Lena M.S. Carlsson, Kajsa Sjoholm, Peter Jacobson, Johanna C. Andersson‑Assarsson, Per‑Arne Svensson, Magdalena Taube,Bjorn Carlsson, and Markku Peltonen.
N Engl J Med 2020;383:1535-43.
https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2002449
Neste estudo, foi investigada a mortalidade ao longo de mais de 20 anos, e foi feita a estimativa de expectativa de vida de pacientes após a cirurgia bariátrica, naqueles obesos com tratamento convencional vs. população em geral. Trata-se de estudo prospectivo, não randomizado, pareado, observacional, conduzido em 25 departamentos públicos de cirurgia e 480 centros de atenção primária na Suécia. Os pacientes foram recrutados entre setembro de 1987 e janeiro de 2001, por divulgação em mídias sociais. Os critérios de inclusão foram idade entre 37 e 60 anos e IMC (índice de massa corporal, em kg/m²) de pelo menos 34 em homens e pelo menos 38 em mulheres. Os dados coletados foram cruzados com os dados disponíveis no Registro de Endereço da População Sueca e no Registro Sueco de Causa da Morte para obter informações sobre todas as mortes desde o início do estudo até 31 de dezembro de 2018. Os pacientes foram incluídos na análise de acordo com a intervenção que receberam. Para estimar as diferenças na sobrevida em “anos de vida”, uma abordagem paramétrica foi adaptada para calcular o “tempo até a morte”. O modelo de regressão de riscos proporcionais de Gompertz foi escolhido com base nos critérios de informação de Akaike.
Chegou-se a 2.007 pacientes no grupo que fez cirurgia e 2.040 no grupo controle. Os pacientes do grupo de cirurgia foram submetidos à bandagem gástrica (18%), gastroplastia vertical com bandagem (69%), ou bypass gástrico (13%); já aqueles do grupo controle receberam tratamento convencional para obesidade, não padronizado. A intervenção começou no dia da cirurgia para os indivíduos do grupo de cirurgia e nesse mesmo dia para seus controles correspondentes. Foi utilizada uma coorte de referência, do Swedish Obese Subjects (SOS) reference study, estudo realizado entre 1994 e 1999, através de amostra aleatória de 1.135 pessoas de 37 a 60 anos. Os pacientes do grupo cirurgia eram mais jovens (idade média, 47,2 vs. 48,7 anos), eram menos propensos a ter uma educação universitária, tinham IMC médio mais alto (42,4 vs. 40,1), prevalências mais altas de hipertensão e diabetes, níveis médios de insulina e colesterol total mais elevados. As mudanças no IMC foram pequenas, em média, no grupo de controle; no grupo de cirurgia houve redução de 11 kg/m² no IMC no primeiro ano após a cirurgia, seguido por recuperação parcial do peso e estabilização após 8 anos, quando a média de IMC permaneceu 7 kg/m² menor do que o IMC basal. Durante o acompanhamento, houve 457 mortes no grupo de cirurgia, correspondente a um número de mortes por 1000 pessoas-ano de 10,7 (Intervalo de confiança [IC] 95% 9,7 a 11,7); no grupo controle houve 539 mortes, equivalente a 13,2 mortes por 1000 pessoas-ano (IC95%, 12,1 a 14,3); e apenas 125 mortes na coorte de referência, ou seja, 5,2 mortes por 1000 pessoas-ano (IC95%, 4,4 a 6,2). Em relação ao grupo controle, a mortalidade foi mais baixa no grupo cirurgia (Hazard Ratio [HR] 0,77; IC95% 0,68 a 0,87; P<0,001) e também na coorte de referência (HR 0,44; IC95% 0,31 a 0,48; P<0,001). Após ajuste para fatores de risco de linha de base, houve diferença entre o risco de mortalidade geral: 30% menor no grupo de cirurgia em relação ao controle (HR 0,70; IC95% 0,61 a 0,81), e 62% menor na coorte de referência em relação ao grupo controle ( HR 0,38; IC95% 0,31 a 0,47). A expectativa de vida média foi 3,0 anos (IC95% 1,8 a 4,2) a mais no grupo de cirurgia em relação ao grupo controle (P<0,001), e 8,5 anos (IC95%, 6,4 a 10,5) a mais na coorte de referência em relação ao grupo controle (P<0,001), ambos após ajustes. Assim, no grupo de cirurgia, a expectativa de vida média foi 5,5 anos (IC95% 3,4 a 7,6) mais curto do que na coorte de referência (P<0,001). As causas mais comuns de morte foram doenças cardiovasculares (388 mortes) e câncer (301 mortes). Para mortes por doença cardiovascular, em relação ao grupo controle, o risco foi 30% menor no grupo cirurgia (HR 0,70; IC95% 0,57 a 0,85); e para mortes causadas por câncer, o risco foi 23% menor (HR 0,77; IC95% 0,61 a 0,96). Pontos discutidos no clube de revista:
Uma limitação do presente estudo é que a intervenção de cirurgia bariátrica não foi randomizada, os pacientes escolheram seu tratamento, fato explicado por considerações éticas na década de 1980, relacionadas à alta mortalidade pós-operatória deste tipo de cirurgia;
As características do grupo cirurgia foram em geral de maior gravidade (maior IMC, maiores taxas de hipertensão, diabetes, tabagismo, colesterol), o que nos leva a crer que em um estudo randomizado, com grupos mais equilibrados, o benefício seria maior;
Por ser um estudo com longo período de seguimento (um ponto forte), foram utilizadas técnicas cirúrgicas que raramente são usadas hoje (uma limitação);
Não foram claramente descritas neste estudo as perdas de pacientes ou como foram contabilizados os casos de mudanças de intervenção;
O aumento nas taxas de suicídio que vem sendo descrito em estudos e corroborado neste, mostra a importância de uma avaliação psiquiátrica bem feita no pré-operatório, capaz de identificar necessidade de tratamento psiquiátrico prolongado no pós operatório ou até mesmo de contraindicar a cirurgia.
Pílula do Clube: a expectativa de vida entre pacientes com obesidade que receberam tratamento convencional foi de aproximadamente 8 anos mais curta do que na população em geral, e esta diferença foi diminuída pela cirurgia bariátrica, que resultou em um aumento de 3 anos de vida em relação ao cuidado usual.
Discutido no Clube de Revista de 23/11/2020.