sexta-feira, 30 de julho de 2021

Association Between Drug Treatments for Patients With Osteoporosis and Overall Mortality Rates A Meta-analysis

 Steven R. Cummings, Li-Yung Lui, Richard Eastell, Isabel E. Allen.


JAMA Intern Med 2019 Nov 1;179(11):1491-1500

https://jamanetwork.com/journals/jamainternalmedicine/fullarticle/2747869 

 

 

A osteoporose é uma doença que cursa com aumento de fraturas e o tratamento da condição visa a redução do risco de fraturas e também da dor e incapacidade subsequentes. Fraturas de quadril e vertebrais são frequentemente seguidas de aumento da mortalidade geral, e alguns estudos sugerem essa associação. No entanto, não está claro se ou em que grau a mortalidade após fraturas poderia ser reduzida após a prevenção com tratamento medicamentoso. Estudos observacionais relataram que pacientes com osteoporose que receberam tratamentos tiveram redução de mortalidade, mas é possível que essas associações se devam a outros fatores de confusão que não foram medidos. Metanálises anteriores que relataram essa associação incluíram  estudos de pacientes com câncer, para os quais se sabe que a terapia com bifosfonatos reduz as metástases ósseas, e muitos dos ensaios clínicos não foram controlados por placebo. 

Esta revisãos sistemática com metanálise incluiu 38 estudos resultantes de uma revisão sistemática nos bancos de dados MEDLINE (via PubMed), Sciencedirect, Embase e Cochrane Library, de ensaios clínicos randomizados, duplo-cegos e placebo-controlados, com duração maior de 1 ano, de tratamentos medicamentosos para osteoporose com dados sobre taxas de mortalidade entre 2009 - 2019. Ao total, 10.1642 participantes foram incluídos, sendo 45.594 placebo e 56.048 controles.  A análise incluiu diversos tipos de medicamentos - bisfosfonatos, moduladores seletivos do receptor de estrogênio, análogos do hormônio da paratireóide, odanacatibe e romosozumabe.  Foram excluídos estudos com estrogênio e tibolona, estudos em pacientes usuários de corticoterapia e em pacientes oncológicos. 

 Não houve associação significativa entre receber um tratamento medicamentoso para a osteoporose e a taxa de mortalidade geral (RR 0,98; IC95% 0,91 a 1,05; P=0,56). Limitando a análise a ensaios clínicos com bisfosfonatos também não encontrou-se associação significativa do tratamento com mortalidade geral (RR 0,95; IC95% 0,86 a 1,04; P=0,17). De igual maneira, quando incluídos apenas ensaios clínicos  de zoledronato, estes resultados não mudaram. Ensaios clínicos de tratamento medicamentoso com duração de 3 anos ou mais também não relataram associação significativa com mortalidade (RR 0,97; IC95% 0,88 a 1,08; P=0,59). No Clube de Revista foram levantados os seguintes pontos:

  • Houve uma grande diferença entre os resultados de estudos observacionais e a metanálise, o que reforça os viéses que os observacionais carregam;

  • Os autores citam que os estudos com zoledronato apesar de não sugerirem aumento de mortalidade, tinham maior heterogeneidade entre si e sugerem que estudos maiores podem determinar uma diferença a favor do zoledronato em relação a outros bifosfonatos. O clube achou um pouco tendenciosa essa consideração;

  • A maioria dos estudos teve duração de 1 ano, pouco tempo para o desfecho mortalidade;

  • Um ponto positivo da metanálise foi excluir estudos com pacientes com mais comorbidades, como os estudos de paciente com metástases ósseas. 

 

Pílula do Clube: Esta revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados sugere que os tratamentos medicamentosos para osteoporose não estão associados a taxas de mortalidade reduzidas mesmo diminuindo o risco de fratura. 

 

Discutido no Clube de Revista de 14/06/2021.


Diabetes Prevention and Weight Loss with a Fully Automated Behavioral Intervention by Email, Web, and Mobile Phone: A Randomized Controlled Trial Among Persons with Prediabetes

 Gladys Block , Kristen MJ Azar, Robert J Romanelli, Torin J Block, Donald Hopkins, Heather A Carpenter, Marina S Dolginsky, Mark L Hudes, Latha P Palaniappan, Clifford H Block.


 J Med Internet Res 2015, 17(10):e240.

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4642405/


Há décadas intervenções vêm sendo propostas para tentar alterar o curso natural e minimizar o prejuízo tanto social quanto individual consequente do pré-diabetes. O Diabetes Prevention Program (DPP), em 2002, obteve excelentes resultados conseguindo uma redução de até 70% na incidência de diabetes em pacientes com pré-diabetes através do exercício físico. Desde então, muitas alternativas foram tentadas para adaptar o DPP para algo mais prático, realizável para pacientes na prática, e menos algo protocolar de pesquisa. A ideia de uma intervenção automatizada, que conseguisse simular um treinador humano, poderia funcionar como redução de custos e oportunizar um alcance muito maior para pacientes com pré-diabetes. Com essa ideia em mente, o presente trabalho foi desenhado: um ensaio clínico randomizado em paciente com pré-diabetes para usar ou não um aplicativo que o auxiliasse em mudanças de estilo de vida, com dieta mais saudável e exercício físico.

Em um centro, em Palo Alto (Califórnia, Estados Unidos), foram triados pacientes através de prontuário pelos critérios de pré-diabetes (HbA1C 5,7-6,4% ou 100-125 mg/dL de glicemia de jejum) e entrado em contato com eles por e-mail ou carta. Eles então iriam ao centro e nesse seria decidido sobre sua inclusão no estudo. Os critérios de inclusão eram inicialmente ter pré-DM, IMC > 27 e ter realizado 1 consulta no centro médico de Palo Alto. Os critérios de exclusão foram uso de medicação para DM, alguma condição que contra indicasse exercício físico, gravidez, já estar realizando mais de 150 minutos de exercício por semana ou uma dieta com poucos carboidratos. Após já ter iniciado o recrutamento, todavia, houve uma mudança nos critérios de inclusão. Foi adicionado o critério de “diagnóstico médico de pré-diabetes” que usava os critérios de Hb1AC > 5,3 e glicemia de jejum > 95 mg/dL. Esses níveis não encontram suporte na literatura ou base em diretrizes e são uma limitação importante na seleção de amostra para esse estudo.

A intervenção era um programa de exercícios e estímulo à alimentação saudável e outros hábitos baseado no aplicativo AlivePD. Esse aplicativo era totalmente automatizado, não havendo intervenção de outros humanos com o paciente randomizado para esse grupo. O paciente definiria as próprias metas e o aplicativo o auxiliaria a alcançá-las. Um sistema de recompensa por pontos dentro do aplicativo auxiliava a motivação. O paciente viria para a 1a visita e após avaliação física e coleta exames e aceitar participar da pesquisa sairia do centro, logo após, recebendo uma mensagem para preencher um formulário e, após fazê-lo, seria randomizado para o grupo intervenção, ou seja, utilizar o aplicativo a partir daquele dia, ou controle que somente iniciaria o programa de exercícios após 6 meses. Uma orientação curta sobre hábitos saudáveis e prevenção do diabetes foi realizada antes dos pacientes deixarem o centro - sendo justificado assim o “cuidado usual”. Aqui fica outra limitação do estudo, pois enquanto um grupo recebia uma intervenção na linha do DPP o outro não recebia de fato o “cuidado usual” de estímulo para exercício físico e dieta. Os desfechos primários eram redução no HbA1C e na glicemia de jejum. Perfil lipídico, presença de síndrome metabólica, circunferência da cintura e escore de Framingham foram avaliados como desfechos secundários. O cálculo amostral para um poder de 80% de mostrar uma diferença de 0,48% na Hb1AC necessitaria randomizar 248 indivíduos, considerando dentro disso já uma perda de 15%.

Foram randomizados 339 pacientes. Após 6 meses de seguimento os resultados favoreceram o grupo intervenção, com redução de hemoglobina glicada: redução de -0,26 (IC95% -0,24 a -0,27) no grupo do aplicativo e -0,18 (IC95% - 0,16 a -0,19) no grupo controle. Também na glicemia capilar houve discreta superioridade do grupo intervenção: redução de -7,36 (IC95% -6,87 a -7,86) vs -2,19 (IC95% -1,73 a -2,64). 

Nos desfechos secundários, a superioridade estatística do grupo intervenção se manteve. A redução de peso foi de -3,26 kg (IC95% -3,26 a -3,25) no grupo experimento e -1,26 (IC95% -1,27 a -1,26) no grupo controle. Um dado particularmente chamativo foi a redução de circunferência abdominal, por sua magnitude, com -4,56 (IC95% -4,69 a -4,43) no grupo intervenção e -2,22 (IC95% -2,36 a -2,09) no grupo controle. Outros resultados foram: redução do IMC (-1,05 [-1,06 a -1,05] vs. -0,36 [-0,39 a -0,38]) e redução de da relação triglicerídeo/HDL (-0,21[0,12-0,30] e 0,21[0,12 a 0,29]).  O tempo de seguimento não permitiu análise de incidência de diabetes em ambos os grupos. Os principais pontos discutidos no Clube foram:

  • Chama a atenção que apesar de haver diferença entre os grupos, a intervenção foi comparada com ausência de exercícios, não com o cuidado usual de estímulo para exercícios;

  • É também questionável a significância clínica dos resultados observados;

  • A seleção não foi adequada, incluindo pacientes que não tem critério para pré-diabetes por quaisquer diretrizes, após a mudança do critério de entrada.

  • Não só a comparação entre grupos foi prejudicada pelo grupo controle não encaixar-se em “usual care”, mas a diferença pequena em desfechos substitutos também torna mais difícil valorizar o resultado deste trabalho.


Pílula do Clube: os programas totalmente automatizados são uma alternativa interessante e com potencial para ser ferramenta de rotina em pacientes com pré-diabetes ou quaisquer que necessitem melhorar seus hábitos. Porém, em estudos deve-se comparar com estímulo que todo paciente deve receber para essas mudanças de estilo de vida. Um desenho de não-inferioridade seria interessante para verificar sua aplicação no dia-a-dia do profissional de saúde.


Discutido no Clube de Revista de 07/06/2021

Once-Weekly Somapacitan vs Daily GH in Children With GH Deficiency: Results From a Randomized Phase 2 Trial

 Lars Sävendahl, Tadej Battelino, Meryl Brod, Michael Højby Rasmussen, Reiko Horikawa, Rasmus Vestergaard Juul, and Paul Saenger on behalf of the REAL 3 study group*


J Clin Endocrinol Metab 2020, 105(4):e1847-e1861.

https://academic.oup.com/jcem/article/105/4/e1847/5699635


  A deficiência de GH (DGH) é caracterizada pela redução da velocidade de crescimento (VC) e/ou altura abaixo da faixa da normalidade e/ou pela altura abaixo da estatura alvo familiar. O tratamento para DGH é a reposição de GH recombinante, em que se faz necessária a administração subcutânea (SC) diária devido ao curto tempo de meia-vida do medicamento. Estudos mostram que até 25% dos cuidadores dessas crianças esquecem de administrar a medicação pelo menos 2x/semana, o que compromete a melhora na estatura final. O somapacitan, tratamento para DGH semanal, pretende reduzir a frequência de injeções, o que levaria a uma melhor adesão ao tratamento e espera-se que tenha pelo menos a mesma eficácia e segurança que o GH diário. Ele é derivado do GH humano de ação prolongada em que uma pequena porção se liga a albumina não covalente, permitindo que se ligue a albumina endógena – retardando sua liberação e prolongando o tempo de ação (mesmo princípio dos fármacos detemir e semaglutida). Nos estudos com adultos o somapacitan apresentou boa tolerância e no estudo de fase 1, foi demonstrada elevação do IGF-1. O objetivo deste estudo de fase 2 (REAL 3) foi investigar a segurança, eficácia e tolerabilidade do somapacitan comparado com o GH diário em crianças pré-puberes com DGH.

O estudo foi randomizado (1:1:1:1), ativo-controlado, aberto, de determinação de dose, tendo grupo paralelo de 4 braços com crianças sem tratamento prévio com GH e pré-puberais. O período do estudo foi de março de 2016 a agosto de 2018 e foi conduzido em 29 centros de 11 países. O período principal de teste foi de 26 semanas, seguido por uma extensão de mais 26 semanas. O ensaio foi duplo-cego em relação à dose de somapacitan. O peso foi medido em todas as consultas para ajuste de dose. As visitas foram realizadas a cada 13 semanas, com medida de eficácia, eventos adversos e controle laboratorial de segurança. Os investigadores que faziam as medidas de altura eram cegados para alocação no tratamento. Como critérios de inclusão era necessário ter diagnóstico de DGH ser pré-púbere (meninos com idade entre 2 anos e 26 semanas até os 10 anos e meninas com idade entre 2 anos e 26 semanas até os 9 anos), estatura abaixo pelo menos de 2DP (p<3) de altura para idade cronológica (IC) e sexo de acordo com o CDC. O controle de aderência era feito com diários eletrônicos em que se registrava data, hora e dose das injeções, além das doses perdidas.

O desfecho primário foi a VC (cm/ano) medida pela altura em pé no basal e na semana 26. Outro desfecho de eficácia foi o escore de desvio-padrão (DP) altura, DP da VC, DP de IGF-I e do DP de IGFBP- 3. Foram também avaliados desfechos de segurança: reações no local da injeção, ocorrência de anticorpos anti-somapacitan e anti-GH humano, incidência de reclamações técnicas, progressão da idade óssea e alterações da linha de base em parâmetros laboratoriais de segurança clínica.

Foram consideradas elegíveis 59 crianças, as quais foram divididas da seguinte forma: 14 no grupo de GH diário (0,034 mg/Kg/dia), 16 no somapacitan 0,04 mg/Kg/semana, 15 no somapacitan 0,08 mg/Kg/semana e 14 no somapacitan 0,16 mg/Kg/semana. A maioria das crianças eram do sexo masculina e a DGH era de causa idiopática em usa maioria. A aderência ao tratamento foi alta em todos os grupos (91,8% a 98,6%). Na semana 26, foi observada uma relação dose-resposta para VC em relação ao somapacitan e a diferença de VC não foi estatisticamente significativa entre GH diário e somapacitan 0,08 ou 0,16 mg/Kg/semana, porém a VC foi significativamente maior com GH diário do que somapacitan 0,04 mg/Kg/semana. Na semana 52 os valores da VC foram ligeiramente menores em todos os grupos e a VC com somapacitan 0,16 mg/Kg/semana foi significativamente maior que com GH diário. Na semana 26, a mudança da linha de base no DP de altura não diferiu entre somapacitan 0,16 ou 0,08 mg/kg/semana e GH diário, e foi significativamente maior com GH diário do que com somapacitan 0,04 mg/kg/semana; enquanto que na semana 52, a mudança da linha de base no DP de altura foi significativamente maior com somapacitan 0,16 mg/kg/semana em comparação com GH diário, mas não diferiu significativamente com somapacitan 0,08mg/kg/semana e GH diário e a mudança foi significativamente maior com GH diário do que com somapacitan 0,04 mg/kg/semana. As diferenças de tratamento estimadas (ETDs) na mudança da linha de base para as semanas 26 e 52 foram significativamente maiores para somapacitan 0,16 mg/kg/semana, semelhantes para somapacitan 0,08 mg/kg/semana e menores para somapacitan 0,04 mg/Kg/semana, em comparação com GH diário. Em relação ao IGF-1, o perfil previsto após o somapacitan atingiu o pico entre os dias 1 e 2 após a dosagem, com uma flutuação ao longo da semana que foi maior do que a do GH diário, sendo o IGF-1 médio obtido com somapacitan 0,16 mg/kg/semana o mais próximo do GH diário. O somapacitan foi bem tolerado em todas as 3 doses durante os períodos principal e de extensão, sem novos problemas de segurança ou tolerabilidade local clinicamente significativos identificados. As taxas de EA foram semelhantes entre o grupo somapacitan 0,16 mg/kg/semana e o grupo GH diário, com taxas mais baixas no somapacitan 0,04 e 0,08 mg/kg/semana. No Clube foram discutidos os seguintes pontos:

  • A segurança e tolerabilidade do somapacitan foi semelhante ao GH diário;

  • A eficácia das doses de 0,08 e 0,16 foram semelhantes ao GH diário, sendo a dose de 0,16 a que fornece melhor correspondência de eficácia em relação à VC, mudança de DP na VC e IGF-1 na semana 26; e na semana 52 a VC foi maior que o GH diário;

  • Flutuações nos níveis de IGF-1 são maiores no semanal devido aos diferentes modos de ação;

  • O estudo teve algumas limitações como amostra pequena (porém trata-se de uma condição rara) e a impossibilidade de cegamento;

  • Como pontos fortes, esse foi o primeiro ensaio clínico para avaliar uso de GH de longa ação em pacientes com DGH, os resultados de eficácia e semelhança da semana 26 foram confirmados na semana 52 e houve cegamento para as doses do somapacitan.  


Pílulas do clube: apesar da pequena amostra, o estudo com GH semanal em crianças com DGH demonstrou boa segurança e tolerabilidade, sendo que a dose de 0,16 teve resultados na VC equivalente com o GH diário.


Discutido no Clube de Revista de 24/05/2021.

Selection of Antiobesity Medications Based on Phenotypes Enhances Weight Loss: A Pragmatic Trial in an Obesity Clinic

 Andres Acosta , Michael Camilleri , Barham Abu Dayyeh, Gerardo Calderon, Daniel Gonzalez, Alison McRae, William Rossini, Sneha Singh, Duane Burton, and Matthew M. Clark


Obesity 2021, 29(4):662-671

https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/oby.23120


A obesidade é uma doença crônica,  multifatorial e resultante da desregulação do balanço energético, sendo alterações na ingesta de calorias ou mudanças no gasto energético total os principais mecanismos envolvidos em sua patogênese. A heterogeneidade entre os pacientes com obesidade é particularmente aparente na resposta variada da perda de peso às intervenções, como dietas, medicamentos e cirurgia. Atualmente a escolha do tratamento medicamentoso é feito com base na preferência do médico/paciente, nas interações medicamentosas, nas comorbidades e no risco de eventos adversos potenciais  e pouco se sabe sobre os preditores de resposta a intervenções de obesidade, havendo necessidade de se desenvolver uma classificação válida de obesidade com base na patogênese e verificar sua utilidade no tratamento para melhorar os resultados.    

Os pesquisadores estudaram duas coortes distintas. Na primeira coorte foi realizada caracterização e classificação do fenótipo de obesidade com testes específicos em 450 participantes, caracterizando-os  em 4 fenótipos: Hungry Brain, Hungry Gut, Emotional Hunger, Slow Burn. Na segunda coorte foi feito um ensaio clínico prospectivo e pragmático de mundo real de tratamento medicamentoso guiado ou não guiado por fenótipo entre 1 de junho de 2017 e 30 de junho de 2019 na Mayo Clinic com  84 casos e 228 controles. Os participantes do grupo guiado por fenótipo tiveram seu fenótipo medido por testes clinicamente disponíveis (teste de saciedade; teste de saciação; avaliação de fome emocional e gasto de energia), já os participantes do grupo não fenotipado não fizeram nenhum teste antes da seleção do medicamento. As decisões de tratamento no grupo guiado por fenótipo foram determinadas com base no mecanismo de ação predominante dos medicamentos e apoiadas por ensaios clínicos randomizados previamente concluídos. Foi usado fentermina/topiramato para o fenótipo Hungry Brain, liraglutida para o fenótipo Hungry Gut, naltrexona/bupropiona para o fenótipo Emotional Hunger e fentermina/exercício resistido para o fenótipo Slow Burn. O desfecho primário foi a porcentagem de perda de peso corporal total durante o acompanhamento de 1 ano e os desfechos secundários incluíram a proporção de pacientes que tiveram uma redução do peso corporal basal de ≥ 5%, ≥ 10%, ≥ 15% e ≥ 20%. 

Os resultados da primeira coorte mostraram que a  prevalência de cada fenótipo foi: 32% Hungry Brain, 32% Hungry Gut, 21% Emotional Hunger e 21% Slow Burn. Dois ou mais fenótipos foram documentados em 27% dos pacientes (grupo misto). Os resultados do segundo estudo demonstraram que a perda de peso média em 6 meses de tratamento, foi de −10,5% no grupo guiado por fenótipo e −6,3%  no grupo não guiado por fenótipo (diferença média −4,1%; IC95% −5,9% a −2,5%; P<0,001). Aos 12 meses, a perda média de peso foi de −15,9% no grupo guiado por fenótipo em comparação com −9,0% no grupo não guiado por fenótipo (diferença média −6,9%; IC95% −9,4% a −4,5%; P<0,001). A farmacoterapia da obesidade guiada por fenótipo resultou em 79%, 43% e 30% dos pacientes alcançando perda de peso absoluta clinicamente significativa de >10%, >15% e >20%, respectivamente, em 1 ano em comparação com 35%, 17% e 8% dos pacientes na abordagem não fenotípica. A taxa de falha (definida como perda de menos de 5%) foi de 2% no grupo guiado por fenótipo em comparação com 26% no grupo não guiado por fenótipo (P <0,001). Não houve eventos adversos em ambos os grupos tratados. No Clube foram discutidos os seguintes pontos:

  • Trata-se de um estudo aberto, logo os pacientes e examinadores não foram cegados o que pode ter interferido de maneira decisiva no estudo, dado o tipo de intervenção e o tipo de desfecho (possível viés de aferição/confusão);

  • Os pacientes foram recrutados por meio de propaganda, o que pode ter selecionado pacientes mais dispostos a perder peso (possível viés de seleção);

  • Houve uma porcentagem importante de pacientes com mais de um fenótipo, não sendo avaliada se a terapia combinada teria mais impacto neste subgrupo;

  • A classificação por fenótipo é complexa e não foi avaliado custo-efetividade para a população geral.


Pílula do Clube: este estudo observou que o tratamento baseado no fenótipo  reduziu a heterogeneidade da obesidade e otimizou a perda de peso na população estudada. Estudos maiores, randomizados e placebo-controlados são necessários para implementar esta mudança no manejo medicamentoso atual da obesidade.


Discutido no Clube de Revista de 17/05/2021.


domingo, 11 de julho de 2021

Treatment of Subclinical Hyperthyroidism in the Elderly: Comparison of Radioiodine and Long-Term Methimazole Treatment

 Fereidoun Azizi, Hengameh Abdi, Leila Cheraghi, and Atieh Amouzegar


Thyroid 2021, 31(4):545-551.

https://www.liebertpub.com/doi/10.1089/thy.2020.0433?url_ver=Z39.88-2003&rfr_id=ori:rid:crossref.org&rfr_dat=cr_pub%20%200pubmed 


O hipotireoidismo subclínico é definido como TSH sérico baixo com concentrações normais de T4 livre e T3. Ocorre em até 1,8% da população com maior frequência em mulheres e idosos. Há aumento relacionado da mortalidade geral e cardiovascular, além de eventos cardíacos não fatais, arritmias, osteoporose e fraturas, especialmente em idosos e em indivíduos com TSH < 0,1; o que leva tanto a American Thyroid Association (ATA) quanto a European Thyroid Association (ETA) a recomendarem o seu tratamento. O tratamento pode ser feito com iodo radioativo ou com drogas antitireoidianas.  A ATA tende a preferir o uso de iodo radioativo, enquanto outras sociedades como a ETA, Japonesa e alguns outros países preferem as drogas antitireoidianas. O objetivo do estudo foi, portanto, avaliar a eficácia e segurança de drogas anti-tireoidianas no tratamento do hipertireoidismo subclínico em comparação ao iodo radioativo.

O estudo foi um ensaio clínico randomizado de grupos paralelos, conduzido entre setembro de 2006 e fevereiro de 2017 em uma clínica de Tehran, no Irã. Os pacientes selecionados tinham todos 65 anos ou mais e TSH < 0,01. Foram divididos conforme o tipo de bócio (multinodular ou difuso) e foram randomizados para receber iodo radioativo ou metimazol por 60 meses. Os pacientes incluídos tinham diagnóstico de hipertireoidismo subclínico sem tratamento prévio e 65 anos ou mais. Foram critérios de exclusão: baixa captação tireoideana, T3 baixo, doença não-tireoidiana, uso de iodo ou substâncias contendo iodo, uso de medicamentos para doenças  da tireoide, doses moderadas a altas de corticóide, altas doses de biotina e status mental alterado. O diagnóstico do tipo de bócio foi feito com base na palpação do exame físico e cintilografia, e/ou ultrassonografia e anticorpos contra o receptor do TSH (Trab).

Foram selecionados 83 pacientes para ingressar no estudo. 41 foram randomizados para receber iodo radioativo (dose fixa de 15 mCi). Destes, 3 optaram por outro tratamento e 3 perderam seguimento. O outro grupo de 42 pacientes foi randomizado para metimazol (10 mg dia até TSH > 0,4 e então ajuste de dose para manter o paciente eutireoideo). Quatro pacientes tiveram efeitos colaterais menores e mudaram de tratamento e dois perderam o seguimento. Os pacientes em uso de metimazol tinham sua dose ajustada visando o estado eutireoideo, enquanto os pacientes que receberam iodo radioativo que desenvolveram hipotireoidismo receberam Levotiroxina para se manterem eutireoideos. Na visita final, também foram submetidos a um ecocardiograma, densitometria óssea e foram estimados os custos totais do tratamento. O desfecho primário foi o eutireoidismo sustentado. Os desfechos secundários foram morte, doença cardiovascular e ocorrência de hipo ou hipertireoidismo clínico ou subclínico ao final do estudo. Os efeitos adversos do metimazol foram monitorados.

Os resultados encontrados foram que ao final do estudo 66% dos pacientes que usaram iodo radioativo ficaram hipotireoideos, sendo a grande maioria deles com bócio difuso. Todos, porém, obtiveram o status eutireoideo com o uso da Levotiroxina. No grupo do metimazol, dois pacientes entraram em hipotireoidismo, enquanto os demais ficaram eutireoideos com ajuste de dose. Não houve diferença estatística nos resultados de ecocardiograma, densitometria óssea e nos custos gerais de ambos os tratamentos. Não houve eventos adversos graves em ambos os grupos de tratamento. Quatro pacientes do grupo do metimazol tiveram efeitos adversos leves (três tiveram reação cutânea leve e um elevação de enzimas hepáticas). No Clube de Revista foram discutidos os seguintes pontos:

  • O tamanho da amostra foi calculado para detectar uma diferença de 40% na obtenção do eutireoidismo, o que gerou um tamanho amostral pequeno. Uma amostra maior poderia, talvez, ter demonstrado resultados diferentes;

  • Não foi encontrado registro do projeto no clinicaltrials.gov nem foi citado registro do projeto em nenhuma plataforma, o que gera questionamento sobre se o estudo havia sido desenhado dessa exata maneira antes de sua execução;

  • O estudo excluiu de sua análise os pacientes que optaram por outro tratamento e também os que tiveram reações adversas, o que leva a uma análise “por protocolo” e não por “intenção de tratar”, reduzindo a sua validade externa;

  • O estudo não descreve exatamente os motivos pelos quais alguns pacientes optaram por receber outro tratamento, já que, a princípio, o estudo era randomizado e os pacientes concordavam com a randomização no momento do aceite para ingressar ao estudo. Isso gera dúvidas a respeito da amostra. Poderia este estudo ser, talvez, resultado da análise retrospectiva de um banco de dados pré-existente.


Pílula do Clube: este ensaio clínico randomizado de grupos paralelos aponta para segurança e eficiência tanto do iodo radioativo quanto do metimazol a longo prazo no tratamento do hipotireoidismo subclínico de pacientes idosos. Porém, principalmente o pequeno tamanho amostral e a análise por intenção de tratar deixam margem para novos estudos sobre este assunto.


Discutido no Clube de Revista de 10/05/2021.


Sorafenib in radioactive iodine-refractory, locally advanced or metastatic differentiated thyroid cancer: a randomised, double-blind, phase 3 trial

 Marcia S Brose, Christopher M Nutting, Barbara Jarzab, Rossella Elisei, Salvatore Siena, Lars Bastholt, Christelle de la Fouchardiere, Furio Pacini, Ralf Paschke, Young Kee Shong, Steven I Sherman, Johannes W A Smit, John Chung, Christian Kappeler, Carol Peña, István Molnár, Martin J Schlumberger, on behalf of the DECISION investigators*


Lancet 2014, 384(9940):319-28.

https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(14)60421-9/fulltext


O câncer diferenciado de tireoide (CDT) é responsável por cerca de 95% de todos os carcinomas da tireoide no mundo. Geralmente, pode ser tratado de forma eficaz com cirurgia, iodo radioativo e terapia com levotiroxina. No entanto, 7–23% dos pacientes desenvolvem metástases à distância, dois terços dos quais se tornam refratários ao radioiodo. Esses pacientes têm um prognóstico ruim, e a ausência de terapia eficaz (incluindo quimioterapia) torna seu manejo clínico difícil. Os medicamentos anti-angiogênicos direcionados à via do VEGF foram avaliados em estudos de fase 2 de câncer de tireoide diferenciado refratário ao iodo radioativo. 

Esse estudo é um ensaio clínico randomizado duplo cego de fase 3, multicêntrico, controlado por placebo. Os critérios de inclusão foram: idade maior de 18 anos; CDT (papilar, folicular incluindo Hurthle, mal diferenciado) localmente avançado ou metastático refratário ao radiodo com progressão nos últimos 14 meses (de acordo com critérios RECIST); pelo menos uma lesão mensurável por tomografia (TC) ou ressonância magnética (RNM) de acordo com RECIST; ECOG 0 a 2; função renal, hepática, medular adequadas; TSH menor de 0,5 mUI/L. A definição de refratariedade ao radioiodo foi definida como pelo menos uma lesão sem captação de iodo, ou progressão de lesão captante mesmo após tratamento com iodo radioativo nos últimos 16 meses, ou progressão após 2 doses de iodo radioativo com intervalo de 16 meses entre elas (a última administrada há mais de 16 meses), ou dose cumulativa de radioiodo maior ou igual a 600 mCi.

Foi usado um sistema de voz interativo para randomização dos pacientes, numa taxa de 1:1 para sorafenibe 800 mg por dia ou placebo. Pacientes, investigadores e patrocinador foram cegados. Modificações de dose ou interrupção foram permitidas com base em critérios específicos para manejo de efeitos adversos. O tratamento continuou até progressão, toxicidade, descumprimento ou desistência do consentimento. Quando ocorreu progressão, o tratamento pôde ser desmascarado e o paciente pôde seguir usando o sorafenibe enquanto houvesse benefício, baseado no julgamento do investigador. O desfecho primário foi sobrevida livre de progressão, avaliada a cada 8 semanas por revisor cegado central independente com uso de critérios RECIST modificados. Desfechos secundários incluíram sobrevida global, tempo para progressão, taxa de resposta objetiva (resposta parcial ou completa), taxa de controle de doença (resposta completa, parcial ou doença estável por mais de 4 semanas, ou mais de 6 meses em análise post-hoc) e duração da resposta. Progressão e resposta objetiva foram confirmadas por nova TC ou RNM pelo menos 4 semanas depois. Os pacientes foram acompanhados para segurança por 30 dias após último tratamento, e a cada 3 meses para sobrevida global. O estudo foi financiado pela indústria farmacêutica (Bayer e Onyx Pharmaceuticals).

De novembro de 2009 a agosto de 2011, foram randomizados 419 pacientes de 77 centros em 18 países para sorafenibe (n=209) ou placebo (n=210). Características de base foram bem balanceadas e maioria dos pacientes apresentava metástases pulmonares a distância. O grupo de pacientes tratado com sorafenibe apresentou melhora significativa na mediana de sobrevida livre de progressão em comparação como grupo randomizado para placebo: 10,8 meses vs. 5,8 meses (HR 0,59; IC95% 0,45 a 0,76; P<0,0001). Na análise exploratória de subgrupos a sobrevida livre de progressão mostrou aumento consistente em todos os subgrupos. A taxa de resposta objetiva (todas respostas parciais e completas) foi 12,2% no grupo sorafenibe comparado com 0,5% no placebo (P<0,0001) e a duração mediana de resposta dos pacientes com resposta ao sorafenibe foi 10,2 meses (IC 95% 7,4 a 16,6). A taxa de controle de doença (resposta parcial mais doença estável por mais de 6 meses) foi 54,1% com sorafenibe versus 33,8% com placebo  (P<0,0001) e a mediana de tempo para progressão foi 11,1 meses com sorafenibe versus 5,7 meses com placebo (HR 0,56; IC 95% 0,43 a 0,72; P<0,0001). Por sua vez, a sobrevida global não teve diferença significativa entre os grupos (HR 0,8; P=0,14), porém a mediana de sobrevida global não foi atingida no momento da primeira análise em 2012. É importante notar que grande número de pacientes (n=150, 71,4%) recebendo o placebo cruzaram para receber sorafenibe “open-label” por progressão de doença o que limita a avaliação deste desfecho. Eventos adversos ocorreram em 98,6% dos pacientes recebendo sorafenib e em 87,6% dos pacientes com placebo; foram na maioria grau 1 ou 2 e ocorreram precocemente. Os mais comuns foram reação mão-pé, diarreia, alopecia, rash, fadiga, perda de peso e hipertensão. Pontos discutidos no clube:

  • Este foi o primeiro ECR de fase 3 em câncer diferenciado de tireoide metastático refratário a iodo;

  • Houve grande número de pacientes do grupo placebo que cruzou para o tratamento “aberto” com sorafenibe, por progressão de doença; o que nos leva a crer que pode ter sido um fator que diminuiu a diferença entre os grupos, para os desfechos de interesse (em especial sobrevida global);

  • Neste estudo, houve maior incidência de reações adversas ao sorafenibe comparado com estudos em câncer de rim ou fígado, talvez pelo fato de que aqui o período de seguimento ser maior e o esquema de ajuste de doses foi diferente;

  • Evento adverso já conhecido, a síndrome mão-pé ocorreu em 76,3% dos pacientes em uso de sorafenibe, mas levou à descontinuação em apenas 5,3% destes.


Pílula do Clube: o uso do sorafenibe em pacientes com CDT avançado, refratário ao iodo e progressivo, leva a um ganho de sobrevida livre de progressão de cerca de 5 meses, sem impacto na sobrevida global e com alta taxa de efeitos adversos.


Discutido no Clube de Revista de 26/04/2021.

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