segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Outcomes of Pregnancy after Bariatric Surgery

Kari Johansson, Sven Cnattingius, Ingmar N.slund, Nathalie Roos, Ylva Trolle Lagerros, Fredrik Granath, Olof Stephansson, and Martin Neovius.

 NEJM 2015, 372;814-824

Trata-se de estudo observacional (coorte retrospectiva) que utiliza diversos bancos de dados suecos com a finalidade de avaliar desfechos maternofetais em mulheres submetidas à cirurgia bariátrica (CB). Para isso, gestantes pós-CB foram pareadas com gestantes não submetidas à CB em relação à idade, paridade (nulíparas vs. multíparas), índice de massa corporal (IMC) pré-CB, tabagismo, nível educacional e ano do parto. De mais de 600 mil nascidos na Suécia no período de 2006 a 2011, 1.755 nasceram de mães previamente submetidas à CB. Após exclusão de gemelares, ausência de peso pré-cirúrgico ou falta de controle para pareamento, 596 gestantes pós-CB foram comparadas a 2.356 gestantes sem história de CB. Os desfechos avaliados foram: frequência de diabetes mellitus gestacional (DMG), recém-nascidos grandes para idade gestacional (GIG), pequenos para idade gestacional (PIG), baixo peso ao nascer, macrossomia, prematuridade, natimortos ou com malformação congênita. As pacientes do grupo pós-CB apresentavam idade média de 31 anos, gestação 2 anos após CB, IMC no início da gestação de 30,6 Kg/m² e perda de peso pós-CB de 38Kg (13,8 Kg/m²). Houve menor frequência de DMG (1,9 vs.  6,8%), GIG (8,6 vs. 22,4%) e macrossomia (1,2 vs. 9,5%) e maior frequência de PIG (15,6 vs.  7,6%) em gestantes pós-CB em relação ao grupo não submetido à CB. Houve tendência (P = 0,06) à maior frequência de morte neonatal e natimorto (1,7 vs.  0,7%) em relação ao grupo controle. Quanto maior a perda de peso pós-cirurgia, maior o risco de prematuridade pós-CB. Alguns pontos foram destacados e discutidos no Clube de Revista:
·         Por se tratar de um estudo observacional com base em banco de dados há certas limitações na análise que são minimizadas pelo tamanho da população estudada e pareamento por características-chave associadas ao desfecho;
·         As taxas de DMG devem ser avaliadas com cautela: devido a alterações no trânsito intestinal decorrentes da cirurgia bariátrica, é comum a ocorrência de dumping ou hipoglicemia pós-prandial prejudicando a interpretação do teste oral de tolerância à glicose (TOTG). Não se encontrou na literatura nenhum consenso para o diagnóstico de DMG pós-cirurgia bariátrica;
·         Os pontos de corte utilizados para definição de DMG (TOTG 75g tempo 0’: 126 mg/dL e tempo 120’: 180 mg/dL) diferem daqueles pontos estabelecidos na literatura;
·         O aumento de peso durante a gestação não foi avaliado entre os grupos e este dado é muito importante quando se analisa desfechos materno-fetais como DMG e GIG/macrossomia. Também é desconhecido se e quais gestantes apresentavam complicação gestacional (DMG, prematuridade) prévia que podem aumentar o risco de complicação em nova gestação.

Pílula do Clube: Gestantes pós-cirurgia bariátrica apresentam menor risco de DMG e recém-nascido GIG, porém possuem maior risco de recém-nascido PIG em relação a gestantes pareadas por características pré-gestacionais. Há maior tendência de natimortalidade e mortalidade neonatal (p=0,06) nos filhos de mães submetidas à cirurgia bariátrica.


Discutido no Clube de Revista de 20/07/2015.

A Randomized, Controlled Trial of 3.0 mg of Liraglutide in Weight Management

Xavier PiSunyer, Arne Astrup, Ken Fujioka, Frank Greenway, Alfredo Halpern, Michel Krempf, David C.W. Lau, Carel W. le Roux,Rafael Violante Ortiz, Christine Bj.rn Jensen, and John P.H. Wilding, for the SCALE Obesity and Prediabetes NN8022-1839 Study Group

N Engl J Med 2015; 373:11-22.

Ensaios clínicos randomizados (ECR) prévios mostraram que o análogo do GLP1 liraglutide promove perda peso em pacientes com DM2 quando comparado a sulfoniluréias, tiazolidinedionas ou insulina glargina. Este ECR multicêntrico controlado por placebo objetiva avaliar a eficácia e a segurança do liraglutide 3,0 mg/dia por um período de 56 semanas, para redução de peso em adultos sem diabetes com sobrepeso e obesidade, hipertensos e/ou dislipidêmicos. Foram excluídos pacientes com histórico de cirurgia bariátrica, pancreatite, câncer medular de tireoide, NEM2 e uso de medicamentos que interferem no peso corporal. O desfecho primário foi perda de peso em relação ao baseline e as proporções de pacientes que perderam ≥ 5% e > 10% do peso corporal. Para um poder de 99%, foi estimada amostra de 3.600 pacientes. Foram arrolados 3.731 pacientes, maioria mulheres, idade 45,1 ± 12,0 anos, peso médio 106,2 ± 21,4 Kg (IMC 38,3 ± 6,4 Kg/m²), 30% em tratamento anti-hipertensivo, 61% com pré-diabetes. Todos receberam, além da injeção subcutânea diária, contendo liraglutide ou placebo, orientação de realizar atividade física (150 minutos/semana) e dieta hipocalórica. Completaram o estudo 1.789 (72%) pacientes da intervenção e 801 (64,4%) do controle. A população analisada (liraglutide: 2.437; placebo: 1.225) foi composta por todos randomizados que receberam pelo menos uma dose da intervenção e que tinham pelo menos uma avaliação pós-baseline, sendo imputados os dados faltantes. Ao final das 56 semanas, observou-se perda de 8,4 ± 7,3 kg (8,0 ± 6,7%) no grupo liraglutide vs. 2,8 ± 6,5 kg (2,6 ± 5,7%) no placebo (−5,6 kg; IC95%, −6,0 a −5,1, P < 0,001). No grupo liraglutide, 63% e 33% dos pacientes perderam 5% ou > 10% do peso corporal, respectivamente. No grupo placebo, 27% e 11% respectivamente, atingiram essas metas. Em relação aos efeitos adversos, 80% dos pacientes do grupo liraglutide experimentaram algum efeito adverso (placebo: 63%), sendo os gastrointestinais os mais comuns (náusea, vômito e diarreia) e motivo de desistência para 6,4% dos pacientes. Náusea ocorreu principalmente nos primeiros 2 meses de tratamento. A taxa de eventos biliares e de pancreatite aguda foi de 2,5% (3 eventos/100 pacientes-ano) e 0,4% (0,4 eventos/100 pacientes-ano) em usuários de liraglutide e placebo, respectivamente. Também se observou redução da pressão arterial sistólica (−2,8; IC95% −3,56 a −2.09 mmHg, P < 0,001) e diastólica (−0,9; IC95% −1,41 a −0,37 mmHg, P < 0,001) e aumento da frequência cardíaca (2,4; IC95% 1,9 a 3,0 bpm, P < 0,001). Durante o Clube de Revista, foram abordados os seguintes pontos:
·         O estudo teve alta taxa de dropout (30%), o que é semelhante a outros que analisaram agentes farmacológicos para perda de peso;
·         A descrição dos resultados não pode ser considerada totalmente adequada, visto que foram apresentadas médias - essas muitas vezes maiores que o desvio-padrão (seria mais apropriada a mediana);
·         Com a intervenção, 92% dos pacientes perderam peso (até 45% do peso do baseline), comparados a 65% dos controles (até 20% do peso do baseline);
·         A perda de peso foi mantida enquanto em uso da droga;
·         O custo e os efeitos adversos do medicamento são limitantes para seu uso, já a via subcutânea não parece sê-lo;
·         Está em execução estudo para avaliação dos desfechos cardiovasculares do liraglutide (NCT01179048) e em fase de publicação outro para avaliação de prevenção primária de DM2;
·         O estudo foi financiado pela indústria farmacêutica.

Pílula do Clube: Injeção subcutânea diária de liraglutide 3mg é mais uma opção no arsenal terapêutico para obesidade, promovendo perda corrigida de 5,4% do peso corporal; porém, às custas de elevada ocorrência de efeitos adversos gastrointestinais e biliares.


Discutido no Clube de Revista de 06/07/2015.

domingo, 27 de setembro de 2015

Ezetimibe added to Statin therapy after Acute Coronary Syndromes


N Engl J Med 2015, 372:2387-97.

Este ECR foi realizado com o objetivo de avaliar se redução adicional do LDL com ezetimibe tem benefício em reduzir desfechos cardiovasculares em pacientes de alto risco CV, além de avaliar sua segurança. Foram incluídos pacientes com mais de 50 anos, hospitalizados recentemente por IAM com ou sem supra de ST, ou angina de alto risco, com níveis de colesterol LDL entre 50-125 mg/dL (naqueles sem uso de estatina) ou 50-100 mg/dL (naqueles em uso de estatinas). Foram excluídos pacientes com cirurgia de revascularização do miocárdio já planejada, insuficiência renal (TFG≤30), doença hepática ativa ou uso de estatina mais potente do que 40 mg de sinvastatina. A amostra foi calculada objetivando um total de eventos cardiovasculares de 5.250, para ter um poder de 90% de demonstrar redução de risco de 9,75% entre os grupos. Todas as análises foram feitas por intention to treat. Os pacientes foram randomizados 1:1 para receber sinvastatina 40 mg com ou sem ezetimibe 10mg em dose única diária. Até 2011, os pacientes com colesterol LDL > 79 mg/dL em 2 exames consecutivos tinham a dose de sinvastatina aumentada para 80 mg; após esta data a dose não era mais ajustada. Se o nível de colesterol LDL fosse maior do que 100 mg/dL, o fármaco do estudo era descontinuado e estatina mais potente era iniciada. O desfecho primário foi a combinação de morte por doença cardiovascular, AVC não-fatal e evento coronariano maior (definido como IAM não-fatal, angina instável e revascularização coronariana após 30 dias de seguimento no estudo). Os desfechos secundários foram as combinações de morte por qualquer causa, AVC não-fatal ou evento coronariano maior; morte por doença coronariana, IAM não-fatal ou revascularização urgente em 30 dias; e morte por doença cardiovascular, IAM não-fatal, revascularização urgente em 30 dias ou internação por angina instável. Foram randomizados 18.144 pacientes, 9.077 para o grupo da sinvastatina, e 9.067 para o grupo sinvastatina + ezetimibe. Ao longo do estudo, o colesterol LDL dos pacientes do grupo ezetimibe era mais baixo do que o dos pacientes em uso de monoterapia (53,7 vs. 69,5 mg/dL; P < 0,001). O grupo que recebeu ezetimibe teve uma redução de 24% do colesterol LDL após 1 ano de uso em relação ao grupo que recebeu somente a estatina. Para o desfecho primário, houve redução absoluta de risco de 2% com o uso de ezetimibe (NNT=50). A redução dos desfechos foi mais pronunciada nos pacientes com DM. Para os desfechos combinados secundários também houve redução de risco. No clube foram discutidos os seguintes pontos.
·         Não houve redução mortalidade, tendo resultado positivo para os desfechos combinados às custas de AVC, IAM e revascularização de urgência;
·         A redução do risco relativo, apesar de estatisticamente significativa, foi pequena (6,4%). Apesar desta redução discreta, o estudo demonstrou que a redução adicional de colesterol LDL com ezetimibe é benéfico em pacientes de alto risco;
·         Este estudo enfraquece a hipótese de que a redução do risco CV com o uso de estatinas é principalmente devido ao seu efeito pleiotrópico.

Pílula do Clube: O uso do ezetimibe associado às estatinas em pacientes de alto risco cardiovascular pode promover uma discreta redução de eventos cardiovasculares.

Discutido no Clube de Revista de 29/06/2015.

Eating two larger meals a day (breakfast and lunch) is more effective than six smaller meals in a reduced-energy regimen for patients with type 2 diabetes: a randomized crossover study

Hana Kahleova, Lenka Belinova, Hana Malinska, Olena Oliyarnyk, Jaroslava Trnovska, Vojtech Skop, Ludmila Kazdova, Monika Dezortova, Milan Hajek, Andrea Tura, Martin Hill, Terezie Pelikanova.

Diabetologia 2014, 57:1552-1560.

            Trata-se de ensaio clínico randomizado, aberto, crossover de um único centro. O objetivo foi comparar o efeito de fazer 2 refeições diárias vs. fazer 6 refeições diárias sobre o peso, porcentagem de gordura hepática, resistência insulínica, controle glicêmico e função de células beta em pacientes com diabetes tipo 2. Foram incluídos 54 pacientes, 30 a 70 anos, com diabetes tipo 2 e HbA1c de 6-11,8%. Os critérios de exclusão foram abuso de álcool e drogas, gestação ou lactação, peso instável ou mudança nas medicações nos últimos 3 meses, diabetes tipo 1 e uso de marcapasso cardíaco. Os pacientes foram randomizados para receber refeições 6 vezes por dia (A6) ou 2 vezes por dia (B2). Ambas as dietas eram hipocalóricas e de igual conteúdo energético (restrição de 500 Kcal).  Um mês antes da randomização, todos os participantes recebiam orientações de como cozinhar seus alimentos e usar diários alimentares. Cada intervenção teve duração de 12 semanas, com avaliação de desfechos no basal, com 12 e 24 semanas de estudo. Os desfechos primários foram peso, porcentagem de gordura hepática avaliada por ressonância magnética com espectroscopia e controle glicêmico. A sensibilidade insulínica, função de células beta, perfil lipídico e consumo calórico basal foram desfechos secundários. O peso diminuiu em ambos os grupos, mas esta perda foi maior no grupo B2 (-3,7 vs. -2,0 Kg; P < 0,001). Esta diminuição também se refletiu no IMC, que diminui mais no grupo B2(- 1,23 vs. -0,82 Kg/m²). Em relação a gordura hepática houve uma tendência de diminuição maior no grupo B2 (- 0,04 vs. - 0,03%; P = 0,09). A glicemia de jejum se reduziu em ambos os grupos, mas com diferença significativa a favor do grupo B2 (-0,78 vs. -0,47mmol/l; P = 0,04). Já a queda de HbA1C não foi diferente entre os grupos (-0,23 no A6 vs. – 0,25% no B2; P = 0,08). Em relação a sensibilidade insulínica, o clearence metabólico de glicose medido pelo clamp euglicêmico aumentou comparavelmente nos dois grupos e sem diferença entre eles. O perfil lipídico também melhorou de forma similar nos dois grupos e também não houve diferença quanto consumo calórico total. Durante o clube de revista, os seguintes pontos foram discutidos:
  • O estudo representa um argumento contra o fracionamento das refeições tão comumente orientado na prática clínica;
  • O estudo teve pequena duração e o fornecimento das refeições limita a generalização dos resultados;
  • A amostra não é representativa dos pacientes diabéticos em geral, pois tinham doença de curta duração e não usavam insulina, apenas antidiabéticos orais.


Pílula do clube: Dietas hipocalóricas consumidas em 2 refeições principais apresentam um melhor efeito em perda de peso e redução de depósito de gordura hepática, mas sem ter diferença significativa em controle glicêmico em pacientes com DM tipo 2 quando comparadas ao fracionamento em 6 refeições.


Discutido no Clube de Revista de 22/06/2015.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Follow-up of Glycemic Control and Cardiovascular Outcomes in Type 2 Diabetes

Rodney A. Hayward, Peter D. Reaven, Wyndy L. Wiitala, Gideon D. Bahn, Domenic J. Reda, Ling Ge, Madeline McCarren, William C. Duckworth, and Nicholas V. Emanuele for the VADT Investigators.

N Engl J Med 2015, 372:2197-206.

Trata-se de uma coorte observacional com o objetivo de avaliar desfechos cardiovasculares no seguimento do The Veterans Affairs Diabetes Trial (VADT) por pelo menos cinco anos após a conclusão do estudo, em que os pacientes retornavam aos cuidados usuais. O ensaio clínico inicial com 1.791 pacientes teve duração média de 5,6 anos, era randomizado, aberto e comparava controle glicêmico intensivo vs. terapia padrão. Todos recebiam AAS e estatina além de metformina, glimepirina, rosiglitazona e/ou insulina (de acordo com alvos atingidos). Ao final desta intervenção, não houve redução nas taxas de eventos cardiovasculares maiores entre os grupos. O seguimento foi realizado através da coleta de informações fornecidas pelos pacientes sobre eventos CV maiores (IAM, AVC ou amputações) e registros nacionais dos sobreviventes após fase ativa do VADT por consulta a bases de dados centrais (Centers for Medicare and Medicaid Services, Medicare claims files, the VA death files, and the National Death Index). Os dados coletados até dezembro de 2013 tinham mediana de 11,8 anos e os dados integrais de 9,8 anos. A coorte total era composta por 92,4% dos participantes; 77,7% foram os que aceitaram participar do seguimento, compondo a coorte de sobreviventes. O desfecho primário era tempo até o primeiro evento CV maior (IAM, AVC, surgimento ou piora da IC, morte por causas CV ou amputações por gangrena isquêmica) e os secundários eram mortalidade por DCV e mortalidade total. A HbA1c que ao término da fase ativa do VADT tinha diferença média de 1,5% entre os grupos (6.9% vs. 8.4%) tornou-se semelhante nos anos de seguimento. Ao final da mediana de 9,8 anos de acompanhamento, o grupo que havia recebido inicialmente terapia intensiva apresentou redução de eventos CV maiores (HR 0,83; IC95% 0,70-0,99; P = 0,04), porém não houve redução na mortalidade por causas cardiovasculares (HR 0,88; IC95% 0,64-1,20; P = 0,42) e na mortalidade total (HR 1,05; IC95% 0,89-1,25; P = 0,54) com média de seguimento de 11,8 anos para último desfecho. Durante o clube de revista, foram discutidos os seguintes aspectos:
  • O cálculo de amostra necessário para obter o poder estabelecido para desfechos cardiovasculares no trabalho inicial contava com ocorrência de uma quantidade maior de eventos do que ocorreram, porém, apesar da menor incidência de casos, não houve aumento da amostra ou do tempo de intervenção;
  • Os desfechos do seguimento foram diferentes do trabalho original, dando ênfase a desfechos duros;
  • Como limitações, foi um seguimento observacional de um ECR aberto, predominantemente em homens que informavam sobre eventos através de questionários preenchidos pelos próprios pacientes. Também não houve descrição exata de quais medicações estavam sendo utilizadas e em qual porcentagem da população.

Pílula do clube: O controle glicêmico intensivo (HbA1c aproximadamente 7% inicialmente) é capaz de reduzir desfechos cardiovasculares em longo prazo em pacientes com DM tipo 2, embora não seja capaz de reduzir mortalidade geral.


Discutido no Clube de Revista de 15/06/2015.

Subclinical Thyroid Dysfunction and Fracture Risk: A Meta-analysis

Manuel R. Blum, Douglas C. Bauer, Thin-Hai Collet, Howard A Fink, Anne R Cappola, Bruno R da Costa, Christina D Wirth, Robin P Peeters, Bjern O Asvold, Wendy P J den Elzen, Robert N Luben, Misa Imaizumi.

JAMA 2015, 313: 2055-2065.

Trata-se de metanálise de dados individuais de estudos de coorte prospectivos realizados até março de 2015. O objetivo principal era avaliar a associação entre disfunção tireoidiana subclínica e risco de fraturas, além de estabelecer a relação com a idade, sexo e TSH dos participantes. Foram incluídos todos os estudos que apresentassem medidas de TSH e T4 livre e tivessem seguimento com avaliação de fraturas como desfecho. Os estudos com pacientes com disfunção tireoidiana estabelecida ou uso de medicações que interferissem no funcionamento da tireóide foram excluídos. Os estudos incluídos forneciam os dados individuais dos participantes (características, função tireoidiana, dados do metabolismo ósseo e fraturas). O desfecho primário era a ocorrência de fratura de quadril (excluindo pacientes com prótese ou fratura patológica). Os desfechos secundários eram a ocorrência de fraturas de qualquer origem, excluindo áreas não afetadas pela fragilidade óssea (ex. face e dedos) e fraturas identificadas apenas em radiografias. Após a análise inicial, foi feita uma análise de sensibilidade, ajustando os resultados para as seguintes variáveis: diabetes, medicações que interferissem no eixo tireoidiano, exclusão de estudos com perdas acima de 5%, exclusão de estudos sem avaliação de T3/T4 livre. Entre os 1.371 estudos identificados inicialmente, 13 foram selecionados (n=70.298). Os estudos tinham uma média de 12 anos de seguimento, com participantes com média de 64 anos de idade, 63% mulheres. Após os ajustes realizados, o hipertireoidismo subclínico foi associado a maior risco para fraturas de quadril (HR 1,36; IC95% 1,13-1,64), qualquer fratura (HR1,28; IC95% 1,06-1,53) e fraturas de coluna (HR 1,51; IC95% 0,93-2,45). Apenas dois estudos individualmente mostraram associação entre hipertireoidismo subclínico e fratura de quadril e nenhum estudo mostrou associação com desfechos secundários. Quando realizadas as subanálises, verificou-se tendência a fraturas de coluna entre os homens com hipertireoidismo subclínico (HR 3,61; IC95% 1,76-7,41) quando comparados a mulheres (HR 1,17; IC 95% 0,63-2,19). De acordo com as categorias de TSH, o risco de fraturas de quadril, coluna e qualquer fratura eram maiores em pacientes com TSH mais baixo (HR 3,57; IC95% 1,88-6,78). Não houve associação entre hipotireoidismo subclínico e risco de fraturas (HR 0,96; IC95% 0,83-1,10). Durante o Clube de Revista, os seguintes pontos foram discutidos:
·         Observou-se associação positiva entre hipertireoidismo subclínico e risco de fraturas, mesmo após ajustes. A informação de que este risco é maior entre aqueles com menor TSH é relevante na prática clínica;
·         Corroborando a ausência de base fisiopatológica para esta hipótese, o hipotireoidismo subclínico não teve associação com aumento de risco de fraturas;
·         A maior parte dos estudos só apresentava função tireoidiana no baseline e não apresentava as medidas de T4 e T4 livre, fundamentais para a definição de hipertireoidismo subclínico;
·         Pela ausência de ensaios clínicos controlados, não é possível afirmar que o tratamento do hipertireoidismo subclinico tenha algum papel na prevenção de fraturas.

Pílula do Clube: O hipertireoidismo subclínico está associado a aumento no risco de fraturas, principalmente entre indivíduos com TSH ≤ 0,1 mU/L, mas ainda não há evidências para afirmar que o tratamento desta condição possa prevenir a ocorrência de fraturas.


Discutido no Clube de Revista de 01/06/2015.

N-of-1 (Single-Patient) Trials for Statin-Related Myalgia

Tisha R. Joy, Alaa Monjed, Guang Yong Zou, Robert A. Hegele, Charlotte G. McDonald, and Jeffrey L. Mahon.

Ann Intern Med 2014, 160:301-310.

Analisamos no clube de revista a extensão do CONSORT publicado a respeito de estudos N de 1 (CENT) e analisamos o artigo acima em relação ao assunto. Ensaios clínicos N de 1 são estudos onde 1 paciente recebe terapia ativa durante um período de tempo de um “par”, e no outro período recebe placebo ou terapia alternativa. Idealmente é duplo cego e implica, pelo conceito, em ser crossover. O estudo que exemplifica o assunto avaliou estatina vs. placebo por períodos de 3 semanas em relação ao desenvolvimento de mialgia. A ordem para o recebimento de placebo ou estatina foi randomizada e os pacientes e os médicos foram cegados para a intervenção. O desfecho mialgia foi avaliado por escalas análogo visuais e questionário sobre dor. Dez pacientes foram elegíveis, sendo que 8 iniciaram o estudo. Os pacientes tinham alto risco Framingham e média de colesterol LDL de 128 mg/dL. A média de estatinas previamente tentadas foram 3, sendo rosuvastatina e atorvastatina as mais frequentemente tentadas. Cada paciente recebeu a estatina que estava utilizando mais recentemente. Para a avaliação de mialgia por escala análogo-visual, não houve diferença significativa para 7 de 8 pacientes com estatina em relação à placebo. Para o escore de severidade de dor, os pacientes sentiram mais desconforto durante a terapia com estatina, mas essa diferença não alcançou a significância clínica pré-especificada de pelo menos 1 ponto. Não houve diferenças entre níveis de CK e enzimas hepáticas entre tratamento e placebo. Após o estudo, 5 de 7 pacientes tiveram indicação de manter estatina e retomaram o seu uso com seguimento com mediana de 10 meses. Durante o Clube de Revista, os seguintes pontos foram discutidos:
      Os resultados suportam a prova de conceito que estudos n de 1 podem auxiliar na avaliação de mialgia associada a estatinas em pacientes selecionados;
      Os escores utilizados não foram validados para mialgia;
      Não houve cálculo de amostra para análise estatística e a análise estatística de estudos n de 1 engloba conceitos estatísticos bastante complexos, comumente não utilizados em outros trials randomizadas;
      Neste tipo de estudo, deve-se atentar para possíveis efeitos de carry-over da medicação, uma vez que ela é utilizada diversas vezes pelo mesmo paciente de forma intermitente.

Pílula do Clube: Sintomas associados ao uso de estatinas são questionáveis em muitos pacientes, sendo que este e outros estudos demonstram que muitas vezes os sintomas podem não ser relacionados à medicação. Este tipo de estudo seria também útil para avaliação de paraefeitos comuns apresentados por outras drogas na endocrinologia, como por exemplo, a metformina.


Discutido no Clube de Revista de 25/05/2015.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Association between 7 years of intensive treatment of type 1 diabetes and long-term mortality


JAMA 2015, 313:45-53.

Trata-se de estudo de avaliação da mortalidade no EDIC, coorte de seguimento dos pacientes que participaram do DCCT. O DCCT foi um ECR publicado no NEJM em 1993 onde 1.441 pacientes com DM1 foram recrutados entre 1983-89, com seguimento médio de 6,5 anos, que demonstrou que o tratamento intensivo versus tratamento conservador reduz o aparecimento e progressão de complicações microvasculares no DM tipo 1. Em 2005 foi publicado no NEJM um estudo com os pacientes do EDIC, que avaliou eventos cardiovasculares após 11 anos do final do ECR, demonstrando redução de eventos cardiovasculares, principalmente IAM não fatal, AVC e morte por evento cardiovascular nos pacientes provenientes do grupo de tratamento intensivo. Levando em consideração que após o encerramento do DCCT o tratamento intensivo foi oferecido a todos os pacientes, após 11 anos não havia diferença de HbA1c entre os pacientes provenientes dos dois grupos, sendo o efeito observado relacionado à redução glicêmica no período inicial do tratamento. O presente estudo foi realizado objetivando avaliar mortalidade nos pacientes do EDIC após 19 anos do encerramento do DCCT. A análise foi feita após registro de 50 óbitos nos pacientes submetidos ao tratamento conservador, com poder de 85% para avaliar hazard ratio de 0,5. A mortalidade geral registrada foi de 0,29%, com redução de risco de 33% nos pacientes inicialmente submetidos ao tratamento intensivo, principalmente às custas de diminuição de morte por doenças renais, cardiovasculares e câncer. Não houve aumento significativo de mortalidade nos pacientes com episódios graves de hipoglicemia, exceto naqueles que apresentaram hipoglicemias acompanhadas de convulsões e/ou coma, no qual houve aumento de risco de 66%. Houve maior número de mortes por suicídio ou acidentes no grupo do tratamento intensivo, sem relação bem estabelecida entre os acidentes e episódios de hipoglicemia. Houve maior risco de mortalidade nos pacientes com HbA1c mais altas, com aumento de 56% do risco para cada 10% de aumento de HbA1c. Durante o Clube de Revista, os seguintes pontos forma discutidos:
·         O estudo apresentou número muito pequeno de perdas durante todo o seguimento, aumentando sua validade externa;
·         O achado inicial de redução das complicações microvasculares no DCCT se manteve no EDIC em relação às macrovasculares e à mortalidade;
·         Após o encerramento do DDCT, quase todos os pacientes foram submetidos a tratamento intensivo, sem diferença na HbA1c entre os grupos após 11 anos, sugerindo que o controle estrito desde o diagnóstico e em longo prazo tem impacto em desfechos de interesse;
·         A intensificação do tratamento das doenças macrovasculares, com a introdução de estatinas, AAS, IECA e beta bloqueadores reduziu o impacto do controle do DM nos desfechos em relação à época do estudo original;
·         O maior número de mortes por suicídio e/ou acidentes nos pacientes do grupo do tratamento intensivo não tem relação causal bem estabelecida;

Pílula do Clube: Em pacientes com DM tipo 1, o controle glicêmico estrito desde o inicio do tratamento, além de diminuir as complicações microvasculares e macrovasculares se associa com diminuição de mortalidade em longo prazo.


Discutido no Clube de 18/05/2015.

Glucose-lowering drugs or strategies and cardiovascular outcomes in patients with or at risk for type 2 diabetes: a meta-analysis of randomised controlled trials

Jacob A Udell, Matthew A Cavender, Deepak L Bhatt, Saurav Chatterjee, Michael E Farkouh, Benjamin M Scirica

Lancet Diabetes Endocrinol 2015 5: 356-366

            Trata-se de revisão sistemática com metanálise com objetivo de avaliar se à medida que existe diminuição da glicemia por drogas hipoglicemiantes ou outras estratégias para redução da HbA1c ocorre aumento no risco de insuficiência cardíaca (IC) em pacientes com DM2 ou pré-diabeticos (PDM), além de estabelecer se o risco está associado com diferenças na glicemia alcançada ou no controle de peso. Foram incluídos ensaios clínicos randomizados (ECR) com participantes com DM2 ou PDM que comparassem drogas hipoglicemiantes ou outras estratégias vs. placebo ou cuidados padrão que tivessem resultado em melhora de controle glicêmico entre os grupos (diferenças médias ≥ 0,1% na HbA1c entre os grupos) e que tivessem analisado desfechos cardiovasculares. Foram utilizadas as bases de dados Ovid Medline, Clinicaltrials.gov, Cochrane Library e resumos online de congressos, sem restrições de idioma, até fevereiro de 2015. Foram excluídos ECR com menos de 1.000 pacientes, com intervenções multifatoriais ou com relato de eventos CV agudos. O desfecho primário analisado foi incidência de IC e os secundários foram eventos CV maiores, morte por causa cardiovascular e AVC, infarto agudo do miocárdio fatal ou não fatal, eventos cardiovasculares com hospitalização (angina instável, revascularização coronariana e IC). Os dados de cada estudo foram considerados por intenção de tratar. Foram incluídos 14 estudos, que tiveram duração média de 4,3 anos, total de 95.502 pacientes, dos quais 3.907 (4%) desenvolveram insuficiência cardíaca. Hipoglicemiantes ou estratégias para redução de glicemia estiveram associadas com redução da HbA1c (0,5% ± 0,33) e ganho de peso (1,7 kg ± 2,8). Elas também aumentaram o risco de IC quando comparadas com cuidados padrão (RR 1,14; IC95% 1,01–1,30; P=0,041). A magnitude destes achados se associou com o tratamento. Houve risco aumentado de IC com tiazolidinedionas (RR 1,42; IC95% 1,15–1,76), intermediário com inibidores da DPP-4 (1,25; IC95% 1,08–1,45) e neutro com a insulina glargina (0,90; IC95% 0,77–1,05). Terapias baseadas em perda intensiva de peso não tiveram associação com IC. Análise por metaregressão mostrou que para cada 1Kg ganhado associado com hipoglicemiantes ou outras estratégias, havia aumento de 7,1% no aumento do risco de desenvolver IC se comparado com cuidados padrão (IC95% 1,0 – 13,6; P = 0,022). Foi discutido no clube de revista:
  • Foram selecionados artigos muito heterogêneos para a composição da população da metanálise, visto que misturavam paciente com DM2 e PDM, além de medicações e estratégias de mudança de estilo de vida;
  • Grande parte dos estudos selecionados envolvia uso de tiazolidinedionas, medicação que sabidamente aumenta o peso;
  • Vários estudos tiveram limitações, incluindo ausência de cegamento, interrupção prematura do tratamento, o que pode restringir a interpretação do verdadeiro efeito das intervenções hipoglicemiantes na IC;
  • Apesar de o desfecho primário ser o desenvolvimento de IC, este diagnóstico era feito de formas variadas dentro dos estudos selecionados, já que não eram usualmente os desfechos principais pesquisados, assim como houve variabilidade no conceito de desfechos cardiovasculares maiores.


Pílulas do clube: Quando comparados com cuidados padrão, hipoglicemiantes orais e outras estratégias que diminuem HbA1c aumentam o risco de IC, o que foi mais importante nos estudos que utilizaram TZDs. Os resultados devem ser considerados com cautela, já que houve grande heterogeneidade clínica entre os estudos, e possível viés de aferição do desfecho principal da metanálise.


Discutido no Clube de Revista de 11/05/2015.

Efficacy and Safety of Evolocumab in Reducing Lipids and Cardiovascular Events

Marc S. Sabatine, Robert P. Giugliano, Stephen D. Wiviott, Frederick J. Raal, Dirk J. Blom, Jennifer Robinson, Christie M. Ballantyne, Ransi Somaratne, Jason Legg, Scott M. Wasserman, Robert Scott, Michael J. Koren, Evan A Stein for the Open-Label Study of Long-Term Evaluation against LDL Cholesterol (OSLER) Investigators


N Engl J Med 2015, 372:1500-9.

            Neste ensaio clínico randomizado multicêntrico, aberto, controlado, foram selecionados pacientes que completaram o seguimento em 5 estudos fase II e 7 estudos fase III do mesmo medicamento que não tinham apresentado efeitos adversos com necessidade de suspensão da droga. A amostra foi randomizada para terapia padrão para dislipidemia + evolocumab vs. terapia padrão sem placebo (2:1). O primeiro grupo fez acompanhamento com consultas médicas periódicas e o segundo por contato telefônico. Foram selecionados 4.465 pacientes, dos quais 2.976 utilizaram evolocumab e 1.489 foram alocados para o grupo controle. O seguimento médio foi de 11,1 meses. Não foi encontrada diferença na ocorrência de eventos adversos (desfecho primário). Houve redução no desfecho composto de eventos cardiovasculares (HR 0,49 IC95% 0,28 – 0,78, P=0,003). Houve redução de 61% de LDL-colesterol em comparação ao controle (120 vs. 48 mg/dl, P<0,001). Também houve redução de colesterol não-HDL, colesterol total, triglicerídeos e ApoB (P<0,001), além de maior aumento do HDL-colesterol e ApoA1 (P<0,001) com o uso de evolocumab. Durante o Clube de Revista, os seguintes pontos foram discutidos:
·         Os pacientes selecionados já haviam participado de estudo prévio com a mesma droga e aqueles com efeitos adversos com necessidade de suspensão do tratamento foram previamente excluídos. Logo, a análise de ocorrência de efeitos adversos torna-se prejudicada e subestimada;
·         O acompanhamento dos pacientes do grupo que recebeu evolocumab foi mais próximo em comparação ao controle, o que pode ter alterado a intervenção e aferição de desfechos;
·         A redução no desfecho composto de eventos cardiovasculares pode ser atribuída a menor taxa de revascularização no grupo evolocumab;
·         Foram desconsiderados grupos de acordo com o risco cardiovascular para estratificação das análises;
·         Os níveis de LDL-colesterol utilizados no baseline foram coletados antes dos estudos primários. A redução desses valores durante estes estudos foi desconsiderada na avaliação final;
·         O estudo subsidiado com verbas da indústria farmacêutica.


Pílula do Clube: O perfil de efeitos adversos (desfecho primário) do evolocumab não pode ser avaliado com base nesse estudo. Os potenciais benefícios da redução de LDL induzida pelo evolocumab devem ser contrabalanceados por seus efeitos adversos, em estudos com delineamento adequado, e seguimento de longo prazo.

Semaglutide and Cardiovascular Outcomes in Obesity without Diabetes

  A. Michael Lincoff, Kirstine Brown‐Frandsen, Helen M. Colhoun, John Deanfield, Scott S. Emerson, Sille Esbjerg, Søren Hardt‐Lindberg, G. K...