ter sido desenhado para este desfecho.

Pílula do clube: O tratamento do hipotireoidismo subclínico e hipotiroxinemia com levotiroxina na gestação entre 8 e 20 semanas (especialmente quando o tratamento for iniciado no segundo trimestre) não traz melhores desfechos em relação ao QI da prole aos 5 anos de idade quando comparado ao placebo.


Discutido no Clube de Revista de 20/03/2017.

sexta-feira, 24 de março de 2017

Bariatric Surgery versus Intensive Medical Therapy for Diabetes — 5-Year Outcomes

Philip R. Schauer, Deepak L. Bhatt, John P. Kirwan, Kathy Wolski, Ali Aminian, Stacy A. Brethauer, Sankar D. Navaneethan, Rishi P. Singh, Claire E. Pothier, Steven E. Nissen, and Sangeeta R. Kashyap, for the STAMPEDE Investigators*

N Engl J Med 2017; 376:641-651 February 16, 2017

Trata-se de ensaio clínico randomizado, controlado, não cegado, unicêntrico que envolveu 150 pacientes com diabetes mellitus tipo 2 (DM2) e obesidade. Os critérios de inclusão foram ter DM2, IMC entre 27-43 e idade entre 20-60 anos. Foram excluídos os pacientes que realizaram cirurgia bariátrica prévia, outras cirurgias abdominais complexas e comorbidades clínicas ou psiquiátricas graves. Os pacientes foram randomizados para terapia médica intensiva (TMI), bypass gástrico em Y-de-Roux ou gastrectomia em sleeve. O desfecho primário foi atingir hemoglobina glicada (HbA1c) ≤ 6% com ou sem uso de medicações ao final de 5 anos. Entre os desfechos secundários foram avaliados glicemia, perda de peso, pressão arterial, perfil lipídico, função renal, desfechos oftalmológicos, quantidade de medicações, qualidade de vida e efeitos adversos.
Foram randomizados 50 pacientes para cada um dos três grupos. Ao final de 5 anos, 89% dos pacientes completaram o estudo e foram incluídos na análise. O desfecho primário foi alcançado por 5,3% dos pacientes no grupo TMI; 28,6% no grupo bypass e 23,4% no grupo sleeve, havendo diferença entre TMI e ambos grupos cirúrgicos e não havendo diferença entre as técnicas operatórias. Entre os desfechos secundários, ressalta-se a proporção de pacientes que atingiram HbA1c ≤ 6,5% sem o uso de medicamentos - 30,6% dos pacientes submetidos ao bypass e 23,4% do grupo sleeve, nenhum paciente do grupo da TMI. Em comparação ao basal, houve redução de 0,3 pontos percentuais na HbA1c ao final do estudo no grupo TMI, -2,1 no grupo bypass e -2,1 no grupo sleeve, havendo diferença entre o grupo clínico e os grupos cirúrgicos. Houve perda de peso de -5,3 kg em relação ao basal no grupo TMI, -23,2 kg no grupo bypass e -18,6 kg no grupo sleeve, sendo a diferença significativa  tanto na comparação com o grupo clínico como na comparação entre os dois grupos cirúrgicos. Não houve mudança no LDL ou na pressão arterial. Houve aumento do HDL e redução dos triglicerídeos nos grupos cirúrgicos.
A duração do DM2 menor que 8 anos e ter sido alocado ao grupo do bypass foram os únicos preditores significativos para alcançar o desfecho primário. Não houve diferenças nos desfechos renais ou oftalmológicos. Os pacientes tratados cirurgicamente tiveram melhora nos componentes de funcionamento físico, saúde geral e energia-fadiga no RAND-36, embora o bem-estar emocional tenha piorado no grupo do bypass. Não houve melhora no grupo tratado farmacologicamente, havendo inclusive piora nos domínios de bem-estar emocional e dor corporal. Entre os efeitos adversos, destaca-se a necessidade de reintervenção em 4 pacientes no primeiro ano, uma morte por infarto no grupo TMI e um AVC no grupo do sleeve. Houve ganho de peso excessivo em 19% dos pacientes clínicos e em nenhum paciente cirúrgico. Durante o clube foram discutidos os seguintes aspectos:

  • O estudo foi realizado em um único centro e as cirurgias foram realizadas por um único profissional, o que limita a validade externa dos resultados;
  • O fato de ter se atingido o tamanho amostral tão facilmente em um grupo de 218 pacientes, sendo 150 selecionados, sugere que talvez os participantes do estudo já fossem todos de perfil parecido dentro da mesma instituição, também limitando a aplicabilidade em populações não tão restritas;
  • Ao final do estudo, 12 dos 50 pacientes no grupo TMI haviam saído do estudo, enquanto que as perdas nos grupos cirúrgicos se limitaram a 1 paciente no grupo do bypass e 3 no grupo do sleeve. Os resultados provavelmente se manteriam diferentes entre as duas modalidades de tratamento,  mas talvez a magnitude da diferença entre o tratamento clínico e cirúrgico seria maior;
  • O estudo não foi realizado com a análise por intenção de tratar, contando apenas com aqueles que completaram o estudo para fazer as comparações. Quando uma análise post-hoc foi feita por esse método, houve perda da significância estatística;
  • As taxas de recorrência do diabetes foram de 50% no grupo do bypass e 41,7% no grupo do sleeve, dados apresentados no apêndice.
  • Na avaliação da doença renal e oftalmopatia relacionada ao DM2, os autores primeiro apresentam que não houve piora dessas complicações e durante a discussão informam não terem duração e amostra adequadas para detectar diferenças em dano a órgãos-alvo;
  • Apesar de ter ocorrido melhora do HDL e dos triglicerídeos, importantes componentes do cálculo de risco cardiovascular como LDL e pressão arterial não diferiram entre os grupos ou em relação ao basal;
  • O desfecho primário escolhido pelo estudo (HbA1c ≤ 6%) é extremamente estrito, uma vez existem evidências de ausência de benefício em redução de complicações e eventual aumento de mortalidade a meta de HbA1c ≤ 7%.

Pílula do clube: A cirurgia bariátrica (bypass ou sleeve) para o tratamento de DM2 em pacientes obesos ou com sobrepeso é alternativa potente e mais eficaz que o tratamento clínico intensivo sobre o controle glicêmico, porém cerca  de metade dos pacientes têm recorrência do distúrbio ao final de 5 anos.

Discutido no Clube de Revista de 13/03/2017.

Semaglutide and Cardiovascular Outcomes in Obesity without Diabetes

  A. Michael Lincoff, Kirstine Brown‐Frandsen, Helen M. Colhoun, John Deanfield, Scott S. Emerson, Sille Esbjerg, Søren Hardt‐Lindberg, G. K...