quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Prevention of Orbitopathy by Oral or Intravenous Steroid Prophylaxis in Short Duration Graves’ Disease Patients Undergoing Radioiodine Ablation: A Prospective Randomized Control Trial Study

 Guia Vannucchi, Danila Covelli, Irene Campi, Nicola Curro`, Davide Dazzi, Marcello Rodari,

Giovanna Pepe, Arturo Chiti, Claudio Guastella, Elisa Lazzaroni, and Mario Salvi



Thyroid. 2019 Dec;29(12):1828-1833.

 https://www.liebertpub.com/doi/full/10.1089/thy.2019.0150

 

O iodo radioativo é um fator de risco conhecido para ativação ou ocorrência de novo de orbitopatia de Graves (OG). Dentre os pacientes com OG prévia, aqueles com hipertireoidismo grave, altos níveis de Trab e fumantes apresentam maior risco de progressão da OG após o radioiodo. Diretrizes da EUGOGO (EUropean Group On Graves’ Orbitopathy) indicam glicocorticoides orais como profilaxia para pacientes com OG pré-existente que irão receber iodoterapia.

Neste trabalho, pacientes com Doença de Graves (DG) há menos de 5 anos e sem OG ativa receberam profilaxia com glicocorticoide oral ou intravenoso (IV). Houve também um grupo com pacientes com DG há mais de 5 anos, estes não receberam corticoterapia. O objetivo era avaliar reativação de OG ou ocorrência de novo aos 6 meses pós iodoterapia, através do CAS ≥ 4/10 (Clinical Activity Score). Os pacientes foram observados durante 5 anos após o tratamento com iodo. Outros objetivos eram analisar o controle do hipertireoidismo pós iodoterapia, níveis de Trab, volume de tireoide e impacto dos efeitos adversos dos glicocorticoides.

Foram incluídos 122 pacientes consecutivos, sendo 93 mulheres e 28 homens, com recaída de hipertireoidismo após tratamento com drogas antitireoideanas. Noventa e nove pacientes tinham OG pré-existente inativa. Os critérios de exclusão eram presença de OG ativa moderada ou severa, contraindicação ao uso de glicocorticoide e gestação. Dentre os pacientes com DG com duração menor de 5 anos, 50 receberam profilaxia com baixa dose de glicocorticoide IV (grupo A) e 49 glicocorticoide via oral (grupo B). A profilaxia iniciou 48 horas antes de administração da terapia com iodo. Todos os pacientes receberam 16 mCi de iodo 131. Durante o seguimento (45, 90 e 180 dias), foi realizado teste de função tireoideana, dosagem de níveis séricos de TRAb e avaliação oftalmológica. O grupo A recebeu prednisona iniciando com 35mg/dia, com redução gradual em 10 semanas, dose cumulativa de 1,540g. O grupo B recebeu 2 doses de 500mg/semana de glicocorticoide IV, seguidas por 2 doses de 250mg/semana por mais 2 semanas, com dose cumulativa de 1,5g de metilprednisolona. Não houve diferença de idade, porcentagem de tabagistas, títulos de trab nem captação de tecnécio 99 entre os grupos. A distribuição dos pacientes com ou sem OG inativa prévia também não diferiu entre os grupos. Nenhum dos pacientes que recebeu profilaxia apresentou ocorrência ou reativação de OG em 6 meses após administração de radioiodo. Apenas uma paciente no grupo controle apresentou reativação transitória de OG. Dois pacientes do grupo que recebeu glicocorticoide apresentaram reativação de OG, uma havia permanecido hipertireoidea e o outro apresentou OG contralateral ao olho envolvido previamente. A iodoterapia foi igualmente efetiva em induzir hipotireoidismo em pacientes que receberam profilaxia ou não. Nos pacientes que receberam profilaxia os níveis de TRAb se elevaram menos em 45 dias, porém não houve diferença em 6 meses. Os seguintes pontos foram discutidos no Clube:

  • Embora o título traga o termo “randomizado”, o trabalhou usou uma amostra de conveniência e não detalha o método de randomização, levando a crer que não houve randomização de fato;

  • A análise estatística é pobremente descrita;

  • Não há descrição das perdas.;

  • Os desfechos adversos foram avaliados apenas por questionário e não houve descrição detalhada;

  • A potência anti-inflamatório de prednisona e metilprednisolona não é igual em doses numericamente iguais, como o estudo descreve;

  • O grupo controle não serve como comparação aos grupos que receberão glicocorticoides, pois não é a mesma população (apresentam duração diferente de DG). Além disso, não existe um grupo com DG há menos de 5 anos sem receber glicocorticoide ou recebendo placebo;

  • O estudo não propõe uma pergunta clínica relevante, visto que pacientes com OG prévia inativa não necessitam de profilaxia com corticoides. A diretriz da EUGOGO cita que pacientes com OG prévia inativa estável podem receber radioiodo sem profilaxia, especialmente se não forem tabagistas e não tenham altos níveis de trab.

 

Pílula do Clube: o presente estudo observou não haver diferença no uso de corticoide EV e VO como profilaxia de orbitopatia em pacientes com Graves que foram submetidos à iodoterapia, porém a amostra não tinha orbitopatia ativa – que seria a indicação para corticoterapia profilática.

 

Discutido no Clube de Revista de 04/10/2021

Cardiovascular and Renal Outcomes with Efpeglenatide in Type 2 Diabetes

 Hertzel C. Gerstein,Naveed Sattar, Julio Rosenstock, Chinthanie Ramasundarahettige, Richard Pratley, Renato D. Lopes, Carolyn S.P. Lam, Nardev S. Khurmi, Laura Heenan, Stefano Del Prato, Leanne Dyal, and Kelley Branch, for the AMPLITUDE-O Trial Investigators


N Engl J Med 2021, 385(10):896-907.

https://www.nejm.org/doi/pdf/10.1056/NEJMoa2108269


A efpeglenatida é um análogo do GLP-1 de longa ação, cuja farmacocinética permite administração mensal. Este é um ensaio clínico de fase 3, randomizado, duplo-cego, controlado por placebo, com objetivo de avaliar o efeito da efpeglenatida sobre desfechos cardiovasculares em pacientes com diabetes tipo 2 (DM2) de alto risco cardiovascular. Foram incluídos participantes DM2, ≥18 anos, HbA1c > 7%, doença cardiovascular  prévia, > 50 anos (homens) ou > 55 anos (mulheres) ou com doença renal prévia (taxa de filtração glomerular, eTFG, 25-59,9 ml/min/1,73 m2). Foram excluídos pacientes com gastroparesia ou refluxo não controlados, náuseas ou vômitos prolongados, doença retiniana grave, histórico de pancreatite ou uso de agonista do GLP-1 ou DDP4 nos 3 meses anteriores. Os participantes foram randomizados para três grupos: efpeglenatida dose semanal de 2 mg/4 semanas e 4 mg até o final do estudo; efpeglenatida dose semanal de 2 mg/4 semanas e 4 mg/4 semanas e a seguir 6 mg até o final do ensaio; ou placebo. A randomização foi estratificada de acordo com o uso de inibidores de SGLT2. O desfecho primário consistia no tempo para desenvolvimento do primeiro evento cardiovascular principal (MACE; morte cardiovascular, infarto do miocárdio não fatal e acidente vascular cerebral). Caso o paciente tivesse HbA1c < 7,5% o investigador poderia reduzir doses de insulina ou antidiabéticos e estas medicações deveriam permanecer inalteradas durante 12 semanas; após, poderiam ser introduzidas quaisquer antidiabéticos, com exceção dos i-DDP4 e análogos do GLP-1. Foi inicialmente realizada análise de não inferioridade, se esta fosse demonstrada com relação ao desfecho primário, os dados seriam avaliados hierarquicamente quanto à superioridade na ordem: MACE incidente; MACE expandido; desfecho renal composto; MACE ou morte por causas não cardiovasculares; função renal; e MACE, morte por causas não cardiovasculares, hospitalização por insuficiência cardíaca ou evento de resultado da função renal. 

      Um total de 5.732 pacientes foram submetidos à triagem; foram randomizados 4.076 participantes, dos quais 1.359 receberam a dose de 4 mg de efpeglenatida, 1.358 a dose de 6 mg de efpeglenatida e 1.359 placebo. O acompanhamento terminou em dezembro de 2020, após acompanhamento médio de 1,81 anos. As características dos participantes eram semelhantes no início do estudo: idade média 64 anos; tempo de diabetes médio de 15 anos; 89,6% tinham doença cardiovascular prévia; 31,6% tinham eTFG< 60 ml/min/1,73m2. O desfecho primário ocorreu em 7% dos pacientes que receberam efpeglenatida e 9,2% dos pacientes que receberam placebo (3,9 vs. 5,3 eventos/100 pessoas-ano; taxa de risco, 0,73; IC95% 0,58 a 0,92; P<0,001). Os participantes designados para receber efpeglenatida também tiveram incidência menor de pelo menos um evento composto de MACE expandido (razão de risco, 0,79; IC95%, 0,65 a 0,96; P=0,02), um evento de desfecho composto renal (razão de risco, 0,68; IC95% 0,57 a 0,79; P<0,001) e um MACE ou morte por causas não cardiovasculares (razão de risco, 0,73; IC95%, 0,59 a 0,91; P=0,004). Os eventos adversos gastrintestinais ocorreram mais frequentemente com efpeglenatida (constipação, náusea, diarreia, distensão abdominal e vômitos). Os principais pontos discutidos no Clube de Revista foram:

  • O fato de selecionar população de alto risco para desfechos cardiovasculares e renais é ponto forte do estudo, uma vez que principalmente para estes pacientes buscamos fármacos que vão além de melhorar controle glicêmico e peso, propiciando prevenção de desfechos desfavoráveis aos que já se encontram em risco para desenvolvê-los;

  • Outro ponto forte do estudo foi demonstrar que não houve quaisquer diferenças com ou sem o uso concomitante de inibidor de SGLT2 e metformina, nos mostrando que podemos usar esses medicamentos juntos numa perspectiva de proteção cardiovascular, sendo seus benefícios aditivos;

  • Apesar do estudo não ter tido duração previamente planejada (foi interrompido 1 ano e 4 meses antes do final), foi conseguido número significativo de pacientes em que o desfecho primário ocorreu no período de duração de 1,8 meses, mantendo desta forma o alto poder estatístico do estudo.


Pílula do Clube: o uso de efpeglenatida em pacientes com DM2 e doença cardiovascular ou doença renal parece levar a uma menor incidência de eventos cardiovasculares  em comparação com placebo.


Discutido no Clube de Revista de 27/09/2021

Performance of deep neural network-based artificial intelligence method in diabetic retinopathy screening: a systematic review and meta-analysis of diagnostic test accuracy

 Shirui Wang, Yuelun Zhang, Shubin Lei, Huijuan Zhu, Jianqiang Li, Qing Wang, Jijiang Yang, Shi Chen and Hui Pan 


European Journal of Endocrinology 2020, 83: 41-49 

https://eje.bioscientifica.com/view/journals/eje/183/1/EJE-19-0968.xml

 

O rastreamento para retinopatia diabética já é estabelecido como forma de melhorar desfechos e tem indicações claras na população. Entretanto, a disponibilidade de médicos especializados para avaliação de retinografias é limitada. Para tentar diminuir o desequilíbrio entre oferta e demanda, algoritmos de inteligência artificial foram desenvolvidos para avaliação de retinografias, buscando definir quais pacientes necessitariam de priorização por parte do oftalmologista. Tais algoritmos possuem performance variável de avaliação e algum grau de heterogeneidade. No artigo apresentado, os autores realizam uma revisão sistemática da literatura com meta-análise da performance diagnóstica de diferentes tipos de algoritmos de redes neurais na detecção de retinopatia diabética. 

Foram incluídos artigos que utilizaram redes neurais como teste índice contra o reference standard de avaliação pelo oftalmologista, por foto de fundo de olho (retinografia), sem auxílio de prontuário, para detecção de retinopatia diabética não proliferativa moderada ou edema macular significativo. Valores de sensibilidade e especificidade de tais testes foram extraídos e apresentados em um gráfico de floresta, sendo posteriormente utilizados para traçar uma curva HSROC (hierarchical  summary receiver operating characteristics) pelo método de Rutter e Gatsonis. 

O resultado encontrado foi de uma sensibilidade e especificidade combinadas de 91,9% e 91,3%, com razões de verossimilhança de 10,5 (positiva) e 0,09 (negativa), sem encontrar diferenças estatísticas a respeito de resolução da imagem, tamanho de amostra do conjunto de treinamento, tipo de rede neural ou método de classificação da retinopatia. Pontos discutidos no clube incluíram:

  • Terminologia e metodologia de estudos diagnósticos;

  • Perspectivas do uso de ferramentas diagnósticas baseadas em inteligência artificial;

  • Possibilidades de subestimação de parâmetros de sensibilidade e especificidade por discordâncias entre o reconhecimento de padrões algorítmico e médico;

  • Necessidade de estudos prospectivos para avaliar se há melhora em desfechos clínicos quando ocorrerem tais discordâncias.

 

Pílula do Clube: este estudo observou um bom desempenho diagnóstico do uso de redes neurais para rastreamento de retinopatia diabética, com perspectivas interessantes para o futuro. Seguimento de pacientes a longo prazo é necessário para avaliar se há tradução desse melhor desempenho em desfechos clínicos.

 

Discutido no Clube de Revista de 13/09/2021.

Treatment of Subclinical Hypothyroidism or Hypothyroxinemia in Pregnancy

 B.M. Casey, E.A. Thom, A.M. Peaceman, M.W. Varner, Y. Sorokin, D.G. Hirtz, U.M. Reddy, R.J. Wapner, J.M. Thorp, Jr., G. Saade, A.T.N. Tita, D.J. Rouse, B. Sibai, J.D. Iams, B.M. Mercer, J. Tolosa, S.N. Caritis, and J.P. VanDorsten, for the Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development Maternal–Fetal Medicine Units Network*


N Engl J Med 2017, 376:815-825.

http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa1606205


Sabe-se que o hipotireoidismo clínico na gestação aumenta o risco de complicações como perda fetal, prematuridade, baixo peso ao nascer, hipertensão gestacional e até mesmo prejuízo neuro cognitivo na prole, quando não tratado. Muitos estudos observacionais antigos constataram associação entre estes eventos e o hipotireoidismo subclínico (TSH aumentado e T4 livre normal), o que ocasionou a prática de realizar reposição de levotiroxina também nessas gestantes. Com o objetivo de avaliar com metodologia mais robusta se o tratamento com levotiroxina do hipotireoidismo subclínico ou da hipotiroxinemia na gestação apresenta algum impacto no QI da prole aos 5 anos de idade, este artigo de 2017 apresentou dois ensaios clínicos randomizados (ECR) realizados em paralelo, multicêntricos, controlados por placebo e triplo cegados. 

O primeiro estudo incluiu 677 gestantes (com 8 a 20 semanas de idade gestacional) com Hipotireoidismo Subclínico (TSH > 4 mUi/L e T4 livre normal) e atingiu o ‘n’ esperado para o estudo, calculado em 670. O alvo esperado de TSH com o tratamento foi 0,1 – 2,5mU/L e a maioria das gestantes no grupo intervenção o atingiu antes de 21 semanas de idade gestacional. Para avaliação do desfecho primário (QI da prole) foram utilizadas escalas Wechsler Preschool and Primary Scale of Intelligence III (WPPSI-III) aos 5 anos e Differential Ability Scales–II (DAS) aos 3 anos. A média de QI das crianças com 5 anos foi 97 pontos no grupo intervenção vs. 94 pontos no grupo controle (P=0,3).  Não houve diferença significativa quanto aos desfechos secundários como atenção, comportamento, linguagem, desenvolvimento motor e psicológico avaliados por outras ferramentas, em diferentes períodos da infância, nem para os desfechos secundários gestacionais e neonatais (morte fetal, aborto, eclampsia, etc). Houve mais mortes até 3 anos de idade no grupo placebo (4 no grupo intervenção vs. 9 no grupo placebo), sendo a maioria perda fetal ou natimortos, mas essa diferença não foi significativa.

No segundo ensaio clínico, foram incluídas 526 gestantes (8 a 20 semanas de idade gestacional) com Hipotiroxinemia (T4L < 0,86 ng/dL e TSH normal). O ‘n’ calculado também foi atingido (500 pacientes) e os grupos intervenção e controle eram semelhantes em suas características basais. O alvo de T4L adotado com o tratamento foi de 0,86 a 1,9 ng/dL e a maioria das gestantes o atingiu antes de 21 semanas de idade gestacional. A mediana de QI das crianças com 5 anos (desfecho primário) foi igual nos dois grupos (94 vs. 94 pontos P=0,3). Também não houve diferença nos desfechos secundários cognitivos da prole (aspectos do desenvolvimento, cognição e comportamento avaliados por instrumentos validados) nem nos gestacionais e neonatais. Houve mais mortes até 3 anos de idade no grupo placebo (3 intervenção vs. 6 placebo), sendo a maioria perda fetal ou natimortos (2 intervenção vs. 5 placebo), novamente com ‘p’ não significativo. Em nenhum dos estudos houve aumento de efeitos adversos ao uso da medicação. Durante o Clube de Revista os seguintes pontos foram discutidos:

  • Ambos os ECR iniciaram o tratamento em idade gestacional levemente avançada (16 e 17 semanas), em comparação com estudos prévios. Uma vez que a tireoide fetal começa a produção hormonal nas primeiras 10-12 semanas, o tratamento poderia ser benéfico caso a randomização fosse mais precoce, mas os autores justificam que antes de 8 semanas de gestação o risco de aborto é maior e poderia prejudicar o N final;

  • A definição do status da função tireoidiana das participantes dos dois estudos foi feita com uma única dosagem de TSH e T4L, o que pode ser inadequado, já que 50% dos TSH discretamente elevados normalizam numa segunda avaliação;

  • Ambos os estudos apresentaram mais mortes no grupo placebo, sem significância estatística provavelmente por não ter sido desenhado para este desfecho.


Pílula do Clube: o tratamento do hipotireoidismo subclínico e da hipotiroxinemia com levotiroxina na gestação entre 8 e 20 semanas (especialmente quando o tratamento for iniciado no segundo trimestre) não traz melhores desfechos em relação ao QI da prole aos 5 anos de idade quando comparado ao placebo.


Rediscutido no Clube de Revista de 06/09/2021.

Screening for Vitamin D Deficiency in Adults Updated Evidence Report and Systematic Review for the US Preventive Services Task Force

Leila C. Kahwati, Erin LeBlanc, Rachel Palmieri Weber, Kayla Giger, Rachel Clark, Kara Suvada, Amy Guisinger, Meera Viswanathan.


JAMA 2021, 325(14):1443-1463.

https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2778488


A vitamina D desempenha funções na homeostase do cálcio, no metabolismo ósseo e em outras funções celulares regulatórias. Níveis séricos baixos de vitamina D têm sido associados a eventos clínicos adversos. Uma revisão prévia sobre o assunto foi realizada em 2014 com evidência insuficiente. Nesse contexto, esta revisão objetivou atualizar as recomendações de 2014 sobre a evidência quanto ao rastreamento para deficiência de vitamina D em pacientes adultos.

A busca pelos artigos foi realizada nas bases PubMed, Cochrane Library e EMBASE. Também foram avaliados os dados do ClinicalTrials.gov, Cochrane Register of Controlled Trials e da World Health Organization International Clinical Trials Registry Platform. Foram avaliados artigos em inglês, publicados de  1º de Janeiro de 2013 até 12 de Março de 2020. As análises dos títulos, resumos e textos completos foram realizadas utilizando critérios de inclusão previamente especificados incluindo ensaios clínicos randomizados, pacientes adultos e excluídas gestantes. Para estudos sobre danos de rastreamento ou danos de tratamento foram elegíveis também estudos não randomizados.  Foram descritas algumas “questões chave” a serem respondidas dentro de cada população. 

Foram incluídos 46 estudos (n=16.205). Nenhum estudo avaliou diretamente os benefícios e danos do rastreamento, inviabilizando a resposta das “questões chave” 1 e 2 que tratavam deste tema. Entre pacientes da comunidade, o tratamento não demonstrou associação significativa com mortalidade com diferença absoluta de risco de 0,3% (IC95% −0,6% a 1,1%) em 8 ECRs (n=2006), fraturas com diferença absoluta de risco de −0,3% (IC95% −2,1% a 1,6%) em 6 ECRs (n=2186), incidência de diabetes com diferença absoluta de risco de 0,1% (IC95% −1,3% a 1,6%) com 5 ECRs (n=3356), incidência de doença cardiovascular em 2 ECRs com hazard ratio (HR) de 1,00 (IC95% 0,74 a 1,35) e 1,09 (IC95% 0,68 a 1,76), incidência de câncer em 2 ECRs com HR de 0,97 (IC95% 0,68 a 1,39) e 1,01 (IC95% 0,65 a 1,58), ou depressão em 3 ECRs com diversas análises reportadas. A diferença absoluta de risco para incidência de novas quedas em pacientes com uma ou mais quedas foi de −4,3% (IC95% −11,6% a 2,9%) em 6 ECRs. A evidência foi considerada mista para efeito no tratamento do desempenho funcional com 2 ECRs e limitada para efeito em infecções em 1 ECR. A incidência de eventos adversos e cálculos renais foi similar entre o grupos de tratamento e controle. No Clube de Revista foram discutidos os seguintes pontos:

  • O estudo priorizou achados na população americana pelo fato de a USPSTF avaliar as condutas de prevenção nesta população;

  • A inclusão de pacientes institucionalizados foi prejudicial na análise dos dados considerando que a força de evidência utilizada pela USPSTF era com base em pacientes da comunidade;

  • Os benefícios e danos das diversas doses de vitamina D, formulações ou duração do tratamento não foi avaliado. Soma-se a isso, o fato de que os pacientes incluídos com base no nível sérico de vitamina D realizado por diversos ensaios não padronizados. 


Pílula do Clube: este estudo sugere que o tratamento com vitamina D em pacientes assintomáticos da comunidade com níveis séricos baixos não gera efeito na mortalidade ou incidência de fraturas, quedas, depressão, diabetes, doença cardiovascular, câncer ou eventos adversos.


Discutido no Clube de Revista de 30/08/2021.

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Once-weekly tirzepatide versus once-daily insulin degludec as add-on to metformin with or without SGLT2 inhibitors in patients with type 2 diabetes (SURPASS-3): a randomised, open-label, parallel-group, phase 3 trial

 Bernhard Ludvik, Francesco Giorgino, Esteban Jódar, Juan P Frias, Laura Fernández Landó, Katelyn Brown, Ross Bray, Ángel Rodríguez


Lancet 2021; 398: 583–98 Published Online August 6, 2021

https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(21)01443-4/fulltext


A tirzepatida é uma nova droga da classe dos agonistas da GLP-1. Esses agonistas já tem mostrado efeito em perda de peso e controle de hemoglobina glicada, esse último similar ou até melhor que a insulina. A tirzepatida já se mostrou superior a placebo e não-inferior a semaglutida (e nesse mesmo estudo, chegou a ser superior) nos estudos SURPASS 1 e 2, respectivamente. Ela não havia sido previamente comparada a insulina, um dado que pode auxiliar na tomada de decisão clínica sobre progressão do tratamento de diabetes melito (DM) para pacientes sem controle adequado com drogas VO.

Os pacientes elegíveis eram pacientes com DM tipo 2, que nunca haviam usado insulina, utilizando metformina ou metformina mais iSGLT2, com HB1Ac entre 7-10,5%, com IMC de no mínimo 25 e peso estável nos últimos 3 meses. Critérios de exclusão eram DM tipo 1, história de pancreatite, retinopatia diabética nã-proliferativa necessitando tratamento agudo ou DRC estágio III ou maior. Foi realizado um ensaio clínico randomizado de não-inferioridade, multicêntrico, paralelo, aberto que comparou tirzepatida, grupo intervenção, contra insulina degludeca. A tirzepatida poderia ter dose de 5,10 ou 15 mg. A randomização era realizada por sequencia aleatória por computador e era estratificada por Hb1Ac >8,5% e uso de metformina ou metformina mais iSGLT2. O desfecho primário era variação da Hb1AC em 52 semanas, com margem para não-inferioridade de 0,3%. Houve também análise para superioridade, considerando uma margem de 0,35% para superioridade. A análise do estudo, tanto para não-inferioridade quanto para superioridade, foi realizada por intenção de tratar. A descrição dos resultados se deu por diferença estimada do tratamento (estimated treatment difference - ETD).

Foram randomizados 1.444 pacientes, com 1.437 recebendo pelo menos 1 dose da intervenção e 1.325 completando o estudo. A amostra apresentava 90% de brancos, com tempo médio de diabetes de 8,5 anos e um terço utilizando metformina mais iSGLT2 e os outros dois terços utilizando somente metformina. Houve uma redução da Hb1AC basal após 52 semanas de tratamento de 1,93%, 2,2% e 2,37% nos grupos de tirzepatida de 5, 10 e 15 mg, respectivamente, comparado a uma redução de 1,34% no grupo da insulina. As 3 doses de tirzepatida atingiram valores de hemoglobina glicada abaixo de 6,5%. Quando comparados com insulina, todos foram superiores, porém com pouca diferença entre si. Não foi apresentada comparação estatística das doses entre si. Em análise de desfechos secundários, a insulina mostrou um ganho médio de 2,3kg, enquanto a tirzepatida mostrou uma perda de peso média de -7,5-12,9 kg no fim das 52 semanas, ao comparar as duas drogas com o ETD, o achado foi -9,8 a -15,2, com P<0,0001. Naturalmente, seguindo a linha da perda de peso, houve também redução de IMC e circunferencia abdominal no grupo da tirzepatida.

Os efeitos adversos foram a causa mais comum de desistencia de tratamento no grupo da tirzepatida, enquanto no grupo da insulina a razão mais comum para não completar o estudo foi desistência do paciente. O efeito colateral mais comum do agonista da GLP-1 foi intolerância gastrointestinal, principalmente náuseas e diarreia. Esses sintomas eram mais comuns quanto maior a dose da medicação. No grupo da insulina, 50% apresentou pelo menos 1 episódio de hipoglicemia, porém apenas 26 pacientes apresentaram hipoglicemia grave (abaixo de 54mg/dL) e apesar da prevalencia de efeitos adversos, menos de 1% dos pacientes descontinuaram o tratamento por causa deles, enquanto 7%, 10% e 11% descontinuaram tratamento nos grupos de 5, 10 e 15 mg da tirzepatida por efeitos adversos, respectivamente. Principais pontos discutidos no Clube:

  • Mesmo a dose mais baixa, 5 mg, de tirzepatida chegou a níveis baixos de Hb1AC e excelentes resultados de perda de peso, com melhor perfil de efeitos adversos. Por isso, parece haver poucos argumentos para as doses maiores, com base nesse estudo;

  • O fato dos agonistas de GLP-1 conseguirem atingir consistentemente alvos baixos de Hb1AC sem risco de hipoglicemia é um achado muito importante e pode influenciar a sua utilização na prática clínica, visto a prevalencia de hipoglicemia ser um dos grandes limitadores da Insulina para alvos baixos de Hb1AC;

  • Além disso, ser associado a perda de peso é um importante diferencial para controle de outros fatores de riscos.


Pílula do Clube: A tirzepatida em comparação com a insulina degludeca levou melhor controle de Hb1AC sem o risco de hipoglicemia e ainda com perda de peso.


Discutido no Clube de 23/08/2021.

Once-daily, subcutaneous vosoritide therapy in children with achondroplasia: a randomised, double-blind, phase 3, placebo-controlled, multicentre trial

 Ravi Savarirayan, Louise Tofts, Melita Irving, William Wilcox, Carlos A Bacino, Julie Hoover-Fong, Rosendo Ullot Font, Paul Harmatz, Frank Rutsch, Michael B Bober, Lynda E Polgreen, Ignacio Ginebreda, Klaus Mohnike, Joel Charrow, Daniel Hoernschemeyer, Keiichi Ozono, Yasemin Alanay, Paul Arundel, Shoji Kagami, Natsuo Yasui, Klane K White, Howard M Saal, Antonio Leiva-Gea, Felipe Luna-González, Hiroshi Mochizuki, Donald Basel, Dania M Porco, Kala Jayaram, Elena Fisheleva, Alice Huntsman-Labed, Jonathan Day


Lancet 2020, 396(10252):684-692.

https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(20)31541-5/fulltext


A acondroplasia é uma displasia esquelética primária causada por mutação ativadora do gene FGF-R3, sem tratamento específico, mas para a qual tem sido usada a somatropina com resultados pobres. Este estudo avalia o vosoritide, análogo biológico do peptídeo C natriurético, com capacidade de restaurar e aumentar o crescimento de ossos longos e craniofacial, por meio de uma proteína quinase ativada por mitogênio. Trata-se de estudo multicêntrico de fase III, randomizado, duplo-cego, placebo-controlado e multicêntrico, comparando vosoritide subcutâneo diário (15mcg/Kg/dia) vs. placebo em crianças com acondroplasia por 52 semanas. Foram incluídas crianças de 5 a 18 anos de idade com diagnóstico clínico e molecular de acondroplasia, que tinham acompanhamento pré-clínico de pelo menos 6 meses com medida de altura de pé. Criancas com placas de crescimento fechadas (RX), cirurgia óssea planejada, apnéia do sono grave não tratada e outras condições que afetam o crescimento foram excluídas. A randomização foi de 1:1, e foi feita estratificação por sexo e estágio de Tanner. Depois que os pacientes mostraram tolerar o vosoritide ou placebo e os critérios especificados foram atendidos, cuidadores treinados foram autorizados a administrá-los em casa. As visitas foram realizadas na triagem; dias 1, 2, 3 e 10; semana 6; meses 3, 6, 9 e 12. Os pacientes fizeram avaliação clínica médica completa, com medida de sinais vitais e antropometria. As medicações foram fornecidas pelo financiador BioMarin. O desfecho primário foi a alteração da velocidade de crescimento (VC) da linha de base em relação à semana 52 em pacientes que receberam vosoritide vs. placebo. O desfecho secundário foi a mudança da linha de base do score Z de altura  e da proporção corporal do segmento superior para inferior (SS/SI). Também foram avaliados segurança e tolerabilidade, farmacocinética e imunogenicidade, mudança da linha de base nos marcadores de metabolismo ósseo, incluindo marcador de colágeno sérico tipo X (um biomarcador de ossificação endocondral). Como pontos finais exploratórios se avaliou a mudança da linha de base nas proporções corporais das extremidades e avaliação do efeito do vosoritide na qualidade óssea. Avaliação das mudanças na qualidade de vida relacionada à saúde e avaliação de possíveis mudanças na independência funcional foram alteradas para desfechos secundários durante o ensaio por meio de emenda ao protocolo (em 01/02/2019), devido à sua potencial importância clínica e feedback das autoridades de saúde. Foi feita avaliação dos danos com medida da incidência de eventos adversos, resultados de testes laboratoriais, sinais vitais, exame físico, eletrocardiograma, ecocardiograma, avaliação clínica do quadril e respostas de imunogenicidade antivosoritide. Foram realizados exames de imagem com medidas da coluna e ossos longos dos braços e pernas, juntamente com dados relativos à placa de crescimento, densidade mineral óssea (DMO) e idade óssea (IO). O n calculado foi de 110, para detectar diferença de 1,75cm/ano entre os grupos na mudança da linha de base da VC é de  aproximadamente 90%, assumindo que o desvio padrão (DP) na mudança da linha de base da VC é 2,80. Foi utilizado teste t, nível de significância de 0,05 e a análise foi por intenção de tratar. Os participantes foram recrutados entre 12/12/2016 a 07/11/ 2018, 121 pacientes foram avaliados como elegíveis, 64 meninos, 60 receberam vosoritide e 61 receberam placebo. As características da linha de base foram semelhantes entre os grupos. Após a conclusão do estudo (dez 2019), 119 crianças foram inscritas no estudo de extensão, no qual todos os participantes estão recebendo vosoritide. Durante o estudo de 52 semanas, dois pacientes do grupo vosoritide descontinuaram, um após 2 dias devido à dor das injeções e um após 6 dias devido ao medo de agulhas.

Após 52 semanas de tratamento, houve aumento na VC em pacientes tratados com vosoritide de 1,57cm/ano. A alteração média dos quadrados mínimos da linha de base que ajustou as diferenças da linha de base entre os grupos tratados e placebo representou uma alteração de 1,11cm/ano na VC da linha de base do grupo tratado versus 0,13cm/ano para o placebo. As concentrações séricas do marcador de colágeno tipo X, foram elevadas ao longo de 52 semanas em pacientes tratados com vosoritide. A IO progrediu normalmente em ambos os braços do estudo e a DXA não mostrou alterações no conteúdo mineral ósseo ou DMO durante o período nos grupos. Para o escore Z da altura a diferença média de quadrados mínimos entre vosoritide e placebo na semana 52 foi +0,28 a favor do vosoritide. Não houve diferença entre os grupos para alteração da SS/SI e nas proporções das extremidades corporais (incluindo membro inferior, membro superior e envergadura do braço), além de alteração na qualidade de vida relacionada à saúde ou independência funcional. A maioria dos eventos adversos foram leves, sendo as reações locais as mais comuns, porém transitórias. Não houve reações de hipersensibilidade acima de grau 3 ou anafilaxia. Nenhuma alteração cardiovascular clinicamente significativa foi observada e todas as alterações na pressão arterial foram assintomáticos, exceto por um paciente tratado com vosoritide, que teve um único evento hipotensivo sintomático associado a sentar-se repentinamente antes de uma coleta de sangue, que foi transitório e resolvido sem intervenção médica. Um total de nove eventos adversos graves foram relatados em sete pacientes, nenhum destes foi considerado pelo investigador como relacionado ao medicamento em estudo e nenhuma morte ocorreu. Os títulos séricos de anticorpos antidrogas totais foram detectados em 42% dos pacientes em uma ou mais visitas. Os títulos de anticorpos antidrogas totais no soro foram positivos em uma única visita (n = 8) ou em duas ou mais visitas (n = 17) durante o estudo. Nenhum anticorpo neutralizante foi detectado em nenhum paciente. Não houve associação entre a presença de anticorpos antidrogas totais e mudança na VC, frequência ou gravidade das reações de hipersensibilidade ou no local da injeção. No Clube foram discutidos os seguintes pontos:

  • Houve aumento na VC e no score Z de altura após 52 semanas de tratamento com vosoritide e a ausência eventos adversos na maturação óssea ou SS/SI reforça a previsão de que períodos mais longos de tratamento podem resultar em efeitos duráveis ​​e proporcionais no crescimento do esqueleto, levando ao aumento da altura final;

  • No tempo proposto pelo estudo não é possível avaliar o efeitos relacionados com a funcionalidade, qualidade de vida e atividades da vida diária em pessoas com acondroplasia;

  • Ainda não se sabe se o tratamento irá melhorar as complicações médicas associadas à acondroplasia e diminuir a necessidade de intervenções cirúrgicas;

  • Não houve efeitos adversos ou melhorias significativas na SS/SI, o que se questiona se períodos de tratamento mais longos ou o início do tratamento mais cedo podem ser necessários para detectar essas alterações;


Pílula do Clube: A administração SC diária de vosoritide em crianças com acondroplasia resultou em aumento significativo da VC e do score Z de altura sem eventos adversos importantes. O vosoritide foi bem tolerado e os efeitos vasculares que ocorreram foram leves e autolimitados.


Discutido no Clube de Revista de 16/08/2021.

Associations between statins and adverse events in primary prevention of cardiovascular disease: systematic review with pairwise, network, and dose-response meta-analyses

 Ting Cai, Lucy Abel, Oliver Langford, Genevieve Monaghan, Jeffrey K Aronson, Richard J Stevens, Sarah Lay-Flurrie, Constantinos Koshiaris, Richard J McManus, F D Richard Hobbs, James P Sheppard


BMJ 2021, Jul 14;374:n1537.

https://www.bmj.com/content/374/bmj.n1537.long


Embora estatinas sejam eficazes na redução do risco de doenças cardiovasculares e portanto recomendadas como primeira linha na sua prevenção dessas, são vários os eventos adversos relatados com seu uso clínico, incluindo problemas musculares, disfunção hepática, insuficiência renal, diabetes e condições oculares.  Diretrizes recentes recomendaram o uso mais amplo de estatinas na prevenção primária de doenças cardiovasculares, levando a maior número de pessoas de baixo risco para doença cardiovascular elegíveis para tratamento e expostas aos efeitos adversos. Esta é uma revisão sistemática (RS) de ensaios clínicos randomizados (ECR) em adultos sem história de doença cardiovascular, com o objetivo de quantificar as associações entre estatinas e eventos adversos, e examinar como eles variam por tipo e dosagem de estatina para poder informar melhor sobre o uso de estatinas em prevenção primária de doenças cardiovasculares. Para maximizar a eficiência da pesquisa, primeiro se identificaram seis revisões sistemáticas de ECR de tratamento com estatinas; para complementar a pesquisa e identificar estudos mais recentes, se pesquisou em PubMed/Medline, Embase e Cochrane estudos publicados de 2013 a 2020.

Os estudos elegíveis eram ECR em adultos, sem doenças cardiovasculares prévia que compararam estatinas com controles sem estatina (placebo, cuidado usual ou sem tratamento) ou diferentes tipos ou dosagens de estatinas e relataram pelo menos um desfecho de interesse. Os tratamentos com estatinas eram monoterapia, tratamento complementar aos cuidados habituais ou tratamentos não medicamentosos (por exemplo, dieta ou exercício). Estudos onde 70% ou mais dos participantes não tinham histórico de doença cardiovascular foram considerados elegíveis para evitar a exclusão de grandes estudos. Para evitar a inclusão de estudos de fase precoce para pesquisa mecanística, foram excluídos aqueles com menos de 100 participantes ou duração menor que 4 semanas. Dois revisores selecionaram os estudos elegíveis independentemente e as discrepâncias foram resolvidas por consenso.

Desfechos primários foram eventos adversos relatados na prática clínica ou presentes em grandes estudos recentes: problemas musculares, disfunção hepática, insuficiência renal, diabetes e doenças oculares. Para resolver as definições inconsistentes de problemas musculares e distinguir sua importância clínica, se classificou como sintomas musculares auto relatados (SMA) e distúrbios musculares clinicamente confirmados (DMC), e se examinou esses dois resultados separadamente. SMA incluíram mialgia (dor muscular), fraqueza muscular e outros desconfortos musculares não especificados, sem aumento substancial na creatina-quinase (CK). DMC incluíram aumento na CK em mais de 10 vezes o limite superior do normal e o diagnóstico de miopatia ou rabdomiólise, conforme definido nos estudos originais. A disfunção hepática incluiu o aumento na concentração de enzimas hepáticas (TGO e TGP) em mais de três vezes o limite superior e outras doenças hepáticas diagnosticadas. Insuficiência renal (IR) incluiu qualquer declínio na função renal, proteinúria, e outros distúrbios renais. Diabetes tipo 2 e condições oculares foram definidos como nos estudos originais. Para comparar os potenciais danos com os benefícios de estatinas na mesma população, também foram extraídos dados sobre três eventos cardiovasculares como desfechos secundários de eficácia: infarto do miocárdio (IAM), acidente vascular cerebral (AVC) e morte por doença cardiovascular.

Uma meta-análise pareada foi conduzida para comparar estatinas com controles sem estatina para cada desfecho primário e secundário. Para comparar as diferenças de risco absoluto para desfechos de segurança e eficácia, as taxas de eventos derivadas de diferentes durações de estudos foram transformadas em incidências anuais comparáveis. A robustez dos resultados combinados foi inspecionada por análise de influência ao “deixar-um-de-fora”. Foi feita uma meta-análise em rede para comparar os efeitos adversos de diferentes tipos de estatinas e controles sem estatinas. 62 estudos foram incluídos, com 120.456 participantes, acompanhados por uma média de 3,9 anos. A idade média era 61 anos e 40% eram mulheres. A maioria dos estudos tem participantes com dislipidemia, e as comorbidades comuns eram diabetes (11 estudos), aterosclerose assintomática (9 estudos) e hipertensão (4 estudos). Vinte estudos incluíram alguns participantes com doença cardiovascular prévia, compreendendo 6% (7673 participantes) do total dos participantes. Sete tipos de estatinas foram avaliados: atorvastatina (29 estudos), fluvastatina (2 estudos), lovastatina (5 estudos), pitavastatina (9 estudos), pravastatina (21 estudos), rosuvastatina (18 estudos), e sinvastatina (9 estudos). O evento adverso mais comum foi DMC (42 estudos), seguido por SMA (40 estudos) e disfunção hepática (38 estudos). Insuficiência renal, diabetes e doenças oculares foram relatadas em menos estudos (16,10 e 6 estudos, respectivamente). As estatinas foram associadas a um risco ligeiramente aumentado de sintomas musculares autorreferidos [21 estudos, OR 1,06 (IC 95% 1,01 a 1,13)], principalmente mialgia (16 estudos). Não foram encontradas associações entre estatinas e distúrbios musculares clinicamente confirmados. As análises de influência mostraram que a associação entre estatinas e sintomas musculares foi amplamente determinada pelo ensaio duplo cego, controlado por placebo HOPE-3. As estatinas aumentaram o risco de disfunção hepática (21 estudos, OR 1,33, IC 95% 1,12 a 1,58, I2 = 0%), que foi definido como aumento da concentração sérica das enzimas hepáticas. Elas também foram associadas a insuficiência renal (8 estudos, OR 1,14 (1,01 a 1,28); I2 = 0%, que incluiu a presença de proteinúria (4 estudos) e distúrbios renais não especificados (4 estudos); e a condições oculares (6 estudos, OR1,23 (1,04 a 1,47); I2 = 0%, que incluiu catarata (1 estudo) e distúrbios oculares não especificados (5 estudos). As análises de influência mostraram que a associação com insuficiência renal foi determinada pelo JUPITER, que examinou “distúrbios renais não especificados”; e a associação com o condições oculares foi determinada pelo ensaio HOPE-3, que avaliou catarata. Para desfechos secundários de eficácia, as estatinas reduziram os riscos de IM [22 estudos, OR 0,72 (0,66 a 0,78), I2 = 33%], AVC [17 estudos, OR 0,80 (0,72 a 0,89); I2 = 20%], e morte por doença cardiovascular [22 estudos, OR 0,83 (0,76 a 0,91); I2 = 27%]. As análises de influência sugeriram uma maior redução do risco para IM e morte por doenças cardiovasculares quando o estudo ALLHAT-LLT foi excluído. 

As estatinas induzem 15 eventos de sintomas musculares, 8 de  disfunção hepática, 12 de insuficiência renal, e 14 de doenças oculares por 10.000 pacientes tratados por um ano. Em contraste, previnem 19 IM, 9 AVC e 8 mortes por doenças cardiovasculares por 10.000 pacientes tratados por um ano. Todos os 62 estudos foram incluídos nas meta-análises de dose-resposta. Uma relação significativa foi detectada apenas para o efeito da atorvastatina na disfunção hepática, com um efeito máximo que dobrou o risco de disfunção hepática com controles sem estatina (OR max 2,03 [1,03 a 12,64]).  Nenhuma outra relação dose resposta foi detectada. Portanto, as estatinas foram associadas à disfunção hepática, insuficiência renal e condições oculares, mas não foram associadas ao diabetes. Porém, o aumento absoluto de risco desses eventos adversos foi pequeno e não comparável (numericamente ou clinicamente) com a redução do risco de eventos cardiovasculares graves alcançados pelo tratamento com estatinas. Pontos discutidos no Clube de Revista:

  • O delineamento do estudo (meta-análise de ECR) configura um ponto forte, assim como o grande N total de participantes;

  • Outra vantagem deste estudo foi a definição que diferenciou queixas musculares auto-relatadas de miopatia clinicamente confirmada;

  • Muitos dos ECR não tinham poder para detectar diferença de eventos adversos entre os grupos (N pequeno);

  • Pode ter sido subestimada a incidência de eventos adversos também porque 27 dos 62 estudos tinham menos de 6 meses de seguimento;


Pílula do Clube: Quando comparados os benefícios do uso de estatinas em prevenção primária com o seu risco de eventos adversos, os primeiros parecem ser de maior magnitude e importância, levando a um balanço de benefício vs. risco favorável ao uso de estatinas em prevenção primária.


Discutido no Clube de Revista de 09/08/2021.

Association of Cycling With All-Cause and Cardiovascular Disease Mortality Among Persons With Diabetes: The European Prospective Investigation Into Cancer and Nutrition (EPIC) Study

 Ried-Larsen M, Rasmussen MG, Blond K, Overvad TF, Overvad K, Steindorf K, Katzke V, Andersen JLM, Petersen KEN, Aune D, Tsilidis KK, Heath AK, Papier K, Panico S, Masala G, Pala V, Weiderpass E, Freisling H, Bergmann MM, Verschuren WMM, Zamora-Ros R, Colorado-Yohar SM, Spijkerman AMW, Schulze MB, Ardanaz EMA, Andersen LB, Wareham N, Brage S, Grøntved A.


JAMA Intern Med. 2021;181(9)

https://jamanetwork.com/journals/jamainternalmedicine/fullarticle/2782014


Atividade física regular é parte integrante do tratamento do diabetes tipo 2 (DM2). O ciclismo é uma atividade potencial para substituir o transporte motorizado para viagens de curta e média distância, existindo descrição de associação inversa entre ciclismo e risco de mortalidade por todas as causas e causas específicas, como DCV, na população em geral, o que não é conhecido no diabetes.

Trata-se de estudo de coorte de pessoas com DM2 (do estudo EPIC) em 23 centros de 10 países da Europa cujo objetivo primário foi investigar as associações entre ciclismo e mortalidade por todas as causas e DCV e o objetivo secundário avaliar as associações entre as mudança no ciclismo ao longo de um período de 5 anos e mortalidade por todas as causas e por DCV. Foram avaliadas medidas antropométricas, avaliação da ingesta alimentar, consumo de álcool e hábitos de atividade física através  de questionário de estilo de vida, além de serem incluídas informações sobre a duração e a frequência do lazer e  atividade física ocupacional. O tempo semanal gasto andando de bicicleta para o trabalho e/ou lazer durante o inverno e o verão foi calculado como tempo total de ciclismo anual e categorizado (0; 1-59; 60-149; 150-299 e > 300 min/sem). Também foi avaliada a mudança do ato de pedalar do baseline para o segundo exame com base no tempo total gasto no ciclismo nas duas avaliações, categorizando em: (1) não ciclismo (2) parou de pedalar; (3) começou a pedalar; (4) ciclismo mantido. O gasto de energia LTPA (atividades de lazer sem ciclismo incluído) foi avaliado como equivalente metabólico de tarefas em horas por semana (MET-h/wk) e calculado em ambas as avaliações como a soma dos gastos de energia das atividades jardinagem, subir escadas, atividades domésticas, caminhadas e esportes. 

A análise estatística calculou os riscos de todas as causas e mortalidade por DCV como taxas de risco (HRs) com ICs de 95% de acordo com o tempo semanal gasto pedalando na linha de base estimado e posteriormente ajustado para sexo e idade (anos) e por centro de estudo para ajustar para confusão desta variável. Outros ajustes: nível educacional, tabagismo, duração do diabetes, adesão à dieta mediterrânea, ingestão total de energia (quartis de kcal/d), atividade física excluindo ciclismo (quartis de gasto de energia LTPA) e atividade física ocupacional, história de acidente vascular cerebral prevalente, infarto do miocárdio prévio, câncer, hipertensão, hiperlipidemia e obesidade central. Na análise secundária para avaliação da associações entre mortalidade por todas as causas e por DCV e mudança no ciclismo da linha de base e em 5 anos, as associações foram ajustadas para sexo e idade no segundo exame e estratificadas por centro de estudo. Um modelo multivariável foi ajustado adicionalmente para o nível educacional no início do estudo, o status de tabagismo em ambos os exames, a duração do diabetes no momento do segundo exame e gasto de energia LTPA em ambos os exames. 

Dos 492.763 participantes inscritos na coorte EPIC, a amostra analítica final foi composta por 7.459 participantes, dos quais 4.701 (63,0%)  tinham DM2 e 4.699 (63,0%) não eram ciclistas. Na amostra, a idade média (DP) foi de 55,9 (7,7) anos, a duração média (DP) do diabetes foi de 7,7 (8,1) anos e 3.924 (52,6%) eram do sexo feminino. Os participantes foram acompanhados por uma média (DP) de 14,9 (4,4) anos (110.944 pessoas-ano) com 1.673 mortes por todas as causas e 811 mortes atribuíveis a DCV. Um subconjunto de participantes (n=5.423) também completou o segundo exame e foi incluído na análise secundária que avaliou a mudança no ciclismo em 5 anos. Essa análise teve média (DP) de 10,7 (4,3) anos de seguimento, acumulando um total de 57.802 pessoas-ano com 975 óbitos por todas as causas e 429 por DCV. O HR para mortalidade por todas as causas foi menor para pessoas que relataram qualquer ciclismo (> 0 min/sem) quando comparado com não ciclistas. Andar de bicicleta também foi associado a risco reduzido de mortalidade por DCV. O ajuste para nível educacional, fatores de risco de estilo de vida e duração do diabetes não alterou a associação entre ciclismo e mortalidade por todas as causas. A diferença de risco de mortalidade cumulativa de 10 anos em relação a 0 min/sem de ciclismo para categorias ascendentes de ciclismo (1-59, 60-149, 150-299 e ≥300 min/sem) foram −1,9%, −2,0%, - 2,7% e -2,1% para mortalidade por todas as causas e -1,2%, -1,2%, -2,2% e -1,0% para mortalidade por DCV, respectivamente. A categoria mais baixa de ciclismo teve, consistentemente, a mortalidade cumulativa mais alta, mas a relação dose-resposta não permaneceu linear quando o ciclismo aumentou de 150-299 para  > 300 min/sem, havendo maior mortalidade. Os HRs para mortalidade por todas as causas foram 0,93 (IC95%, 0,72-1,19), 0,66 (IC95%, 0,45-0,95) e 0,64 (IC95%, 0,51-0,80) para pessoas que pararam, iniciaram ou mantiveram o ciclismo, respectivamente, em comparação com não ciclistas), e os HRs correspondentes para mortalidade por DCV foram 1,08 (IC95%, 0,77-1,51), 0,56 (IC95%, 0,31-0,99) e 0,54 (IC95%, 0,39-0,75). A relação dose-resposta com o ciclismo basal como uma variável contínua para mortalidade por todas as causas e mortalidade por DCV foi modelada post hoc para comparação com o gasto de energia LTPA, o que revelou associação em J invertida entre ambos os resultados e ciclismo, e associação linear para LTPA. No Clube, alguns pontos foram discutidos:

  • O fato da intensidade do ciclismo não ter sido avaliada e sim haver o pressuposto a partir de dados prévios é um ponto fraco do estudo, principalmente por ser multicêntrico, que envolveu populações de diferentes culturas, países com diferentes geografias e clima;

  • A coorte incluiu diversos países europeus e embora tenha sido corrigido para centros de estudo, não há como definir se o clima da região não contribuiu ou prejudicou a prevalência e o tempo de ciclismo em cada população;

  • A estrutura do país ou região para o ciclismo não foi avaliada. Condições propícias para a pedalada afetam a prevalência da atividade pelo risco de pedalar em áreas urbanas sem estrutura adequada , bem como a intensidade que se alcança durante o exercício;

  • Da mesma maneira, a geografia da região não foi avaliada e bem diferenciada. Uma geografia montanhosa pode aumentar a intensidade do exercício, tornando-o de moderada a alta intensidade. Já regiões planas, pelo contrário, podem transformar o ciclismo em uma modalidade de leve intensidade; 

  • A relação dose-resposta ambígua, não linear,  também gerou dúvidas em relação ao tempo e intensidades de pedalada efetiva para diminuição da mortalidade;

  • Um ponto forte do estudo é que ele diferenciou bem as atividades que geraram gasto de energia excluindo o ciclismo (LTPA), demonstrando que o indivíduo mais ativo tem menor mortalidade geral e por causa cardiovascular, com associação linear. 


Pílula do Clube: O tempo gasto no ciclismo foi associado a menor risco de mortalidade por todas as causas e por DCV em pessoas com diabetes, independente de outras atividades físicas e outros fatores de confusão avaliados. No entanto, as relações dose-resposta não foram lineares, mostrando a necessidade de mais estudos prospectivos com maior detalhamento para melhor evidência do tempo e intensidade ideal. 


Discutido no Clube de Revista de 02/08/2021.

Semaglutide and Cardiovascular Outcomes in Obesity without Diabetes

  A. Michael Lincoff, Kirstine Brown‐Frandsen, Helen M. Colhoun, John Deanfield, Scott S. Emerson, Sille Esbjerg, Søren Hardt‐Lindberg, G. K...