quarta-feira, 31 de março de 2021

Once-Weekly Semaglutide in Adults with Overweight or Obesity

 John P.H. Wilding, Rachel L. Batterham, Salvatore Calanna, Melanie Davies, Luc F. Van Gaal, M.D., Ildiko Lingvay, Barbara M. McGowan, Julio Rosenstock, Marie T.D. Tran, Thomas A. Wadden, Sean Wharton, Koutaro Yokote, Niels Zeuthen, and Robert F. Kushner, for the STEP 1 Study Group


N Engl J Med 2021, Feb 10.

https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2032183


A obesidade é uma doença crônica de alta prevalência com poucas opções de tratamento farmacológico. A mudança no estilo de vida é o pilar do tratamento clínico da obesidade, embora manter a perda de peso seja um desafio. A Semaglutida é um análogo do GLP1 de aplicação subcutânea (SC), administrada em doses até 1 mg por semana em pacientes com diabetes mellitus tipo 2 (DM2). O STEP 1 é um estudo fase 3 cujo objetivo é avaliar a eficácia e a segurança da semaglutida SC 2,4 mg/semana em pacientes com sobrepeso ou obesidade, com ou sem comorbidades. Trata-se de um ensaio clínico randomizado, duplo cego, controlado por placebo, realizado em 129 locais de 16 países na Ásia, Europa, América do Norte e América do Sul. Foram incluídos adultos com índice de massa corporal (IMC) ≥30 kg/m2 ou IMC ≥27 kg/m2 com comorbidades (hipertensão arterial, dislipidemia, apneia obstrutiva do sono, doença cardiovascular). Os principais critérios de exclusão eram diabetes ou HbA1c ≥6,5, história de pancreatite crônica ou pancreatite aguda há menos de 180 dias do arrolamento, cirurgia bariátrica prévia ou planejada e uso de medicamento para tratamento de obesidade menos de 90 dias antes do arrolamento.

Foram incluídos 1961 pacientes: 1306 no grupo semaglutida e 655 no controle. Todos receberam intervenção no estilo de vida, com sessões de aconselhamento individual mensais. A dose de semaglutida foi escalonada 0,25 mg/sem a cada 4 semanas até 2,4 mg na semana 16. Os defechos coprimários eram a porcentagem de mudança no peso corporal do basal à semana 68 e a perda de pelo menos 5% do peso corporal na semana 68. Os desfechos secundários confirmatórios (em ordem hierárquica) eram a redução de ≥10% e ≥15% do peso na semana 68, circunferência da cintura na semana 68, pressão arterial sistólica, escores de qualidade de vida (SF-36 e IWQOL). A maioria dos pacientes era de etnia branca (75,1%) e mulher (74,1%). O peso corporal médio era 105,3kg, IMC médio 37,9 kg/m2. Dois terços dos participantes tinham pelo menos uma comorbidade, sendo 40-45% com pré-diabetes.

No grupo semaglutida, em 68 semanas, a média de perda de peso foi 14,8% versus 2,4% no grupo placebo. Além disso, 86% dos participantes que receberam semaglutida perderam pelo menos 5% do peso corporal, 69,1% perderam ≥10% e 50,5% perderam ≥15%. Já no grupo placebo, 31,5% perderam pelo menos 5% do peso corporal, 12% perderam ≥10% e 4,9% perderam ≥15%. A descontinuação do tratamento aconteceu em 7% do grupo semaglutida e 3,1% do placebo, sendo 4,5% vs. 0,8% por efeitos gastrointestinais. Náusea foi o evento adverso mais comum, ocorrendo principalmente na fase de escalonamento de dose. Já colelitíase ocorreu em 1,8% dos pacientes no grupo semaglutida versus 0,6% no placebo. Quantos aos desfechos secundários, a semaglutida melhorou fatores cardiometabólicos, escores de qualidade de vida (quesito físico) e sugeriu maior perda de massa gorda, na análise de subgrupo com DEXA. Pontos discutidos no clube

  • A perda de peso induzida pela semaglutida é a maior observada até hoje com algum tratamento farmacológico. Além disso, o grupo semaglutida não alcançou nadir de perda de peso até a semana 60; 

  • O principal ponto negativo se deve ao custo da medicação, visto que obesidade é uma doença crônica e não se tem perspectiva de suspensão do tratamento; 

  • Outra limitação recai sobre a manutenção em longo prazo do benefício, ainda não avaliada;

  • A amostra do estudo pode ser enviesada com participantes de altíssima adesão, tendo em vista que 31,5% dos participantes do grupo placebo perderam pelo menos 5% do peso inicial;

  • Aspectos positivos do estudo: amostra grande, poucas perdas, relevância clínica.


Pílula do Clube: O uso de semaglutida 2,4mg, subcutânea, uma vez por semana, associado a dieta e atividade física, leva à perda de peso superior ao placebo, em valores não alcançados por nenhum outro medicamento até então.

 

Discutido no clube em 08/03/2021.

Effects of Time-Restricted Eating onWeight Loss and Other Metabolic Parameters in Women and Men With Overweight and Obesity The TREAT Randomized Clinical Trial

 Dylan A. Lowe, NancyWu, Linnea Rohdin-Bibby, A. Holliston Moore, Nisa Kelly, Yong En Liu, Errol Philip, Eric Vittinghoff, Steven B. Heymsfield, Jeffrey E. Olgin, John A. Shepherd, Ethan J.Weiss.


JAMA Intern Med 2020, 180(11):1491-1499.

https://jamanetwork.com/journals/jamainternalmedicine/article-abstract/2771095


A prevalência de sobrepeso e obesidade tem aumentado cada vez mais, e se associa com aumento de risco para doenças crônicas. Mesmo uma redução modesta de peso pode diminuir o risco de doenças cardiovasculares. No entanto, a adesão a longo prazo às mudanças no estilo de vida ainda é um desafio. O jejum intermitente (JI) tem ganhado atenção como método simples de perda de peso. Significa comer em pequenos intervalos separados por períodos definidos de jejum (> 12 horas e até 48 horas). Os benefícios desta modalidade ainda não foram bem testados em humanos. O tempo restrito para comer (TRC) é um dos vários protocolos de JI, que envolve períodos de jejum e de alimentação dentro de um ciclo de 24 horas. 

Este é um ensaio clínico randomizado com objetivo de determinar o efeito do TRC sobre o peso e desfechos metabólicos em pacientes com sobrepeso e obesidade. Dados foram coletados de 116 participantes, e 105 (74,5%) completaram as 12 semanas do protocolo. A condução do estudo se deu através de um aplicativo de celular (app), pelo qual os participantes foram avaliados; e o seu peso foi registrado através de uma balança digital conectada ao app por bluetooth (fornecida aos participantes). Os pacientes foram randomizados para o grupo intervenção (comer ad libitum das 12h às 20h e fazer jejum completo das 20h às 12h, conforme lembretes do app) ou para o grupo controle (3 refeições diárias). Não houve recomendação sobre quantidade de calorias, macronutrientes nem atividade física para nenhum dos grupos. Um grupo de 50 participantes que viviam dentro de 60 milhas de distância da Universidade de Califórnia (UC), São Francisco, foi eleito para testes metabólicos completos durante o estudo, realizados presencialmente no centro de pesquisa clínica da UC. O desfecho primário foi a mudança de peso em quilogramas (kg) em relação ao início, medido diariamente em jejum pela manhã na balança fornecida pelo estudo (iHealth). Os desfechos secundários avaliados no grupo presencial foram mudanças no peso, massa gorda, massa magra, insulina em jejum, glicose em jejum, níveis de hemoglobina A1c, ingestão energética estimada, gasto energético total e gasto energético de repouso. A análise foi por intenção de tratar. 

Houve 36 participantes randomizados que não completaram o estudo, dentre eles 25 nunca registraram medidas de peso. A aderência às recomendações relatada pelos participantes foi de 83,5% no grupo intervenção (comer apenas na janela de 8h) e 92,1% no grupo controle (não pular refeições). Houve perda de peso de 0,94 kg (significativa) no grupo TRC, no final do estudo em relação ao início (intervalo de confiança [IC] 95% -1,68 a -0,2; P=0,01). Já no grupo controle essa perda foi de 0,68 kg, não significativa. Importante destacar que quando foi feita a comparação entre os grupos, a perda de peso do grupo intervenção em relação ao grupo controle foi maior, mas não estatisticamente significativa. No grupo de pacientes com avaliação metabólica presencial, houve forte concordância entre as medidas de peso presenciais e aquelas feitas em casa, conforme determinado por uma análise de Bland-Altman. Não houve diferença significativa na massa gorda no final do estudo em relação ao início em nenhum dos grupos, nem diferença entre os grupos. Porém, houve um decréscimo importante da massa magra (massa gorda livre menos conteúdo mineral ósseo) no grupo do jejum intermitente. Também houve decréscimo significativo da massa magra apendicular neste grupo, que diminuiu 0,64 kg em relação ao início (IC95%, -0,89 a -0,39; P<0,001). Esse decréscimo não foi significativo no grupo controle, e entre os grupos houve diferença significativa (−0,47 kg; IC95%, −0,82 a −0,12; P=0,009). Não houve diferenças significativas dentro dos grupos ou entre os grupos nos níveis de glicose em jejum, insulina em jejum, HOMA-IR, HbA1C, triglicerídeos, colesterol total, LDL ou HDL.

Por meio de um dispositivo para medir níveis de atividade e sono, o “oura ring” (anel com sensor), foram obtidos movimentos diários, contagem de passos, frequência cardíaca, período de sono. Ao final do estudo, em relação ao início, houve redução significativa na movimentação diária e na contagem de passos entre os participantes do jejum intermitente. Pontos discutidos no Clube de Revista:

  • O tempo restrito para comer utilizado neste estudo levou os pacientes a não ingerir o café da manhã, o que, de acordo com estudos prévios, não teve impacto na perda de peso;

  • Não há informações sobre características de base como atividade física, comorbidades, hábitos saudáveis, ingesta de proteínas e gorduras. Estes dados poderiam ter sido levados em conta no momento da randomização;

  • Não ficou claro no artigo o que significa boa aderência relatada pelos próprios pacientes; no grupo controle, por exemplo, não aderência significa pular várias refeições, pular uma refeição, comer mais de 3 refeições ao dia?

  • Possivelmente houve uma diminuição na ingesta de proteínas nos pacientes que fizeram o jejum intermitente, o que justificaria a grande perda de massa magra neste grupo.


Pílula do Clube: A prescrição de TRC não resultou em maior perda de peso quando comparada com o controle de 3 refeições por dia. Também não alterou nenhum desfecho metabólico relevante, mas levou a uma perda significativa de massa magra apendicular.


Discutido no Clube de Revista de 25/01/2021.

Association of Thyroid Hormone Therapy with Mortality in Subclinical Hypothyroidism: A Systematic Review and Meta-Analysis

 Carol Chiung-Hui Peng, Huei-Kai Huang, Brian Bo-Chang Wu, Rachel Huai-En Chang, Yu-Kang Tu, and Kashif M. Munir


J Clin Endocrinol Metab 2021, 106(1):292-303.

https://academic.oup.com/jcem/article-abstract/106/1/292/5940803?redirectedFrom=fulltext


O hipotireoidismo subclínico é um diagnóstico bioquímico que se caracteriza pela elevação sérica do TSH e T4L normal. Apesar de algumas variações nas recomendações de tratamento, consensualmente se considera tratar o hipotireoidismo subclínico sem TSH > 10 mIU/L em adultos, com exceção de grávidas. Dentre as indicações do tratamento estão a possível redução do risco de doenças cardiovasculares e de progressão para o hipotireoidismo. Até o momento, nenhuma metanálise avaliou o efeito da terapia com hormônio tireoidiano na mortalidade em pessoas com a doença. A presente revisão sistemática com metanálise teve como objetivo investigar se a terapia com hormônio tireoidiano está associada a uma diminuição da mortalidade em adultos com hipotireoidismo subclínico.

Foram incluídos apenas estudos originais com dados suficientes sobre estimativas de risco comparando pacientes com ou sem terapia de reposição tireoidiana cuja população fosse composta por adultos com idade superior a 18 anos, com diagnóstico de hipotireoidismo subclínico. As medidas de desfecho incluíram mortalidade por todas as causas e/ou cardiovascular. Quanto à análise estatística foram sintetizados os riscos relativos dos ensaios clínicos randomizados e estudos observacionais somado ao odds ratio do estudo caso controle para realização dos riscos relativos agrupados da metanálise. Foram realizadas análises dos subgrupos de acordo com tamanho da amostra, idade de entrada no estudo, risco de doença cardiovascular de base, tipo de razão (risco relativo ou odds ratio) e classificação do hipotireoidismo, sendo nível 1 (TSH entre 5-10) e nível 2 (TSH > 10). As análises de sensibilidade foram conduzidas pela omissão de cada estudo individualmente para avaliar a influência de cada um na estimativa global combinada. Todos os testes estatísticos foram bilaterais, sendo P<0,05 estatisticamente significante. 

Na busca inicial foram identificados 3.638 estudos e 7 estudos adicionais foram incluídos a partir das referências bibliográficas de artigos relevantes. Após exclusão de 1.841 artigos duplicados, 1.804 foram submetidos à triagem de título e resumo, destes 477 estudos foram potencialmente elegíveis para revisão de texto completo. Sete artigos publicados, incluindo 21.055 participantes atenderam a todos os critérios de elegibilidade e foram incluídos na metanálise, sendo 2 deles ensaios clínicos randomizados e 5 eram estudos observacionais, todos os 7 estudos utilizaram levotiroxina para intervenção médica. Sete estudos foram incluídos nas análises de mortalidade por todas as causas, no geral em pacientes com hipotireoidismo subclínico, a terapia com hormônio tireoidiano não foi significativamente associada a mortalidade por todas as causa (RR 0,95; IC95% 0,75 a 1,22; P=0,704), a heterogeneidade entre os grupo foi alta (I2 75,6%) e nenhuma evidência de viés de publicação foi encontrada. Os subgrupos pré-especificados, de acordo com desenho do estudo, tamanho da amostra, risco de doença cardiovascular basal e graduação de hipotireoidismo subclínico, demonstraram resultados semelhantes, mostrando que a terapia com hormônio tireoidiano não foi significativamente associado a mortalidade por todas as causas. No entanto, no subgrupo mais jovem (idade < 65-70 anos), a reposição com hormônio tireoidiano foi significativamente associado a uma mortalidade por todas as causas mais baixa (RR 0,5; IC95% 0,29 a 0,85; P=0,011), já para o subgrupo mais velho (idade ≥ 65-70 anos) essa redução da mortalidade não foi observada  (RR 1,08; IC95% 0,91 a 1,28; P=0,363). Já nas análises de mortalidade cardiovascular cinco estudos foram incluídos. No geral, também não houve associação significativa entre a terapia com hormônio tireoidiano e mortalidade cardiovascular em paciente com hipotireoidismo subclínico (RR 0,99; IC95% 0,82 a 1,20; P=0,946), com heterogeneidade mínima entre os estudos (I2 0%) e nenhum viés de publicação evidenciado. Semelhante aos resultados de mortalidade por todas as causas, o subgrupo mais jovem (com idade < 65-70 anos) em tratamento com terapia com hormônio tireoidiano apresentou taxa de mortalidade cardiovascular mais baixa e no subgrupo mais velho (idade ≥65-70 anos) não foi encontrada essa associação. Nas análises dos demais subgrupos de acordo com desenho do estudo, tamanho da amostra e graduação do hipotireoidismo subclínico a associação entre tratamento com hormônio tireoidiano e mortalidade cardiovascular foi insignificante. No Clube de Revista foram discutidos os seguintes pontos:

  • Há poucos estudos sobre o assunto, sendo em sua maioria observacionais e apenas dois ensaios clínicos randomizados. 

  • O modo de classificação de pacientes por idade ≥ 65-70 anos ou < 65-70 anos é muito amplo, não sendo possível definir com exatidão qual a faixa etária mais se beneficiaria do tratamento.

  • Apesar de o estudo não ter demonstrado que paciente mais velhos não se beneficiem da reposição com hormônio tireoidiano em termos de mortalidade, foi possível verificar que o tratamento igualmente não trouxe malefícios aos pacientes.


Pílula do Clube: A presente metanálise é a primeira a avaliar o impacto do tratamento do hipotireoidismo subclínico na mortalidade cardiovascular e por todas as causas, no entanto visto a pequena quantidade de ensaios clínicos randomizados a respeito do assunto, ainda faltam dados para avaliar se há benefício concreto sobre a mortalidade ao se tratar o hipotireoidismo subclínico.


Apresentado no Clube de Revista em 18/01/2021.

Semaglutide and Cardiovascular Outcomes in Obesity without Diabetes

  A. Michael Lincoff, Kirstine Brown‐Frandsen, Helen M. Colhoun, John Deanfield, Scott S. Emerson, Sille Esbjerg, Søren Hardt‐Lindberg, G. K...