sábado, 19 de novembro de 2022

Lower versus Higher Glycemic Criteria for Diagnosis of Gestational Diabetes

 Caroline A. Crowther, Deborah Samuel, Lesley M.E. McCowan, Richard Edlin, Thach Tran, and Christopher J. McKinlay, for the GEMS Trial Group*


N Engl J Med 2022, 387(18):1719.

https://www.nejm.org/doi/10.1056/NEJMc2212585?url_ver=Z39.88-2003&rfr_id=ori:rid:crossref.org&rfr_dat=cr_pub%20%200pubmed


O tratamento do diabetes gestacional (DMG)  se associa com melhora da saúde materna e fetal, evitando complicações durante e após o período gestacional. No entanto, os critérios para seu diagnóstico não são consenso. Este ensaio clínico randomizado, duplo cego, tem o objetivo de avaliar se o diagnóstico e tratamento com critérios menores de glicemia conforme recomendado pela IADPSG, que recomenda critérios mais estreitos com valores mais baixos para diagnóstico, leva a menor morbidade perinatal, sem acarretar maior risco relacionado à saúde materna, do que tal detecção e tratamento com maiores critérios glicêmicos recomendado, conforme preconizado por algumas associações de DMG.

Foram incluídas 4.061 mulheres com gravidez única, em acompanhamento pré natal, com TTOG 75 g entre 24 e 32 semanas, sem história prévia de DMG ou DM prévio. Foram randomizadas (1:1) para o grupo com diagnóstico de DMG com glicemia jejum > 92 mg/dL ou TTOG 1 hora > 180mg mg/dL ou TTOG 2 horas > 153 mg/dL vs glicemia jejum > 99 mg/dL ou TTOG 2 horas > 162 mg/dL. O tratamento incluiu terapia nutricional, monitoramento de glicemia, tratamento farmacológico se necessário e após o nascimento, cuidados de acordo com os protocolos de cada hospital. 

Foram diagnosticadas com DMG 310 mulheres de um total de 2022 (15,3%) no primeiro grupo (com critérios mais baixos ao diagnóstico) e 124 de 2019 mulheres (6,1%) no segundo grupo (com valores mais elevados). Dessas, o desfecho primário do estudo - nascimento de RN grandes para idade gestacional -  não foi diferente entre os grupos [178 (8,8%) vs 181 (8,9%)]. Os desfechos fetais secundários incluiam diversas medidas antropométricas e complicações pós-natais, e não foram diferentes entre os grupos também, exceto pela hipoglicemia neonatal, que foi mais frequente no grupo com diagnóstico mais estreito (RR 1,27; IC95% 1,05 a 1,54). Quanto aos desfechos maternos, o grupo com critérios mais baixos contou com maior número de partos induzidos (RR 1,12; IC95% 1,02 a 1,22), maior necessidade de uso de medicamentos para o tratamento de DMG (RR 2,40; IC95% 1,90 a 3,03) e maior frequência de uso de serviços de saúde com consultas com profissionais de saúde (RR 2,42; IC95% 1,80 a 3,26). Os demais pontos analisados, como via de parto, pré-eclâmpsia, ganho de peso, complicações maternas, entre outras, não demonstraram foram diferentes entre os grupos.

Em outra análise de subgrupo, a qual incluiu pacientes de ambos os grupos, cujos resultados de TOTG se situava em valores entre os critérios glicêmicos mais baixos e os mais altos - com o objetivo de avaliar pacientes com DMG que não teriam sido diagnosticadas por um critério mais alto - houve menor número de nascimentos de RN GIG [6,2% vs 18% (RR 0,33)], resultando em um NNT de 4 de mulheres para diagnosticar e tratar DMG a fim de prevenir um bebê GIG neste subgrupo. Além disso, foi evidenciado menor risco de macrossomia (RR 0,24; IC95% 0,11 a 0,52), menor ganho de peso durante a gestação (10 Kg vs 11,9 Kg), menor incidência de pré eclampsia (RR 0,08; IC95% 0,002 a 0,60). Em contrapartida, houve uma maior frequência de uso de serviços de saúde (RR 26,44; IC95% 17,26 a 40,49), maior frequência de parto induzido (RR 1,89; IC95% 1,47 a 2,43) e aumento de hipoglicemias pós-natais (RR 3,09; IC95% 1,83 a 5,21). Os principais pontos discutidos no clube foram:

  • Apesar dos critérios glicêmicos mais baixos terem aumentado 2,5 vezes o número de mulheres com diagnóstico e tratamento de DMG, não parece ter resultado em inequívocos benefícios à saúde materna e fetal;

  • Não houve diferença entre a incidência de RN GIG entre os grupos analisados;

  • Houve maior frequência de hipoglicemias e maior taxa de tratamento no RN no grupo com critérios menores. Sabe-se que a hipoglicemia neonatal está relacionada ao desenvolvimento neurológico. Dessa forma, esse dado pode ser importante em longo prazo; 

  • No subgrupo de mulheres diagnosticadas apenas pelos critérios mais baixos, e não pelos mais altos, o tratamento demonstrou benefícios fetais e maternos.


Pílula do Clube: apesar do estudo não ter demonstrado diferença de forma geral tanto em relação a desfechos maternos quanto fetais entre os grupos avaliados, na subanálise da população com DMG “branda” diagnosticada apenas pelos critérios menores, o diagnóstico e tratamento parece ter sido benéfico do ponto de vista materno e fetal. São necessárias análises econômicas em longo prazo para decidir quanto à adoção de critérios tendo em vista os riscos de RN GIG x hipoglicemias neonatais x complicações maternas. 


Discutido no Clube de Revista de 26/09/2022.

Which injected antiosteoporotic medication is worth paying for? A cost-effectiveness analysis of teriparatide, zoledronate, ibandronate, and denosumab for postmenopausal osteoporotic women in China

 You R, Mori T, Ke L, Wan Y, Zhang Y, Luo F, Feng D, Yu G, Liu J.

 

Menopause 2021, 29(2):210-218

https://journals.lww.com/menopausejournal/Abstract/2022/02000/Which_injected_antiosteoporotic_medication_is.14.aspx

 

A osteoporose é uma doença caracterizada pelo aumento de risco de fraturas, que geram perda importante de qualidade de vida e cujo cuidado tem um alto impacto orçamentário, comparável com o de diversas neoplasias. Existem diversas opções de tratamento, com variabilidade importante de custos. 

Este estudo se dispõe a responder a pergunta de qual tratamento injetável seria mais custo-efetivo na população chinesa sem história prévia de fraturas, sob a perspectiva de um sistema de saúde universal. Para isso, os autores utilizaram o software TreeAge para a elaboração de um modelo de Markov, com os estados de saúde “sem fratura”, “pós fratura de quadril”, “pós fratura vertebral” e “morte”, em um horizonte de vida inteira, com limiar de disposição a pagar (willingness to pay, WTP) de U$ 31,512 e desconto anual de 3%. Riscos de fratura foram estimados utilizando dados da população geral da China, corrigidos pela presença de osteoporose, e a redução de risco relativo de fratura pelos medicamentos (denosumabe, zolendronato, ibandronato e teriparatide) foi obtida a partir de meta-análises em rede previamente publicadas. A medida de custo efetividade utilizada foi ICER (Incremental Cost Effectiveness ratio) por QALY (Quality-Adjusted Life Years). Destaca-se a suposição do modelo que o tempo de atividade residual das medicações é igual ao tempo de uso.

Os resultados obtidos na análise inicial indicam que denosumabe seria mais barato e adicionaria mais anos de vida do que todas as outras terapias, com zolendronato e ibandronato abaixo do limiar de custo-efetividade e teriparatide acima do limiar de custo-efetividade. Análise de sensibilidade determinística demonstrou que os principais parâmetros estocásticos na comparação do denosumabe com o grupo sem tratamento são o custo da droga e o custo do tratamento pós fratura de quadril, enquanto a análise de sensibilidade probabilística demonstrou 100% de chance de custo-efetividade do denosumabe em relação às outras drogas com a WTP utilizada. 

Entretanto, o estudo considera que todas as drogas possuem um efeito residual igual ao tempo de tratamento, o que não necessariamente se aplica ao denosumabe, visto que a suspensão deste aumenta de maneira importante o risco de fraturas. Analisando o cenário em que denosumabe não possui efeito residual nenhum, o zolendroanto passa a ser a opção mais custo-efetiva, com um ICER de U$ 1967,33 por QALY, com os principais parâmetros de incerteza estocástica sendo o custo do denosumabe e a perda de qualidade de vida após o primeiro ano de fratura vertebral. Em análise de limiar, foi encontrado que para teriparatide ser custo-efetivo, seu preço anual teria que ser menor que U$ 1,644.87. Pontos discutidos no Clube incluíram:

  • A adequada correção do risco de fratura da população geral com o risco relativo adicionado pela osteoporose;

  • Incerteza quanto à precisão das estimativas de risco relativo de fratura com cada mediamento;

  • Possibilidade de pior desempenho do teriparatide pelo menor tempo de tratamento (2 vs 3 anos);

  • Consideração de modelo comparando o uso de denosumabe pela vida toda com o uso de bisfosfonados intercalados com drug holiday;

  • Aplicabilidade do meme “Swole Doge vs Cheems” na comparação da análise deste artigo com análises brasileiras.

 

Pílula do Clube: Este estudo encontrou uma dominância do denosumabe sobre outras alternativas de medicamentos injetáveis no cenário de base, mas é necessário um modelo mais robusto comparando cursos de tratamento e dados de população brasileira para adequada validade externa.

Discutido no Clube de Revista de 12/09/2022.

Non-inferiority of liquid thyroxine in comparison to tablets formulation in the treatment of children with congenital hypothyroidism

 Flora Tzifi, Alexandra Iliadi, Antonis Voutetakis, Dimitris Platis, Panagiotis Girginoudis and Christina Kanaka-Gantenbein

 

J Pediatr Endocrinol Metab 2022; 35(2): 239–247

https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/jpem-2021-0458/html

 

O hipotireoidismo congênito é uma condição com incidência aproximada de 1 para cada 2000 nascidos vivos e é a maior causa previnível de deficiência intelectual na infância. O tratamento preconizado é o uso de levotiroxina em comprimido macerados, sendo que formulações líquidas com frequência não são disponíveis ou não apresentam registro de uso na população pediátrica - o diluente mais comum é o etanol, que não apresenta dados de segurança em lactentes e crianças. A necessidade da manipulação dos comprimidos em domicílio tem o potencial de levar a erros na administração e dificulta o ajuste do tratamento, uma vez que a levotiroxina necessita de adequação conforme o ganho de peso e a dose ideal pode não ser reprodutível com os comprimidos disponíveis. O objetivo deste estudo foi avaliar eficácia e segurança de levotiroxina gotas (T4® drops) - solução de água e glicerol - versus levotiroxina comprimido (T4® tabs) no controle do hipotireoidismo congênito através de controle laboratorial. 

Trata-se de um ensaio clínico, multicêntrico (pacientes atendidos em duas instituições gregas), randomizado, não cegado e com duração de 12 meses. Foram incluídos pacientes entre 3 e 12 anos a fim de minimizar o risco de sequelas neurológicas que podem decorrer do mau controle do hipotireoidismo nos 3 primeiros anos de vida. Foram excluídos pacientes com diagnóstico que não o de hipotireoidismo na forma congênita - incluindo hipertireoidismo, TSH acima de 5 ou inferior a 0,5, participantes com cardiopatia congênita ou insuficiência adrenal e pacientes que utilizavam outro comprimido que não o T4® tabs no início do estudo. Foram selecionados 39 pacientes, 3 deles perdidos após o primeiro exame físico e não incluídos na análise. Não foram descritas as não inclusões. Os grupos foram comparáveis em todos os aspectos, exceto idade - o grupo que recebeu levotiroxina gotas era significativamente mais velho (8,9 vs. 6,8 anos P=0,007). Os pacientes foram divididos em grupo A (comprimidos por 12 meses) e grupo B (gotas nos primeiros 6 meses e comprimidos nos 6 meses finais). Foram realizadas visitas para ajuste de tratamento em tempos pré-definidos (2, 4, 6 e 12 meses) e todos os ajustes de tratamento foram feitos pelo mesmo examinador não cegado. O estudo foi prejudicado por recusa a coletas, que foi maior no grupo que recebeu comprimidos. Foi observado em relação às coletas: aos 2 meses: 47% recusa no grupo A e adesão total grupo B; aos 4 meses: aproximadamente 52% de recusa em ambos os grupos; aos 6 meses: adesão total. 

Os pesquisadores relataram que não houve diferença estatisticamente significativa nos níveis de T4 livre entre os grupos. Quanto ao TSH, foi observado que o grupo B teve níveis mais baixos aos 6 meses quando comparados ao grupo A (P=0,017), porém ambos estavam dentro do limite de referência. Foi observada também menor necessidade de ajuste de dose aos 6 meses no grupo B, porém este grupo também teve melhor adesão às coletas anteriores. Os pesquisadores concluíram que a administração de levotiroxina gotas é não inferior ao uso de levotiroxina comprimidos. Durante o Clube os seguintes pontos foram observados, como limitações importantes do estudo:

  • Ausência de cegamento;

  • Não-análise de parâmetros clínicos importantes como Z score de estatura nos dois tratamentos;

  • Não-inclusões não descritas;

  • Análise não foi por intenção de tratar;

  • Conflitos de interesse - estudo patrocinado pela indústria farmacêutica;

  • Incongruência de registro do estudo com estudo realizado;

  • Ausência de cálculo amostral - estimativa de cálculo amostral necessário para conclusões descritas pelos pesquisadores de aproximadamente n=100. 

Como forças do estudo destaca-se o cuidado com a escolha da população em estudo (crianças mais velhas com menor risco de dano neurológico por mau controle do hipotireoidismo) e a discussão de um tema com poucos ensaios clínicos realizados e cuja aplicabilidade é relevante - uso de levotiroxina líquida seria preferida para pacientes que não engolem comprimidos. 

 

Pílula do Clube: uma vez que o estudo apresentou limitações importantes, não é possível inferir que o tratamento com levotiroxina líquidas é não inferior ao uso de comprimidos conforme os dados relatados e, portanto, o estudo não responde à pergunta clínica proposta.  

 

Discutido no Clube de Revista de 29/08/2022.

Long-term efficacy and safety of moderate-intensity statin with ezetimibe combination therapy versus high-intensity statin monotherapy in patients with atherosclerotic cardiovascular disease (RACING): a randomised, open-label, non-inferiority trial

 Byeong-Keuk Kim, Sung-Jin Hong, Yong-Joon Lee, Soon Jun Hong, Kyeong Ho Yun, Bum-Kee Hong, Jung Ho Heo, Seung-Woon Rha, Yun-Hyeong Cho, Seung-Jun Lee, Chul-Min Ahn, Jung-Sun Kim, Young-Guk Ko, Donghoon Choi, Yangsoo Jang, Myeong-Ki Hong, on behalf of the RACING investigators


Lancet 2022, 400(10349):380-390.

https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(22)00916-3/fulltext 


Diretrizes atuais recomendam o uso de estatinas de alta potência para pacientes com doença cardiovascular aterosclerótica (ASCVD) estabelecida para redução do LDL e desfechos cardiovasculares. Questiona-se se a associação entre estatina de moderada potência e ezetimiba poderia obter resultados semelhantes. O RACING trial é um estudo randomizado, de não inferioridade, aberto e multicêntrico (26 centros da Coreia do Sul) que foi publicado buscando este objetivo. 

Pacientes com ASCVD (IAM, SCA, história de revascularização coronariana ou outro procedimento de revascularização arterial, AVC isquêmico e doença arterial periférica) que necessitam de estatina de alta potência com vistas a LDL < 70 mg/dL foram randomizados 1:1 em terapia combinada (rosuvastatina 10 mg + ezetimiba 10 mg) vs. monoterapia (rosuvastatina 20 mg), com estratificação por concentração de LDL < 100 mg/dL e presença de DM. Foi também recomendado controle pressórico e glicêmico, cessação do tabagismo e tratamento farmacológico otimizado de insuficiência cardíaca. Os desfechos primários incluíram: morte cardiovascular, evento cardiovascular maior ou AVC não fatal em até 3 anos. Os desfechos secundários foram baseados em eficácia, e incluíram: proporção de participantes que reduziram LDL para < 70 mg/dL em 1, 2 e 3 anos; composto de todas as causas de morte, evento cardiovascular maior e AVC não fatal; queda nos níveis de LDL (redução do LDL do baseline até o seguimento); qualquer componente individual de desfecho primário. Os desfechos relacionados à  segurança incluíram descontinuação ou redução da dose devido à intolerância e ocorrência de eventos adversos clínicos, incluindo diabetes de início recente, associados ao músculo ou fígado ou eventos adversos relacionados à vesícula biliar ou diagnóstico de câncer. A margem de não inferioridade foi definida em 2,0% e, com isso, seriam necessários 1605 pacientes em cada grupo (5% erro α e poder 80%). Incluindo estimativa de 15% perda de seguimento, um total 3780 pacientes seriam necessários. Caso a não inferioridade fosse demonstrada, seria testado se o grupo da terapia combinada seria superior ao grupo da monoterapia em redução LDL < 70 mg/dL. 

As características dos participantes foram semelhantes entre os dois grupos: tinham em média 64 anos, 75% eram homens e 37% tinham DM. O desfecho primário esteve presente em 9,1% no grupo da terapia combinada e 9,9% no grupo com monoterapia (HR 0,92; IC95% 0,75 a 1,13), demonstrando  a não inferioridade do tratamento em investigação. Tal achado também foi observado quando se fez análise por protocolo. O número de pacientes com LDL <7 0mg/dL em 1, 2 e 3 anos foi proporcionalmente maior no grupo da terapia combinada. A taxa de descontinuação ou redução da dose da medicação do estudo por intolerância esteve presente em 4,8% na terapia combinada e 8,2% na monoterapia, sendo que principal evento adverso relatado foi mialgia. No Clube de Revista foram discutidos os seguintes pontos:

  • As limitações do estudo incluem o fato de ser um estudo aberto (risco de viés de relato e efeito nocebo), além de que as taxas de eventos foram mais baixas do que o previsto, podendo indicar que a margem de não inferioridade de 2,0% permitiu um IC mais generoso;

  • Os dados e ferramentas utilizadas para definição da margem de não-inferioridade;

  • Importância clínica e aplicação dos estudos de não inferioridade.


Pílula do Clube: entre pacientes com ASCVD a terapia combinada estatina + ezetimiba foi não inferior à monoterapia com estatina de alta intensidade para desfechos de morte cardiovascular, evento cardiovascular maior ou acidente vascular cerebral não fatal em 3 anos de acompanhamento. Além disso, a não inferioridade dos resultados clínicos foi alcançada com proporção mais elevada de atingimento de LDL <70 mg/dL e menor prevalência de descontinuação ou redução da dose por intolerância. 


Discutido no Clube de Revista de 22/08/2022.

Romosozumab or Alendronate for Fracture Prevention in Women with Osteoporosis

 Kenneth G. Saag, Jeffrey Petersen, Maria Luisa Brandi, Andrew C. Karaplis, Mattias Lorentzon, Thierry Thomas, Judy Maddox, Michelle Fan, Paul D. Meisner, and Andreas Grauer


N Engl J Med 2017, 377(15):1417-1427.

https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa1708322 


A esclerostina é uma proteína sintetizada pelos osteoclastos que tem como algumas de suas funções a inibição dos osteoblastos e o estímulo dos osteoclastos. O romosozumabe é um anticorpo monoclonal anti-esclerostina, que em teoria, portanto, aumentaria a formação óssea e reduziria a reabsorção óssea.

Neste ensaio clínico randomizado de fase 3, multicêntrico, internacional, duplo cego, 4.093 pacientes do sexo feminino, com osteoporose de alto risco (com fratura prévia) foram randomizadas para receber 12 meses de romosozumabe ou alendronato. Após este período, ambos os grupos passaram a receber alendronato por pelo menos 12 meses. Todos os pacientes recebiam cálcio e vitamina D. Os desfechos primários foram a incidência cumulativa de fraturas clínicas (vertebrais sintomáticas e não-vertebrais) no momento da análise primária e a incidência cumulativa de novas fraturas vertebrais aos 24 meses. Os desfechos secundários foram a análise da DMO na coluna, fêmur total e colo do fêmur aos 12 e 24 meses e a incidência de fraturas não-vertebrais no momento da análise primária. Durante o seguimento os pacientes realizaram radiografias de coluna e densitometrias ósseas e um subgrupo teve marcadores de formação e absorção ósseas medidos no soro. No total, 89% dos pacientes concluíram a primeira fase do estudo e 77% dos pacientes concluíram a segunda fase do estudo. O número de perdas e os motivos de perda de seguimento foram semelhantes em ambos os grupos.

Houve redução de 48% das fraturas vertebrais aos 24 meses no grupo romosozumabe (HR 0,52; P<0,001) e redução de 27% das fraturas clínicas no momento da análise no grupo romosozumabe (HR 0,73, P<0,001). Houve redução de 19% das fraturas não-vertebrais no momento da análise primária no grupo romosozumabe e houve aumento da densidade mineral óssea na coluna, colo do fêmur e fêmur total, que se mantiveram mesmo após a transição para alendronato, na segunda fase do estudo. Entre os eventos adversos, houve maior ocorrência de evento isquêmico cardíaco (0,8% vs. 0,3%) e eventos cerebrovasculares cardíaco (0,8% vs. 0,3%) no grupo romosozumabe. No Clube de Revista foram debatidos os seguintes pontos:

  • Uma das forças do estudo é ter usado desfecho duro como “fratura” e não somente substitutos, porém o tempo de seguimento talvez seja curto para avaliação de um desfecho como esse;

  • Os critérios de exclusão não estavam totalmente claros no artigo.

  • Os pacientes de mais risco cardiovascular devem ser avaliados com cautela para o uso do romosozumabe.


Pílula do Clube: o romosozumabe é um medicamento com efeito anabólico e antirreabsortivo no osso, que neste estudo reduziu risco de fraturas em mulheres em menopausa com osteoporose e fraturas prévias. O risco cardiovascular é um ponto a ser melhor avaliado para este fármaco.


Discutido no Clube de Revista de 15/08/2022.

Once-Weekly Dulaglutide for the Treatment of Youths with Type 2 Diabetes

 Silva A. Arslanian, Tamara Hannon, Philip Zeitler, Lily C. Chao, Claudia Boucher-Berry, Margarita Barrientos-Pérez, Elise Bismuth, Sergio Dib, Jang Ik Cho, and David Cox, Ph.D., for the AWARD-PEDS Investigators*


N Engl J Med 2022; 387:433-443

https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2204601


A incidência de diabetes mellitus tipo 2 (DM2) entre jovens está aumentando, coincidindo com o aumento da prevalência de obesidade. No entanto, poucas opções farmacológicas para seu tratamento estão disponíveis nessa faixa etária. A dulaglutida é um agonista do receptor de GLP-1 administrado por via SC uma vez por semana. O objetivo do estudo foi investigar a eficácia e a segurança do tratamento com dulaglutida 1x/semana (0,75 mg ou 1,5 mg) em jovens com DM2, com ou sem metformina ou terapia com insulina basal. 

Foi realizado um ensaio clínico randomizado de fase 3, controlado por placebo, em 46 centros. Os pacientes foram aleatoriamente designados em proporção de 1:1:1 para receber injeções SC 1x/semana de dulaglutida 0,75 mg ou 1,5 mg ou placebo por 26 semanas, seguido por período aberto de 26 semanas e um período de acompanhamento de segurança de 4 semanas. Para participantes que foram aleatoriamente designados para receber a dose de 1,5 mg, a dulaglutida foi iniciada na dose de 0,75 mg nas primeiras 4 semanas e, em seguida, aumentada para a dose de 1,5 mg se o participante não teve efeitos colaterais inaceitáveis ​​com a dose mais baixa. Na semana 26 os participantes que foram atribuídos a um grupo de dulaglutida continuaram a receber dulaglutida de rótulo aberto na dose atribuída, e os participantes que foram atribuídos ao grupo placebo começaram a receber dulaglutida de rótulo aberto na dose semanal de 0,75 mg. Todos os participantes receberam aconselhamento padronizado sobre dieta e exercícios na randomização e em cada visita clínica. A adesão à administração de dulaglutida ou placebo foi avaliada de acordo com as datas e horários de cada dose semanal, Através de registros em diários.

Os critérios de inclusão foram idade entre 10 e 18 anos, DM2 em tratamento com mudança do estilo de vida (MEV), com ou sem metformina (≥1000 mg/dia, exceção = intolerância documentada à metformina) e/ou terapia com insulina basal, MEV pelo menos 8 semanas antes da triagem, doses de metformina e insulina estáveis, IMC > p85 para idade e sexo, peso ≥ 50 kg, hemoglobina glicada (HbA1c) > 6,5% e ≤ 11% se em uso de metformina, com ou sem insulina basal, HbA1c > 6,5% e ≤ 9% se tratado com dieta e exercício. O desfecho primário avaliado foi a alteração da HbA1c desde a linha de base até a semana 26. Os desfechos secundários compreenderam HbA1c < 7% e as alterações da linha de base da glicose plasmática em jejum e no IMC. 

De dezembro de 2016 a dezembro de 2020, 227 jovens com DM2 foram avaliados para elegibilidade; 154 foram randomizados, todos os quais receberam pelo menos uma dose de dulaglutida ou placebo e foram incluídos na população com intenção de tratar. Destes, 146 (95%) completaram o período duplo-cego de 26 semanas e 139 (90%) completaram o período de tratamento de 52 semanas. Dos 52 participantes do grupo de 1,5 mg de dulaglutida, 48 (92%) tiveram sua dose aumentada para 1,5 mg após 4 semanas e continuaram a receber esta dose durante o período duplo-cego. As características dos participantes e suas terapias para diabetes no início do estudo foram equilibradas nos três grupos, com a maioria dos participantes usando apenas metformina. O grupo dulaglutida tinha proporção maior de pacientes com mais de 14 anos e ambos os grupos com mais participantes do sexo feminino. A HbA1c basal era de 8,1% e o IMC médio se classificava como obesidade. A adesão geral à administração de dulaglutida ou placebo foi de 98,7% durante o período duplo-cego (semanas 1 a 26) e 99,4% geral (semanas 1 a 52), sem diferenças entre os grupos. O nível médio de HbA1c na semana 26 diminuiu em relação à linha de base em 0,8 pontos percentuais nos grupos de dulaglutida, mas aumentou em 0,6 pontos percentuais no grupo placebo. A superioridade da terapia com dulaglutida (nos grupos de dose agrupada e individual) em relação ao placebo também foi demonstrada para os outros principais desfechos glicêmicos secundários: HbA1c<7,0% e a alteração da linha de base no jejum concentração de glicemia. A dulaglutida não foi superior ao placebo no que diz respeito à redução do IMC. As porcentagens de participantes que relataram qualquer evento adverso durante 26 semanas foi de 69% no grupo placebo, 75% no grupo de 0,75 mg de dulaglutida e 73% no grupo o grupo dulaglutida 1,5 mg. A maioria dos eventos adversos foi relatada durante as primeiras 26 semanas, com um perfil de eventos adversos semelhante ao longo de 52 semanas. Os eventos gastrointestinais estavam entre os eventos adversos mais comuns, com maior incidência nos grupos dulaglutida. A maioria dos casos de eventos gastrointestinais em todos os grupos também foram transitórios, ocorrendo durante as 2 semanas após o início da terapia com dulaglutida. No clube foram discutidos os seguintes pontos:

  • A piora da HbA1c no grupo dulaglutida no período aberto não pode ser relacionada à rápida progressão da doença, visto o período curto de acompanhamento para avaliar esse desfecho;

  • Não se pode associar com o efeito catabólico de piora controle glicêmico no grupo placebo a não detecção de melhora no peso corporal associadas à dulaglutida, visto que não tinha valores de HbA1c e glicemia para tal.


Pílula do Clube: A dulaglutida é uma opção de tratamento entre os jovens com controle inadequado de DM2 associada ou não à metformina e insulina basal, visto sua superioridade ao placebo na melhora do controle glicêmico e possível melhora da aderência por sua aplicação semanal. Importante lembrar que não houve benefício em redução de peso corporal com a dulaglutida.


Discutido no Clube de Revista de 08/08/2022.


Supplemental Vitamin D and Incident Fractures in Midlife and Older Adults

 Meryl S LeBoff, Sharon H Chou, Kristin A Ratliff, Nancy R Cook, Bharti Khurana, Eunjung Kim, Peggy M Cawthon, Douglas C Bauer, Dennis Black, J Chris Gallagher, I-Min Lee, Julie E Buring, JoAnn E Manson


N Engl J Med 2022, 387(4):299-309

https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2202106


Nos EUA há 53,6 milhões de pessoas com osteoporose, baixa massa óssea ou ambos e ocorrem 2 milhões de fraturas osteoporóticas ao ano. Os suplementos com vitamina D são amplamente recomendados para saúde óssea, mas dados quanto sua capacidade em reduzir fraturas são inconsistentes. Nesse contexto, o objetivo desse estudo foi avaliar se a suplementação com  vitamina D reduz o risco de fraturas comparado ao placebo em adultos saudáveis.

O ensaio clínico de vitamina D e ômega 3 (VITAL) foi um estudo fatorial 2x2, randomizado, controlado que avaliou se a suplementação com vitamina D3 (2000 UI/dia), ômega 3 (1g/dia) ou ambos preveniriam câncer ou doença cardiovascular.  Nesse estudo também foi avaliado se a suplementação com vitamina D resultaria em menor risco de fraturas comparado ao placebo. Os critérios de inclusão foram homens acima de 50 anos, mulher acima de 55 anos, em uso de até 800 UI de vitamina D e até 1200 mg de cálcio. Os critérios de exclusão eram história de câncer, doença cardiovascular e hipercalcemia. O desfecho primário foi o primeiro episódio de fratura não vertebral e de quadril e o desfecho secundário o total de fraturas não vertebrais e de quadril excluindo pé, dedo, crânio, periprotética e fraturas patológicas. Análises do desfecho primário e secundário foram feitas por intenção de tratar. Foram feitas análises de subgrupo para avaliar se havia modificação do efeito do tratamento conforme sexo, raça, etnia, IMC, uso de calcio e vitamina D, vitamina D basal e grupo em estudo.

Foram incluídos 25.871 participantes (50,6% mulheres), destes foram confirmadas 1991 fraturas novas em 1551 participantes em um seguimento de 5,3 anos. Comparado ao placebo, a suplementação com vitamina D não demonstrou efeito significativo no total de fraturas  que ocorreram em 769 de 12.927 pacientes no grupo da vitamina D e 782 de 12.944 no grupo do placebo (RR 0,98; IC95% 0,89 a 1,08; P=0,7), fraturas não vertebrais (RR 0,97; IC95% 0,87 a 1,07; P=0,5) ou fraturas de quadril (RR 1,01; IC95% 0,7 a 1,47; P=0,96). Não houve modificação no efeito do tratamento na estratificação de acordo com idade, sexo, raça ou grupo étnico, IMC ou nível de vitamina D. Durante o Clube, os seguintes pontos foram discutidos:

  • A amostra foi grande, diversificada e com alta aderência;

  • O estudo foi grande o suficiente para estratificar pacientes com nível de vitamina D basal e a ocorrência de fraturas foi confirmada;

  • O estudo não foi desenhado para avaliar efeitos de vitamina D em pacientes com deficiência de vitamina D e apenas 2,% dos pacientes apresentavam  vitamina D menor que 12 ng/mL, o que pode justificar o seu resultado negativo.

   

Pílula do Clube: a suplementação com vitamina D não resultou em menor risco de fratura total, não vertebral ou de quadril comparado ao placebo em adultos de meia idade ou mais velhos que não foram selecionados com base em deficiência de vitamina D, baixa massa óssea ou osteoporose.


Discutido no Clube de Revista de 01/08/2022.

domingo, 13 de novembro de 2022

Clinical decision support analysis of a microRNA-based thyroid molecular classifier: A real-world, prospective and multicentre validation study

 Marcos Tadeu Santos, Bruna Moretto Rodrigues, Satye Shizukuda, Andrei Felix Oliveira, Miriane Oliveira, David Livingstone Alves Figueiredo, Giulianno Molina Melo, Rubens Adao Silva, Claudio Fainstein, Gerson Felisbino dos Reis, Rossana Corbo, Helton Estrela Ramos,j Cleber Pinto Camacho, Fernanda Vaisman and Mario Vaisman


EBioMedicine 2022, 82:104137.

https://www.thelancet.com/journals/ebiom/article/PIIS2352-3964(22)00318-8/fulltext


A maior parte dos cânceres de tireoide (64%) são diagnosticados por meio da avaliação citológica da PAAF. Entretanto, os nódulos classificados como Bethesda IIII e IV neste exame representam um desafio na prática médica, já que muitas vezes o tratamento cirúrgico é necessário para definição diagnóstica. Nesse cenário, os testes moleculares surgem como uma alternativa para auxiliar na tomada de decisão. O presente estudo prospectivo, de validação multicêntrica e de mundo real tem como objetivo avaliar o desempenho do teste molecular classificador de tireoide baseado em micro-RNA.

Foram selecionados pacientes com resultado citológico Bethesda III e IV e que receberam a prescrição do seu médico assistente para fazer o teste mir-THYpe. Tanto as características ultrassonográficas dos nódulos, bem como a citologia, foram revisadas apenas pelo médico assistente. Os pacientes tinham 18 anos ou mais e pagaram pelo teste. As amostras foram processadas em 128 laboratórios no Brasil. Após, os pacientes foram divididos em dois grupos: grupo A, que incluiu pacientes que foram submetidos a tireoidectomia e grupo B, incluindo pacientes que não realizaram procedimento cirúrgico. O seguimento de ambos os grupos ocorreu no período de março de 2018 a março de 2020. O financiador, Onkos, ajudou na coleta, análise e interpretação dos dados.

Ao total, 440 nódulos Bethesda III e IV foram avaliados (de 435 pacientes). Desses, 54,3%, ou seja, 239 nódulos tiveram o resultado do mir-THYpe negativo. Destes, 17 pacientes foram submetidos a cirurgia e 222 mantiveram seguimento sem cirurgia. Dos pacientes submetidos a tireoidectomia, todos apresentaram histologia compatível com benignidade. Outros 201 nódulos (45,7%) apresentaram teste mir-THYpe positivo. Desses, 184 foram submetidos a tireoidectomia, sendo que 25 foram excluídos por não ter disponibilidade do resultado histológico e 8 por não haver possibilidade de associar o resultado histopatológico com citopatológico. 151 foram incluídos na análise, sendo que 100 deles possuíam histologia compatível com malignidade. Os pacientes com histologia de NIFTP foram considerados malignos.

Com isso, concluiu-se que o valor preditivo negativo (VPN) do teste era de 100% e valor preditivo positivo (VPP) de 66.2%. Como o cálculo do VPN e da sensibilidade ficou prejudicada devido ao tamanho amostral e teorema de Bayes foi aplicado nos 222 nódulos não ressecados com resultado do teste negativo. Com isso, chegou-se a conclusão que 210 eram verdadeiros negativos e 12 falsos negativos. Consequentemente, a performance do teste resumiu-se em: VPN 95%, VPP 66,2%, sensibilidade 89,3%, especificidade de 81,6% e acurácia 70%. Em relação ao suporte em decisão clínica na rotina, o estudo afirma que o teste ajudou em 92,3% das decisões, ou seja, em 406 dos 440 nódulos. Além disso, o estudo afirma que o teste de mir-THYpe evitou cerca de 74,6% cirurgias 'potencialmente' desnecessárias. No Clube de Revista foram discutidos os seguintes pontos:

  • O fato de não haver revisão do resultado citológico poderia incluir pacientes com resultados divergentes dos apresentados, alterando, portanto, os resultados encontrados do teste em termos de performance;

  • Outras características dos pacientes, bem como dos nódulos de tireoide, não foram mencionadas, as quais certamente são importantes na hora de definir o tipo de tratamento (cirúrgico ou não). Isso possivelmente se deve devido ao tipo de metodologia empregada no estudo; 

  • A parte dos pacientes excluídos na análise possivelmente influenciou nos resultados encontrados. Não foi apresentado nenhum dado destes pacientes incluídos;

  • Os resultados de desempenho do teste são baseados em resultados com limitações importantes: nos pacientes negativos somente 17 apresentavam diagnóstico final e nos pacientes positivos houve perda de um número expressivo de pacientes;

  • O fato dos pacientes pagarem por um exame que estava sendo utilizado para o desenvolvimento do estudo foi considerado um possível desvio ético do estudo, uma vez que participantes de pesquisa não devem ter ônus financeiro com a mesma pelas resoluções em vigência no Brasil.


Pílula do Clube: o teste mir-THYpe pode ser uma opção para pacientes com nódulos de tireoide previamente puncionados com citologia indeterminada (Bethesda III e IV) para avaliar indicação de cirurgia. As limitações do estudo, em especial a ausência de outras características dos pacientes/nódulos e as perdas resultando em n modestos devem ser preocupações para aplicação deste teste na prática clínica. 


Discutido no Clube de Revista de 25/07/2022.

Glucocorticoid replacement regimens for treating congenital adrenal hyperplasia

 Sze May Ng, Karolina M Stepien, Ashma Krishan

 

Cochrane Database of Systematic Reviews 2020, Issue 3. Art. No.: CD012517.

https://www.cochranelibrary.com/cdsr/doi/10.1002/14651858.CD012517.pub2/full

 

A Hiperplasia Adrenal Congênita (HAC) é uma condição rara que em 90% dos casos é causada por deficiência na produção de 21-hidroxilase por mutações do gene CYP21, acumulando-se andrógenos (17-OH, androstenediona e testosterona) que causam virilização no sexo feminino e hirsutismo/puberdade precoce em ambos os sexos e falta de glico e mineralocorticoides (insuficiência adrenal primária). Embora seu espectro clínico seja amplo, o tratamento envolve em geral reposição de glico e mineralocorticoides iniciados nos primeiros dias de vida e mantido pela vida toda. Há várias opções terapêuticas para a reposição de glicocorticoides (GC) e é esta que normalmente cursa com para-efeitos por super ou subtratamento, uma vez que nenhum dos regimes disponíveis em larga escala até o momento replicam com sucesso o ritmo circadiano do cortisol endógeno. Atingir os alvos terapêuticos (prevenção de crise adrenal, promoção de crescimento pôndero-estatural normal e manter a fertilidade) evitando para-efeitos do uso excessivo de glicocorticoides é o desafio do tratamento. 

Esta é uma revisão sistemática  (RS) comparando o uso de hidrocortisona (H) - padrão ouro no tratamento - com demais esquemas  de reposição de GC, já que a H tem posologia inconveniente (3-4 vezes ao dia vs. 1 vez ao dia com outros GC) e também não é livre de para-efeitos. A RS tinha por objetivo a comparação da eficácia e segurança diferentes regimes glicocorticoides no tratamento da HAC por deficiência de 21-OH em adultos e crianças. A busca em literatura chegou a 6 estudos originados de 5 ensaios clínicos randomizados (ECRs). Os ECRs eram predominantemente unicêntricos, com populações entre 6 e 44 indivíduos (n total=111). O tempo de seguimento variou de 6 semanas a 1 ano e as drogas  comparadas à H foram prednsisolona (P) e dexametasona (D) - posologia de 1 vez/dia.  Houve relato de uso de diferentes estratégias posológicas para H - desde 1 vez ao dia até 3 vezes/dia em dose de 10-25mg/m2/dia. As diferentes posologias de H também foram comparadas entre si. As doses relatadas de P variaram de 2,4-3mg/m2/dia, D foi utilizada em apenas um estudo na dose de 0.3 mg/m2/dia.  A população estudada era jovem e variava de 1m a 22 anos. Quatro ECRs eram do tipo crossover e 1 deles paralelo - foram incluídas as informações de todos os braços de tratamento. 

Devido à heterogeneidade dos estudos, não foi possível a realização de meta-análise. Todos os estudos foram descritos como apresentando risco moderado a alto de viés (GRADE). Foram considerados desfechos primários a qualidade de vida, normalização de andrógeno e prevenção crise adrenal e secundários osteopenia, presença de tumores de remanescente adrenal, subfertilidade e altura final. Só foi possível a recuperação de dados de normalização de andrógeno (desfecho primário) e avaliação de altura (desfecho secundário) através de medidas substitutas. Os principais resultados relatados foram: 

  • German, 2008 (n=11): maior dose matinal ou maior dose noturna de H não resultou em menor supressão de andrógenos na dose de 13-15 mg/m2/dia.

  • Nebesio, 2016 (n=27): D 0.3 mg/m2/dia resultou em maior supressão de andrógenos - 17-OH progesterona e androstenediona - quando comparada à P 3 mg/m2/dia e H 15 mg/m2/dia 3x/dia - p <0.001. H e P foram semelhantes quanto à supressão androgênica.

  • Winterer, 1985 (n=6): Diferentes posologias de H na mesma dose não afetaram a supressão de andrógenos. 

  • Silva, 1997 (n=26): H 25mg/m2/dia levou à piora de velocidade de crescimento quando comparada à H 15 mg/m2/dia. 

  • Caldato, 2004 (n=44): P 2.4mg/m2/dia teve menor avanço de idade óssea quando comparada à H 10-15mg/m2 porém não houve diferença em DP de altura ou em velocidade de crescimento. 

No Clube de Revista foram debatidos os seguintes pontos:

  • Não observamos falhas metodológicas na execução da RS, porém houve diversos questionamentos sobre critérios de inclusão e exclusão escolhidos e sobre qualidade/utilidade clínica dos estudos avaliados; 

  • Foram analisados apenas estudos que usaram H, porém a medicação não é disponível mundialmente e podem ter sido excluídos estudos de boa qualidade por este motivo;

  • Nenhum dos ECRs contava com seguimento adequado para avaliação de efeitos a longo prazo, o que fornece pouca informação clínica relevante, uma vez que o tratamento é utilizado por décadas;

  • As evidências mais robustas sobre a escolha da H como padrão ouro vêm de ensaios observacionais, que, apesar das limitações inerentes ao delineamento, contaram com tempo de seguimento muito mais prolongado e seriam mais adequados para avaliação de desfechos como altura final, osteopenia e risco cardiovascular;

  • O tratamento da HAC, em geral, não objetiva a normalização completa de andrógenos  - leva frequentemente a supertratamento. É questionável a escolha desse parâmetro como descritivo da qualidade do tratamento ou mesmo como desfecho primário;

 

Pílula do Clube: os resultados relatados na RS tiveram contribuição limitada no auxílio da decisão por regime terapêutico. Não foi possível a realização de meta-análise e o impacto da revisão sistemática difere pouco do poder de evidência dos estudos individualmente. A dúvida sobre qual o esquema preferencial de reposição de GC na HAC permanece e a escolha segue sendo individualizada para cada paciente.

 

Discutido no Clube de Revista de 18/07/2022.

Semaglutide and Cardiovascular Outcomes in Obesity without Diabetes

  A. Michael Lincoff, Kirstine Brown‐Frandsen, Helen M. Colhoun, John Deanfield, Scott S. Emerson, Sille Esbjerg, Søren Hardt‐Lindberg, G. K...