Caroline A. Crowther, Deborah Samuel, Lesley M.E. McCowan, Richard Edlin, Thach Tran, and Christopher J. McKinlay, for the GEMS Trial Group*
N Engl J Med 2022, 387(18):1719.
O tratamento do diabetes gestacional (DMG) se associa com melhora da saúde materna e fetal, evitando complicações durante e após o período gestacional. No entanto, os critérios para seu diagnóstico não são consenso. Este ensaio clínico randomizado, duplo cego, tem o objetivo de avaliar se o diagnóstico e tratamento com critérios menores de glicemia conforme recomendado pela IADPSG, que recomenda critérios mais estreitos com valores mais baixos para diagnóstico, leva a menor morbidade perinatal, sem acarretar maior risco relacionado à saúde materna, do que tal detecção e tratamento com maiores critérios glicêmicos recomendado, conforme preconizado por algumas associações de DMG.
Foram incluídas 4.061 mulheres com gravidez única, em acompanhamento pré natal, com TTOG 75 g entre 24 e 32 semanas, sem história prévia de DMG ou DM prévio. Foram randomizadas (1:1) para o grupo com diagnóstico de DMG com glicemia jejum > 92 mg/dL ou TTOG 1 hora > 180mg mg/dL ou TTOG 2 horas > 153 mg/dL vs glicemia jejum > 99 mg/dL ou TTOG 2 horas > 162 mg/dL. O tratamento incluiu terapia nutricional, monitoramento de glicemia, tratamento farmacológico se necessário e após o nascimento, cuidados de acordo com os protocolos de cada hospital.
Foram diagnosticadas com DMG 310 mulheres de um total de 2022 (15,3%) no primeiro grupo (com critérios mais baixos ao diagnóstico) e 124 de 2019 mulheres (6,1%) no segundo grupo (com valores mais elevados). Dessas, o desfecho primário do estudo - nascimento de RN grandes para idade gestacional - não foi diferente entre os grupos [178 (8,8%) vs 181 (8,9%)]. Os desfechos fetais secundários incluiam diversas medidas antropométricas e complicações pós-natais, e não foram diferentes entre os grupos também, exceto pela hipoglicemia neonatal, que foi mais frequente no grupo com diagnóstico mais estreito (RR 1,27; IC95% 1,05 a 1,54). Quanto aos desfechos maternos, o grupo com critérios mais baixos contou com maior número de partos induzidos (RR 1,12; IC95% 1,02 a 1,22), maior necessidade de uso de medicamentos para o tratamento de DMG (RR 2,40; IC95% 1,90 a 3,03) e maior frequência de uso de serviços de saúde com consultas com profissionais de saúde (RR 2,42; IC95% 1,80 a 3,26). Os demais pontos analisados, como via de parto, pré-eclâmpsia, ganho de peso, complicações maternas, entre outras, não demonstraram foram diferentes entre os grupos.
Em outra análise de subgrupo, a qual incluiu pacientes de ambos os grupos, cujos resultados de TOTG se situava em valores entre os critérios glicêmicos mais baixos e os mais altos - com o objetivo de avaliar pacientes com DMG que não teriam sido diagnosticadas por um critério mais alto - houve menor número de nascimentos de RN GIG [6,2% vs 18% (RR 0,33)], resultando em um NNT de 4 de mulheres para diagnosticar e tratar DMG a fim de prevenir um bebê GIG neste subgrupo. Além disso, foi evidenciado menor risco de macrossomia (RR 0,24; IC95% 0,11 a 0,52), menor ganho de peso durante a gestação (10 Kg vs 11,9 Kg), menor incidência de pré eclampsia (RR 0,08; IC95% 0,002 a 0,60). Em contrapartida, houve uma maior frequência de uso de serviços de saúde (RR 26,44; IC95% 17,26 a 40,49), maior frequência de parto induzido (RR 1,89; IC95% 1,47 a 2,43) e aumento de hipoglicemias pós-natais (RR 3,09; IC95% 1,83 a 5,21). Os principais pontos discutidos no clube foram:
Apesar dos critérios glicêmicos mais baixos terem aumentado 2,5 vezes o número de mulheres com diagnóstico e tratamento de DMG, não parece ter resultado em inequívocos benefícios à saúde materna e fetal;
Não houve diferença entre a incidência de RN GIG entre os grupos analisados;
Houve maior frequência de hipoglicemias e maior taxa de tratamento no RN no grupo com critérios menores. Sabe-se que a hipoglicemia neonatal está relacionada ao desenvolvimento neurológico. Dessa forma, esse dado pode ser importante em longo prazo;
No subgrupo de mulheres diagnosticadas apenas pelos critérios mais baixos, e não pelos mais altos, o tratamento demonstrou benefícios fetais e maternos.
Pílula do Clube: apesar do estudo não ter demonstrado diferença de forma geral tanto em relação a desfechos maternos quanto fetais entre os grupos avaliados, na subanálise da população com DMG “branda” diagnosticada apenas pelos critérios menores, o diagnóstico e tratamento parece ter sido benéfico do ponto de vista materno e fetal. São necessárias análises econômicas em longo prazo para decidir quanto à adoção de critérios tendo em vista os riscos de RN GIG x hipoglicemias neonatais x complicações maternas.
Discutido no Clube de Revista de 26/09/2022.