sexta-feira, 29 de março de 2024

Semaglutide and Cardiovascular Outcomes in Obesity without Diabetes

 A. Michael Lincoff, Kirstine Brown‐Frandsen, Helen M. Colhoun, John Deanfield, Scott S. Emerson, Sille Esbjerg, Søren Hardt‐Lindberg, G. Kees Hovingh, Steven E. Kahn, Robert F. Kushner, Ildiko Lingvay, Tugce K. Oral, Marie M. Michelsen, Jorge Plutzky, Christoffer W. Tornøe, and Donna H. Ryan, for the SELECT Trial Investigators*


N Engl J Med 2023, 389(24):2221-2232.

https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2307563 


A obesidade é um importante fator de risco para mortalidade cardiovascular. Estima-se que em 2035 mais da metade da população mundial terá sobrepeso ou obesidade. Adicionalmente, estimativas apontam que em 2015 a obesidade esteve associada a 4 milhões de mortes globalmente e cerca de dois terços destas foram causadas por doença cardiovascular. O aumento do risco cardiovascular na obesidade está associado ao aumento de dislipidemia, hipertensão e diabetes nessa população. 

Apesar do grande número de evidências mostrando que o tratamento da dislipidemia, do diabetes e da hipertensão podem reduzir o risco cardiovascular, o mesmo não ocorre com tratamentos farmacológicos ou de mudança do estilo de vida para obesidade. Ademais, algumas medicações como anfetaminas podem aumentar o risco cardiovascular em pacientes de alto risco. Adicionalmente, os análogos do GLP-1 já demonstraram reduzir eventos cardiovasculares maiores (MACE), mortalidade cardiovascular, infarto e AVC fatal e não fata em pacientes com diabetes e obesidade.

Nesse contexto, o estudo SELECT teve o objetivo de avaliar se a adição de semaglutida ao tratamento padrão será superior ao placebo em reduzir o risco de eventos cardiovasculares maiores em pacientes com sobrepeso ou obesidade e doença cardiovascular preexistente e sem diabetes.

Este foi um estudo randomizado na proporção de 1:1 (semaglutida 2,4 mg semanal vs. placebo), duplo cego, controlado por placebo, multicêntrico (804 centros em 41 países), de superioridade e patrocinado pela indústria farmacêutica (Novo Nordisk). Foram incluídos pacientes ≥ 45 anos, com IMC ≥ 27 kg/m2 e com doença cardiovascular estabelecida, definida por história prévia de infarto do miocárdio (IAM), acidente vascular cerebral (AVC) ou doença arterial periférica sintomática (claudicação intermitente com ITB < 0,85 ou revascularização periférica ou amputação por doença aterosclerótica). Os principais critérios de exclusão foram: diabetes, uso de aGLP-1 ≤ 90 dias, NYHA IV, DRC estágio terminal ou em diálise, intervalo inferior a 60 dias de um evento cardiovascular ou cerebrovascular e plano de revascularização periférica, carotídea ou coronariana. 

O desfecho primário foi MACE (composto por IAM não fatal, AVC não fatal ou morte por causa cardiovascular) e foi avaliado através do tempo até a ocorrência do primeiro evento. Os desfechos secundários foram avaliados de forma hierárquica para controle de erro tipo 1 e também através do tempo até a ocorrência do primeiro evento. Os desfechos secundários foram: morte por causa cardiovascular, um desfecho composto para insuficiência cardíaca (morte cardiovascular, hospitalização, visita médica urgente por insuficiência cardíaca), e morte por todas as causas. 

O tamanho amostral foi calculado em 1225 eventos para atingir um poder de 90% para detectar uma redução do risco relativo de 17% para o desfecho primário (HR 0,83), com um nível de significância mono-caudal de 0,025. Foi determinado que seriam necessários 17500 pacientes assumindo a taxa de evento para o desfecho primário de 2,2% por ano no grupo placebo, duração de 59 meses e perda de seguimento de 1% por ano nos dois grupos. A análise foi por intenção de tratar. 

Entre 2018 e 2021, 8803 participantes foram randomizados para o grupo semaglutida e 8801 para o grupo placebo. Os participantes não diferiram quanto a idade (61,6±8,9 anos), sexo (maioria homens), etnia (maioria brancos), IMC ou fatores de risco cardiovasculares. Grande parte dos participantes possuía pré-diabetes e 70% tinham obesidade, sendo a média de IMC de 33,3 kg/m2. Os níveis de LDL era 78 em ambos os grupos e a pressão arterial sistólica era aproximadamente 131 mmHg.

O desfecho primário, ocorreu em 569 (6,5%) participantes no grupo Semaglutida e 701 (8%) no grupo placebo, com um hazard ratio de 0,80 (IC95% 0,72 a 0,9; P<0,001). Quanto aos desfechos secundários, embora o numero de mortes por causa cardiovascular tenha sido maior no grupo placebo, o nível de significância para a análise hierárquica não foi atingido, e assim não foi realizada análise de superioridade para os demais desfechos secundários. A média de perda de peso na semana 104 foi de -9,39% no grupo Semaglutida e -0,88% no grupo placebo. Houve maior redução da pressão sistólica e do colesterol LDL no grupo Semaglutida. Os principais efeitos adversos que levaram a descontinuação da medicação foram gastrointestinais e ocorreu com maior frequência no grupo Semaglutida. Não houve diferença quanto a eventos adversos de interesse especial como câncer, falência renal e pancreatite aguda. O grupo semaglutida teve uma maior frequência de eventos adversos relacionados a vesícula biliar. Principais pontos discutidos no Clube:

  • Este é um estudo de alta qualidade metodológica que trouxe um resultado de grande importância clinica;

  • Um dos pontos discutidos foi a respeito do mecanismo pelo qual a semaglutida pode reduzir o risco cardiovascular. Sabemos que a grande perda de peso no grupo ativo também reduziu outros fatores de risco como circunferência abdominal, pressão, glicemia e dislipidemia, o que poderia ser responsável pela redução do risco cardíaco. Mas adicionalmente alguns estudos também demonstram que análogos do GLP-1 estão associados a redução de marcadores inflamatórios, o que poderia melhorar a disfunção endotelial e consequentemente a agregação plaquetária, o que poderia ter algum grau de participação na redução do risco;

  • Algumas limitações discutidas envolveram a menor representatividade de pacientes do sexo feminino e de pretos e pardos na população em estudo, bem como a limitação destes resultados para pacientes com doença cardiovascular preexistente. 


Pílula do Clube: Em pacientes com IMC ≥ 27 kg/m2 e doença cardiovascular sem diabetes, a semaglutida reduziu o risco do desfecho composto por morte por causa cardiovascular, infarto não fatal e AVC não fatal em 20%. Ainda que não seja possível diferenciar os efeitos específicos do medicamento vs. da perda de peso per se, este é o primeiro estudo que demonstra a redução de risco cardiovascular em pacientes com sobrepeso ou obesidade com um tratamento farmacológico.


Discutido no Clube de Revista de 27/11/2023.

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