terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Effect of Finerenone on Chronic Kidney Disease Outcomes in Type 2 Diabetes

 George L. Bakris, Rajiv Agarwal, Stefan D. Anker, Bertram Pitt, Luis M. Ruilope, Peter Rossing, Peter Kolkhof, Christina Nowack, Patrick Schloemer, Amer Joseph, and Gerasimos Filippatos, for the FIDELIO-DKD Investigators*


Trata-se de um ensaio clínico randomizado, duplo-cego, controlado por placebo, multicêntrico, que avaliou a eficácia e a segurança da finerenona, um antagonista seletivo do receptor mineralocorticoide, na redução de desfechos renais e cardiovasculares de pacientes com doença renal crônica (DRC) e diabetes mellitus tipo 2 (DM2). Foram incluídos adultos em tratamento com inibidor da ECA (iECA) ou bloqueadores do receptor de angiotensina II (BRA) na dose máxima tolerada, sendo considerados elegíveis os pacientes que apresentavam potássio sérico ≤ 4,8 mmol/L e DRC com as seguintes características: (1) albuminúria elevada (≥30 e <300 mg/g de creatinina), TFG ≥25-<60 mL/min/1,73 m2 e retinopatia diabética ou (2) albuminúria muito elevada (≥300 e ≤5000 mg/g de creatinina) e TFG ≥25-<75 mL/min/1,73 m2. Foram excluídos pacientes com DRC de outra etiologia, transplantados renais, que necessitaram de diálise nas últimas 12 semanas, com DM/HAS mal controlados, ICFER classe II-IV e/ou com evento cardiovascular recente. Após run-in de 4 a 16 semanas, durante o qual foram realizados ajustes de medicações, os pacientes foram randomizados (1:1) para receber finerenona ou placebo. Indivíduos com TFG entre 25-60 mL/min/1,73 m2 e >60 mL/min/1,73 m2 iniciaram com 10 mg e 20 mg/dia, respectivamente, com posterior ajuste de dose conforme níveis de potássio e TFG. As visitas foram realizadas no 1º e no 4º mês após a randomização, com avaliações subsequentes a cada 4 meses até o final do estudo. O desfecho primário foi o composto de falência renal (terapia de substituição renal ou TFG < 15 mL/min/1,73 m2), redução sustentada de ≥40% na TFG e/ou morte renal. O desfecho secundário principal foi o composto de morte por causas cardiovasculares (CV), IAM não-fatal, AVC não-fatal e/ou hospitalização por IC. Outros desfechos secundários incluíam morte e hospitalização por qualquer causa, redução da relação albumina-creatinina urinária no 4º mês e o desfecho renal composto secundário, caracterizado por redução sustentada da TFG em ≥ 57% ou morte renal. Desfechos de segurança foram avaliados, com especial interesse na função renal e no potássio sérico. As análises de eficácia foram do tipo time-to-event, e tanto análises de eficácia quanto de segurança foram por intenção de tratar.

Foram randomizados 5.674 pacientes, 2.833 para o grupo da finerenona e 2.841 para o grupo placebo. As taxas de descontinuação do tratamento após a randomização foram de 29% e 28,1% no grupo finerenona e placebo, respectivamente, sendo a maioria por eventos adversos. Quanto às características basais, os grupos eram semelhantes, com média de idade de 65 anos, sendo 70,2% do sexo masculino, 63,3% autodeclarados brancos, com HbA1c média de 7,7% e PAS/PAD de 138/76 mm Hg; apresentavam, em sua maioria, TFG entre ≥25-<45 mL/min/1,73 m2 (52,5%) e albuminúria muito elevada (87,5%). Cerca de 47% tinham retinopatia diabética, 46% tinham história de doença cardiovascular e <5% faziam uso concomitante de inibidores do receptor SGLT2. Após tempo mediano de 2,6 anos, 17,8% e 21,1% dos pacientes que receberam finerenona e placebo desenvolveram o desfecho primário, respectivamente (HR 0,82; IC95% 0,73-0,93; P<0,001); com base na diferença absoluta de 3,4 pontos percentuais, o NNT para prevenir 1 desfecho primário com o uso da finerenona foi de 29. Quando cada componente do desfecho composto foi avaliado separadamente, somente a redução de ≥40% na TFG favoreceu o uso da finerenona (HR 0,81; IC95% 0,72-0,92), não se observando diferença entre os grupos com relação à falência renal e à morte renal. Quanto ao desfecho secundário principal (desfecho composto cardiovascular), o grupo que recebeu intervenção apresentou menor percentual de eventos (13% vs. 14,8%) (HR 0,86; IC95% 0,75-0,99; P=0,03), sem diferença em relação ao placebo quando cada componente foi individualmente analisado. Nos desfechos exploratórios, a finerenona foi superior ao placebo somente no desfecho renal composto secundário (HR 0,76; IC95% 0,65-0,90), o que ocorreu às custas da redução da TFG em ≥57% (HR 0,68; IC95% 0,55-0,82), e na redução da albuminúria (queda de 31%) (0,69; IC95% 0,66 a 0,71). A redução da albuminúria observada no 4º mês foi sustentada ao longo de todo o estudo. Quanto aos desfechos de segurança, não houve aumento dos casos de insuficiência renal aguda no grupo da finerenona; no entanto, houve aumento dos eventos relacionados à hipercalemia (18% vs. 9%), embora tenha sido baixa a taxa de descontinuação da droga devido ao distúrbio eletrolítico (2,3% vs. 0,9%). No Clube de Revista, foram discutidos os seguintes pontos:

  • Embora tenham sido incluídos pacientes com doença renal avançada, o benefício observado com a finerenona diz respeito a um desfecho renal composto em que o maior peso do efeito é atribuído ao impacto na TFG, e não aos desfechos “duros”, como evolução para falência renal e morte;

  • O efeito cardioprotetor observado com outros antagonistas mineralocorticoides não foi reproduzido de forma contundente no presente estudo, uma vez que, além de ter sido analisado como desfecho composto secundário, não foi observado benefício individual de nenhum dos componentes (morte CV, IAM não-fatal, AVC não-fatal e hospitalização por IC);

  • Como esperado, houve aumento da incidência de hipercalemia, no entanto com poucos eventos sérios relacionados ao distúrbio.


Pílula do Clube: Em pacientes com DRC e DM2, a finerenona parece reduzir o risco de progressão renal às custas do efeito na TFG, não sendo observado benefício em desfechos de maior relevância clínica.


Discutido no Clube de Revista de 11/01/2021.

Growth hormone treatment in Prader-Willi syndrome patients: systematic review and meta-analysis.

 Caroline de Gouveia Buff Passone, Rith Rocha Franco, Simone Sakura Ito, Evelinda Trindade, Michel Polak, Durval Damiani, Wanderley Marques Bernardo.


BMJ Paediatrics Open, April 2020

https://bmjpaedsopen.bmj.com/content/4/1/e000630

A síndrome de Prader-Willi (SPW) é uma doença genética rara em que ocorre perda da expressão gênica do cromossomo 15 e seus portadores apresentam alterações endócrinas devido à insuficiência hipotalâmico-hipofisária, podendo ter deficiência de GH associada (prevalência de 40 a 100%). A somatropina (rhGH) foi aprovada pelo FDA para uso na SPW, independente de ter deficiência de GH associada ou não, pois tem papel importante na melhora da composição corporal, baixa estatura, metabolismo, redução do ganho de peso e possibilidade de redução do apetite. Assim, o objetivo do presente estudo foi avaliar o impacto (eficácia e segurança) do uso de rhGH no tratamento para SPW. Como desfecho primário avaliou crescimento, índice de massa corporal (IMC), composição corporal e função cognitiva. Como desfecho secundário avaliou qualidade de vida, perímetro cefálico (PC), desenvolvimento motor/força muscular, comportamento e evento adverso (EA).

O estudo foi uma revisão sistemática e metanálise de acordo com o PRISMA e registrado no PROSPERO. Foram incluídos estudos com pacientes com SPW, com todos os tipos de alterações genéticas, com ou sem deficiência de GH. Nos ensaios clínicos randomizados (ECRs), o grupo que recebeu rhGH foi comparado com o grupo que não recebeu nenhuma droga, durante acompanhamento de pelo menos 1 ano; nos ensaios clínicos não-randomizados (ECNRs) foram avaliados os pacientes no início e final do tratamento. Todos os estudos em que os pacientes receberam pelo menos 1 dose de rhGH foram incluídos. Foram excluídos do estudo revisões narrativas, protocolos de revisão sistemática, relatos de caso, resumos, dados de pesquisas não publicadas ou artigos incompletos; além de estudos com menos de 1 ano de uso de rhGH. Nas buscas eletrônicas não houve restrições de idioma ou período. Foram utilizadas as bases de dados MEDLINE, Embase e Cochrane. A avaliação dos estudos foi feita por 2 revisores de forma independente, sendo iniciada pelo título e depois pelo resumo, se os dados não eram claros, era realizado contato com os autores por e-mail. A seleção de estudos e extração de dados foi realizada de forma independente e padronizada e não cega por 2 revisores, se houvesse discordância era selecionado um terceiro  pesquisador. A avaliação do risco de viés foi feita por 2 revisores separadamente com as seguintes ferramentas: Cochrane Collaboration Risk of Bias (ECR), New Castle Ottawa Scale (estudos de coorte) e Joanna Briggs Institute Instrument (estudos de antes e depois / coorte de braço único). As metanálises foram feitas de forma separada entre ECRs e ECNRs. As medidas de associação utilizadas foram risco absoluto, diferença de médias, desvio padrão (DP) e intervalo de confiança (IC) de 95%. O estudo ainda dividiu a população estudada em dois subgrupos (lactentes - menos de 3,5 anos-  e crianças/adolescentes) com intuito de procurar diferenças no início precoce do rhGH. 

Para avaliação do crescimento foram utilizadas as curvas da OMS e CDC para idade e sexo e a velocidade de crescimento (VC) foi medida em cm/ano ou DP. Para avaliação do IMC também foram utilizadas as curvas da OMS e CDC para sexo e idade. Para o PC foram utilizadas as curvas da CDC e alguns estudos utilizaram as curvas holandesas para sexo e idade. Em relação à função cognitiva, qualidade de vida e comportamento foram utilizados vários tipos de questionários diferentes, todos eles validados. Para composição corporal foi utilizada densitometria por emissão de raio-x de dupla energia e avaliada a proporção da massa corporal total/massa gorda truncal (Kg) ou DP de massa magra. O desenvolvimento motor/força muscular foram avaliados por diferentes tipos de medidas. Os EAs avaliados foram alterações do sono, cefaleia, edema periférico, escoliose, diabetes e mortalidade. 

Foram incluídos no estudo 16 ECRs e 20 ECNRs. Para avaliação do crescimento, nos ECRs a população foi dividida nos dois subgrupos e em ambos houve melhora na estatura no grupo que utilizou rhGH (nos lactentes melhora de 1,08 DP e no grupo das crianças/adolescentes 1,87 DP) em que foram utilizados estudos de alta qualidade; entre os ECNRs, também houve melhora na estatura (1,52 DP), porém os estudos incluídos eram de baixa qualidade. A VC foi avaliada em 3 estudos e teve melhora de 5,44 cm comparada com o grupo controle, porém os estudos incluídos eram de baixa qualidade. Para avaliação do IMC, os ECRs demonstraram queda de -0,67 DP no grupo que recebeu GH e os estudos eram de alta qualidade; nos ECNRs não houve diferença entre os grupos e os estudos eram de muita baixa qualidade. Em relação à redução de porcentagem de massa gorda, nos ECRs houve uma redução significativa de massa gorda de -6,5% comparado com o grupo controle, sendo utilizados estudos de alta qualidade; nos ECNRs também houve redução significativa na redução de massa gorda de -7,04%, porém os estudos eram de baixa qualidade. A avaliação da massa magra foi feita nos ECR e houve uma melhora da mesma de 2,03 DP comparado com o grupo controle e foram incluídos estudos de moderada-alta qualidade. A avaliação do PC também foi feita nos ECRs e houve melhora de 0,55 cm no grupo que recebeu GH, sendo incluídos estudos de moderada qualidade. Para avaliação de função cognitiva, comportamento, desenvolvimento motor/força muscular e qualidade de vida não foi possível fazer metanálise, pois foram utilizados diferentes questionários nos estudos. Em relação à função cognitiva somente 1 dos estudos não demonstrou melhora após uso do rhGH. Para avaliação de comportamento, não houve diferença entre os grupos nos estudos; já para avaliação de desenvolvimento motor/força muscular houve melhora significativa entre os grupos que utilizou rhGH, principalmente naqueles que iniciaram o uso de forma mais precoce. Para os EAs foram usados estudos de antes e depois, que avaliaram mais pacientes e tiveram um seguimento mais longo, e estes foram pouco prevalentes, em um total de 227; entre eles escoliose (N=64), apneia do sono (N= 35) e diabetes tipo II (N=11). No Clube foram discutidos os seguintes pontos:

  • O principal ponto forte do estudo foi ser a primeira metanálise que avalia o uso de rhGH em um grande número de pacientes com SPW e avaliou diferentes domínios, permitindo uma visão geral do impacto do tratamento com a medicação;

  • Mostrou também que o uso de rhGH durante a infância promoveu melhora na estatura, composição corporal e VC; além disso, a maioria dos estudos de função cognitiva relatou melhora nas diferentes medidas utilizadas;

  • Apesar dos pontos positivos, houve algumas limitações como a grande variabilidade entre os estudos, principalmente em relação aos questionários/avaliações de função cognitiva, qualidade de vida e comportamento. Mesmo em estudos de coorte, houve dificuldade para acessar todas as informações sobre efeitos adversos, impossibilitando de comentar totalmente sobre a segurança da medicação. E se viu que há poucos ECRs comparando uso de GH em SPW.


Pílula do Clube: O tratamento com rhGH pode promover melhora na estatura, composição corporal e IMC, modificando a história natural da doença; além de poder estar implicado na melhora da cognição e do desenvolvimento motor se iniciado de forma precoce.


Discutido no Clube de Revista de 04/01/2021.

A Placebo-Controlled Trial of Subcutaneous Semaglutide in Nonalcoholic Steatohepatitis

 P.N. Newsome, K. Buchholtz, K. Cusi, M. Linder, T. Okanoue, V. Ratziu, A.J. Sanyal, A.-S. Sejling, and S.A. Harrison, for the NN9931-4296 Investigators


N England J Med 2020, Nov 13. Online ahead of print

https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2028395


Até o presente momento não há farmacoterapias aprovadas para o tratamento da NASH. A liraglutida, um análogo de GLP-1, demonstrou em estudos prévios melhorar níveis de enzimas hepáticas e reduzir esteatose hepática. Já a semaglutida, outro análogo do GLP-1, é aprovado para o tratamento do DM2 e está em estudo para uso para controle de peso. Estudo anteriores mostraram que além da perda de peso e controle glicêmico, a semaglutida esteve relacionada a redução dos níveis de alanina aminotrasferase  e marcadores de inflamação. O presente estudo de fase 2, randomizado, controlado por placebo, com duração de 72 semanas e período posterior de 7 semanas de follow-up, teve como objetivo investigar o efeito da semaglutida na resolução histológica de NASH em paciente portadores desta condição com fibrose hepática confirmada por biópsia. 

Foram incluídos pacientes entre 18 e 75 anos, com ou sem DM2 cujo IMC era igual ou superior 25 e tinham evidência histológica de NASH confirmada por biópsia hepática (escore de atividade para doença gordurosa não-alcoólica (NAS) ≥ 4 e estágio de fibrose 2,3, alterado para estágio de fibrose 1,2 e 3 durante julgamento). Foram excluídos aqueles com: HbA1c > 9,5% (alterado para > 10% durante ensaio), que tinham doença hepática crônica por causas diferentes de NASH, consumiam álcool em excesso (>20g/dia em mulheres e > 30 g/dia em homens) e que estavam em uso de medicações concomitantes confundidoras, incluindo vitamina E e pioglitazona. Os pacientes foram randomizados para receber a semaglutida uma vez por semana na dose de 0,1, 0,2 ou 0,4 mg ou placebo correspondente numa proporção 3:3:3: 1:1:1. A dose inicial de semaglutida foi de 0,05 mg sendo então aumentada para 0,1 mg a cada 4 semanas, até a dose alvo ser atingida. Os dados da biópsia realizada durante o período de triagem foram usados no baseline e uma biópsia adicional com a  finalidade de comparação foi realizada na semana 72, cada biópsia foi avaliada por 2 patologistas para definir estágio de fibrose e atividade de doença. O desfecho primário consistia na resolução da NASH, definida como não mais do que células inflamatórias residuais leves e nenhuma balonização do hepatócito (ambos avaliados com base no escore de atividade para doença gordurosa não alcoólica) somado a nenhum agravamento do estágio de fibrose hepática. Os desfechos secundários confirmatórios consistiam em melhora de pelo menos um estágio de fibrose somado a nenhuma piora da NASH, sendo a piora definida como aumento ≥1 ponto no escore de inflamação lobular ou no escore de balonização do hepatócito após 72 semanas. Os desfechos histológicos 2os consistiam na mudança do baseline até a 72a semana no estágio de fibrose, no escore total de atividade da doença hepática não alcoólica e nos subescores dos componentes da doença hepática gordurosa (esteatose, balonização do hepatócito e inflamação). Outros desfechos 2os incluíam mudança do baseline até a 72a semana nos níveis de enzimas hepáticas séricas, biomarcadores exploratórios, rigidez e esteatose hepática, peso corporal, metabolismo de glicose, pressão arterial e perfil lipídico. Os desfechos de segurança incluíam eventos adversos após início do tratamento através de avaliação clínica e laboratorial. 

De janeiro de 2017 a setembro de 2018, 320 pacientes foram randomizados para receber semaglutida na dose diária de 0,1 mg (80 pacientes); 0,2 mg (78 pacientes); 0,4 mg (82 pacientes) e placebo (80 pacientes). Do total, 95% dos pacientes completaram o estudo e 89% completaram o tratamento. Informações necessárias para avaliar desfechos primários e secundários estavam disponíveis em 87% dos pacientes que possuíam biópsia realizada na semana 72, já para os 13% restantes estes resultados foram classificados como sem resposta e dados foram tratados por imputação múltipla do grupo placebo. A porcentagem de pacientes com fibrose estágio F2 ou F3 em que a NASH foi resolvida sem agravamento da fibrose após a 72a semana (desfecho 1o) foi significativamente maior no grupo semaglutida quando comparado ao grupo placebo (59% no grupo semaglutida 0,4 mg versus 17% no grupo placebo; OR 6,87; IC95% 2,60 – 17,63). Resultados semelhantes foram encontrados na análise de sensibilidade em que a imputação múltipla foi usada para contabilizar dados ausentes (62% no grupo semaglutida de 0,4 mg versus 18% no grupo placebo; OR 7,33; IC95%, 2,92 a 18,44). A diferença entre a semaglutida de 0,4 mg e o grupo placebo nos pacientes que tiveram uma melhora de pelo menos um estágio de fibrose sem piora da NASH após 72 semanas (desfecho 2o confirmatório) não foi significativo (43% e 33%, respectivamente; OR 1,42; IC95%, 0,62 a 3,28; P=0,48). Resultados concordantes  foram encontrados na análise de sensibilidade para dados ausentes (50% no grupo semaglutida 0,4 mg e 35% no grupo placebo; OR 1,67; IC95%, 0,75 a 3,7). Os resultados das análises que incluíram todos os pacientes submetidos a randomização, ou seja, aqueles com qualquer estágio de fibrose (F1, F2 e F3) eram consistentes com a análise principal (que incluiu apenas pacientes com fibrose estágios F2  e F3) tanto para o desfecho 1o quanto para os desfechos 2os.

Entre todos os pacientes randomizados, houve um agravamento da fibrose hepática em, respectivamente, 10%, 8% e 5% dos pacientes no grupo semaglutida 0,1 mg; 0,2 mg e 0,4 mg. A porcentagem de pacientes que tinham resolução NASH e melhora ≥1 ponto no escore de atividade da doença hepática gordurosa não alcoólica foi observada em 71% dos paciente no semaglutide 0,1 mg, em 80% no grupo 0,2 mg e em 83% no grupo 0,4 mg em comparação com 44% no grupo placebo. Reduções nas enzimas hepáticas dependentes da dose foram observadas no grupo semaglutida. Também foram observadas reduções dose dependentes no grupo semaglutida no peso corporal e no nível de hemoglobina glicada nos pacientes com ou sem DM2. A porcentagem média de perda ponderal foi de 5% no grupo semaglutida 0,1 mg; 9% no grupo 0,2 mg; 13% no grupo 0,4 mg e 1% no grupo placebo. Em relação a segurança os distúrbios gastrointestinais foram os mais prevalentes, sendo também o principal motivo para descontinuar o tratamento. Eventos adversos graves foram relatados em uma porcentagem maior de paciente nos grupos semaglutida variando entre 15-19% versus 10% no grupo placebo. Nenhum caso de pancreatite aguda foi relatado. Neoplasias benignas, malignas e não especificadas (cistos e pólipos) foram relatados em 15% dos pacientes no grupos semaglutida vs. 8% no grupo placebo, sendo os pólipos no intestino grosso e cisto renal  as neoplasias mais comuns. Neoplasias malignas foram relatadas em 3 pacientes (1%) do grupo semaglutida e em nenhum paciente no grupo placebo. No clube de revista foram discutidos os seguintes pontos:

  • O fato do desfecho 1o não ter sido ajustado para o peso corporal, assim como os desfechos secundários não terem sido ajustados para múltiplas comparações, pode gerar um fator de confusão, uma vez que a melhora no escore de atividade para doença gordurosa não alcoólica, bem como o fator de proteção para progressão de  fibrose hepática podem também ter relação ao efeito da semaglutida na perda de peso e seu consequente efeito positivo na NASH;

  • As mudanças de planejamento inicial ao longo do estudo foram um ponto negativo (ex: inicialmente iriam analisar apenas pacientes com graus de fibrose graus 2 e 3, durante julgamento foram acrescidos pacientes com fibrose grau 1).


Pílula do Clube: O presente estudo mostrou que o tratamento com semaglutida resultou numa porcentagem significativamente maior de pacientes com resolução da NASH em comparação ao placebo, no entanto nos faltam dados para mostrar se esta melhora se deve a perda ponderal ocasionada pela semaglutida ou a algum outro mecanismo da medicação, uma vez que os desfechos 1os e 2os não foram ajustados para peso corporal. 


Apresentado no Clube de Revista em 14/12/2020.

Evaluation of Time to Benefit of Statins for the Primary Prevention of Cardiovascular Events in Adults Aged 50 to 75 Years - A Meta-analysis

 Lindsey C. Yourman, Irena S. Cenzer, W. John Boscardin, Brian T. Nguyen, Alexander K. Smith, Mara A. Schonberg, Nancy L. Schoenborn, Eric W. Widera, Ariela Orkaby, Annette Rodriguez, Sei J. Lee. 


JAMA Intern Med. Published online November 16, 2020.  

https://jamanetwork.com/journals/jamainternalmedicine/article-abstract/2773065?resultClick=1

 

As diretrizes recomendam o uso de estatinas para prevenção primária em pacientes com idade entre 40 e 75 anos que tenham elevado risco cardiovascular em 10 anos. O tempo para benefício (TTB) da estatina não é conhecido. Para melhor individualização do uso de estatina em adultos mais idosos é necessário saber o TTB. O objetivo da metanálise foi identificar o TTB para o primeiro evento cardiovascular maior (MACE) em adultos com idade entre 50 e 75 anos.

Foram incluídos somente estudos com mais de 1.000 participantes, com idade média de 55 anos ou mais. Pelo foco ser em prevenção primária, foram selecionados estudos com menos de 15% dos participantes com doença cardiovascular prévia. Os autores identificaram os estudos através de revisões sistemáticas publicadas pela Cochrane e pela US Preventive Services Task Force, além de MEDLINE e Google Scholar. Para obter o TTB de cada estudo, foram utilizadas curvas de sobrevida de Weibull e simulações de Monte Carlo via cadeias de Marlov para estimativa de tempo para limiares de redução de risco absoluto (ARR) (0,2%, 0,5% e 1%) para cada estudo.

Foram identificados 8 ensaios clínicos randomizados, com um total de 65.383 participantes, dos quais 66,3% eram homens. O tamanho dos estudos variou entre 1.129 e 17.802 pessoas. A idade media variou de 55 (45-64) a 69 (65-75) anos. A prevalência de doença cardiovascular prévia foi de menos de 10% em todos os estudos. O tempo médio de acompanhamento variou de 2 a 6 anos. A redução absoluta do risco de MACE variou de 0,4-3,9%. Somente um estudo mostrou redução de mortalidade por todas as causas com o uso de estatinas e apenas um outro estudo demonstrou diminuição de mortalidade cardiovascular. Foram necessários 2,5 anos (IC95% 1,7 a 3,4) para prevenir um MACE por 100 adultos com idade entre 50-75 anos tratados com estatina. 

Essa metanálise de sobrevida sugere que a prescrição de estatinas como prevenção primária é mais adequada para adultos com idade entre 50-75 anos com expectativa de vida superior a 2,5 anos. Individualmente, os pacientes podem ser mais bem atendidos aplicando o TTB de estudos individuais que se enquadrem nas suas características específicas. Os seguintes pontos foram discutidos no Clube de Revista:

  • Não foi realizada revisão sistemática. No entanto, os autores esclareceram bem os métodos de pesquisa e os critérios parecem adequados; 

  • Levando em conta a ideia de analisar populações com idade mais avançada, chama atenção o fato do valor de 50 anos ser arbitrário, pois não se enquadra em definição de população idosa; 

  • Nenhum dos estudos era com sinvastatina, a estatina disponível no SUS;

  • Não se espera que pessoas perto dos 50 anos geralmente tenham uma expectativa de vida menor do que 2,5 anos, logo, este seria um tempo curto para o benefício da estatina em redução de MACE;

  • Não foi levado em conta o risco cardiovascular dos pacientes.


Pílula do Clube: Este estudo demonstrou que o tempo de tratamento com estatina para prevenção primário de 1 MACE em 100 pacientes com 50 a 75 anos é de 2,5 anos. Logo, pode-se utilizar este tempo para considerar ou não o uso de estatina em pacientes com alguma condição que limite a sua expectativa de vida.


Discutido no Clube de Revista em 07/12/2020.

Golimumab and Beta-Cell Function in Youth with New-Onset Type 1 Diabetes

 Teresa Quattrin, Michael J Haller, Andrea K Steck, Eric I Felner, Yinglei Li, Yichuan Xia, Jocelyn H Leu, Ramineh Zoka, Joseph A Hedrick, Mark R Rigby, Frank Vercruysse, T1GER Study Investigators.


N Engl J Med 2020, 383(21):2007-2017.


O diabetes mellitus tipo 1 (DM1) é doença que afeta aproximadamente 13 milhões de pessoas com importante impacto em morbimortalidade dos indivíduos acometidos. A fisiopatologia inclui agressão imunomediada às células beta pancreáticas, sendo que em mais de 90% dos casos há pelo menos um autoanticorpo positivo. O desenvolvimento da doença se dá em 3 etapas didaticamente divididas, sendo a primeira quando ocorre o surgimento dos autoanticorpos; na segunda há início de disglicemia e na terceira ocorre há doença estabelecida, com necessidade de tratamento com insulina. Estudos prévios em pacientes com DM1 recém diagnosticado e utilizando medicamentos capazes de interferir em mediadores de inflamação relacionados à fisiopatologia do DM1 demonstraram sucesso parcial em preservação de peptídeo C/atividade de células beta pancreáticas. O golimumabe é um anticorpo monoclonal humano capaz de impedirem a ligação do TNF alfa aos receptores, inibindo/neutralizando mediadores inflamatórios tóxicos para células beta. Atualmente este medicamento já é aprovado para tratamento de doenças como espondilite anquilosante, retocolite ulcerativa, artrite reumatoide, entre outras.

O estudo em questão tem como objetivo avaliar se o tratamento com golimumabe pode preservar a função de células beta pancreáticas e melhorar parâmetros clínicos e metabólicos do diabetes em crianças e adultos jovens com diagnóstico recente de DM1. É um estudo de fase 2, multicêntrico (27 centros dos EUA) e duplo cego em que participantes entre 6-21 anos com diagnóstico de DM1 nos 100 dias anteriores e com pelo menos 1 anticorpo positivo foram randomizados 2:1 para golimumabe ou placebo por 52 semanas. Desfecho primário era a produção de insulina endógena avaliada por área sob a curva do peptídeo C no teste de tolerância de refeição mista de 4h na semana 52.

Ao total 84 participantes foram randomizados (56 no grupo golimumabe e 28 no grupo placebo). O grupo golimumabe teve área sob à curva do peptídeo C com menor variação em relação ao grupo placebo nas 52 semanas (0,78 ± 0,4 para 0,64 ± 0,42 pmol/ml versus 0,88 ± 0,63 para 0,43 ± 0,39 pmol/ml; P<0,001). Houve prolongamento do tempo de “lua de mel”, avaliado como remissão parcial (dose total de insulina ajustada pela HbA1c) no grupo golimumabe (43% dos participantes) em relação ao placebo (7% dos participantes) na semana 52. Não houve diferença significativa na hemoglobina glicada entre os grupos, porém a dose total de insulina na semana 52 era menor no grupo golimumabe em relação ao placebo, o aumento nas doses de insulina ao longo do tempo foi menor no grupo placebo e, ao final do estudo, 12% dos participantes do grupo golimumabe e 0 no grupo intervenção estavam utilizando dose menor ou igual a 0,25 Ui/kgdia. Pontos discutidos no Clube de Revista:

  • O golimumabe parece ter algum efeito sobre a progressão da DM1, porém por ser uma doença complexa que envolve diversos marcadores e os resultados encontrados parecem ter pouca relevância clínica;

  • Resultados encontrados são semelhantes a achados de outros estudos com agentes imunobiológicos já previamente publicados;

  • Intervenções farmacológicas que atuassem em etapas mais precoces (fases 1 ou 2) do desenvolvimento do DM1 poderiam ter maior benefício;

  • Haviam diferenças entre os grupo controle e intervenção nas características do baseline que provavelmente estão relacionadas ao N pequeno (estudo de fase 2);

  • Não ficou claro o impacto da hipoglicemia nos grupos visto que o artigo traz que não houve diferença entre grupo intervenção e controle, porém na tabela de eventos adversos é possível perceber que houve 13 eventos no grupo golimumabe (23%) versus 2 eventos no grupo placebo (7%).


Pílula do Clube: neste estudo de fase 2, o golimumabe demonstrou aumento da produção de insulina endógena em crianças e adolescentes com diagnóstico recente de DM1, porém sem repercussão clínica claramente relevante. Além disso, o custo elevado, riscos associados ao medicamento e seu baixo impacto em desfechos clínicos ainda limitam essa terapêutica.


Discutido no Clube de Revista de 30/11/2020.

Semaglutide and Cardiovascular Outcomes in Obesity without Diabetes

  A. Michael Lincoff, Kirstine Brown‐Frandsen, Helen M. Colhoun, John Deanfield, Scott S. Emerson, Sille Esbjerg, Søren Hardt‐Lindberg, G. K...