sexta-feira, 29 de março de 2024

Semaglutide and Cardiovascular Outcomes in Obesity without Diabetes

 A. Michael Lincoff, Kirstine Brown‐Frandsen, Helen M. Colhoun, John Deanfield, Scott S. Emerson, Sille Esbjerg, Søren Hardt‐Lindberg, G. Kees Hovingh, Steven E. Kahn, Robert F. Kushner, Ildiko Lingvay, Tugce K. Oral, Marie M. Michelsen, Jorge Plutzky, Christoffer W. Tornøe, and Donna H. Ryan, for the SELECT Trial Investigators*


N Engl J Med 2023, 389(24):2221-2232.

https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2307563 


A obesidade é um importante fator de risco para mortalidade cardiovascular. Estima-se que em 2035 mais da metade da população mundial terá sobrepeso ou obesidade. Adicionalmente, estimativas apontam que em 2015 a obesidade esteve associada a 4 milhões de mortes globalmente e cerca de dois terços destas foram causadas por doença cardiovascular. O aumento do risco cardiovascular na obesidade está associado ao aumento de dislipidemia, hipertensão e diabetes nessa população. 

Apesar do grande número de evidências mostrando que o tratamento da dislipidemia, do diabetes e da hipertensão podem reduzir o risco cardiovascular, o mesmo não ocorre com tratamentos farmacológicos ou de mudança do estilo de vida para obesidade. Ademais, algumas medicações como anfetaminas podem aumentar o risco cardiovascular em pacientes de alto risco. Adicionalmente, os análogos do GLP-1 já demonstraram reduzir eventos cardiovasculares maiores (MACE), mortalidade cardiovascular, infarto e AVC fatal e não fata em pacientes com diabetes e obesidade.

Nesse contexto, o estudo SELECT teve o objetivo de avaliar se a adição de semaglutida ao tratamento padrão será superior ao placebo em reduzir o risco de eventos cardiovasculares maiores em pacientes com sobrepeso ou obesidade e doença cardiovascular preexistente e sem diabetes.

Este foi um estudo randomizado na proporção de 1:1 (semaglutida 2,4 mg semanal vs. placebo), duplo cego, controlado por placebo, multicêntrico (804 centros em 41 países), de superioridade e patrocinado pela indústria farmacêutica (Novo Nordisk). Foram incluídos pacientes ≥ 45 anos, com IMC ≥ 27 kg/m2 e com doença cardiovascular estabelecida, definida por história prévia de infarto do miocárdio (IAM), acidente vascular cerebral (AVC) ou doença arterial periférica sintomática (claudicação intermitente com ITB < 0,85 ou revascularização periférica ou amputação por doença aterosclerótica). Os principais critérios de exclusão foram: diabetes, uso de aGLP-1 ≤ 90 dias, NYHA IV, DRC estágio terminal ou em diálise, intervalo inferior a 60 dias de um evento cardiovascular ou cerebrovascular e plano de revascularização periférica, carotídea ou coronariana. 

O desfecho primário foi MACE (composto por IAM não fatal, AVC não fatal ou morte por causa cardiovascular) e foi avaliado através do tempo até a ocorrência do primeiro evento. Os desfechos secundários foram avaliados de forma hierárquica para controle de erro tipo 1 e também através do tempo até a ocorrência do primeiro evento. Os desfechos secundários foram: morte por causa cardiovascular, um desfecho composto para insuficiência cardíaca (morte cardiovascular, hospitalização, visita médica urgente por insuficiência cardíaca), e morte por todas as causas. 

O tamanho amostral foi calculado em 1225 eventos para atingir um poder de 90% para detectar uma redução do risco relativo de 17% para o desfecho primário (HR 0,83), com um nível de significância mono-caudal de 0,025. Foi determinado que seriam necessários 17500 pacientes assumindo a taxa de evento para o desfecho primário de 2,2% por ano no grupo placebo, duração de 59 meses e perda de seguimento de 1% por ano nos dois grupos. A análise foi por intenção de tratar. 

Entre 2018 e 2021, 8803 participantes foram randomizados para o grupo semaglutida e 8801 para o grupo placebo. Os participantes não diferiram quanto a idade (61,6±8,9 anos), sexo (maioria homens), etnia (maioria brancos), IMC ou fatores de risco cardiovasculares. Grande parte dos participantes possuía pré-diabetes e 70% tinham obesidade, sendo a média de IMC de 33,3 kg/m2. Os níveis de LDL era 78 em ambos os grupos e a pressão arterial sistólica era aproximadamente 131 mmHg.

O desfecho primário, ocorreu em 569 (6,5%) participantes no grupo Semaglutida e 701 (8%) no grupo placebo, com um hazard ratio de 0,80 (IC95% 0,72 a 0,9; P<0,001). Quanto aos desfechos secundários, embora o numero de mortes por causa cardiovascular tenha sido maior no grupo placebo, o nível de significância para a análise hierárquica não foi atingido, e assim não foi realizada análise de superioridade para os demais desfechos secundários. A média de perda de peso na semana 104 foi de -9,39% no grupo Semaglutida e -0,88% no grupo placebo. Houve maior redução da pressão sistólica e do colesterol LDL no grupo Semaglutida. Os principais efeitos adversos que levaram a descontinuação da medicação foram gastrointestinais e ocorreu com maior frequência no grupo Semaglutida. Não houve diferença quanto a eventos adversos de interesse especial como câncer, falência renal e pancreatite aguda. O grupo semaglutida teve uma maior frequência de eventos adversos relacionados a vesícula biliar. Principais pontos discutidos no Clube:

  • Este é um estudo de alta qualidade metodológica que trouxe um resultado de grande importância clinica;

  • Um dos pontos discutidos foi a respeito do mecanismo pelo qual a semaglutida pode reduzir o risco cardiovascular. Sabemos que a grande perda de peso no grupo ativo também reduziu outros fatores de risco como circunferência abdominal, pressão, glicemia e dislipidemia, o que poderia ser responsável pela redução do risco cardíaco. Mas adicionalmente alguns estudos também demonstram que análogos do GLP-1 estão associados a redução de marcadores inflamatórios, o que poderia melhorar a disfunção endotelial e consequentemente a agregação plaquetária, o que poderia ter algum grau de participação na redução do risco;

  • Algumas limitações discutidas envolveram a menor representatividade de pacientes do sexo feminino e de pretos e pardos na população em estudo, bem como a limitação destes resultados para pacientes com doença cardiovascular preexistente. 


Pílula do Clube: Em pacientes com IMC ≥ 27 kg/m2 e doença cardiovascular sem diabetes, a semaglutida reduziu o risco do desfecho composto por morte por causa cardiovascular, infarto não fatal e AVC não fatal em 20%. Ainda que não seja possível diferenciar os efeitos específicos do medicamento vs. da perda de peso per se, este é o primeiro estudo que demonstra a redução de risco cardiovascular em pacientes com sobrepeso ou obesidade com um tratamento farmacológico.


Discutido no Clube de Revista de 27/11/2023.

Semaglutide in Patients with Heart Failure with Preserved Ejection Fraction and Obesity

 M.N. Kosiborod, S.Z. Abildstrøm, B.A. Borlaug, J. Butler, S. Rasmussen, M. Davies, G.K. Hovingh, D.W. Kitzman, M.L. Lindegaard, D.V. Møller, S.J. Shah, M.B. Treppendahl, S. Verma, W. Abhayaratna, F.Z. Ahmed, V. Chopra, J. Ezekowitz, M. Fu, H. Ito, M. Lelonek, V. Melenovsky, B. Merkely, J. Núñez, E. Perna, M. Schou, M. Senni, K. Sharma, P. Van der Meer, D. von Lewinski, D. Wolf, and M.C Petrie, for the STEP-HFpEF Trial Committees and Investigators*


N Engl J Med 2023, 389(12):1069-1084.

https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2306963 


A prevalência de insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada está aumentando e a grande maioria das pessoas com a doença em questão apresentam sobrepeso ou obesidade, sendo que ambas não parecem ser apenas condições coexistentes e sim desempenhar um papel no desenvolvimento e na progressão. A presença de adiposidade visceral aumenta a inflamação, hipertrofia ventricular esquerda, gera maior resistência à insulina e disfunção diastólica e sistólica do ventrículo esquerdo, bem como impacto negativo na pressão arterial, músculo esquelético e na disfunção física. Tais alterações fazem com que os pacientes com obesidade e ICFEp apresentem um quadro clínico diferente quando comparado aos pacientes sem obesidade, ou seja, maior carga de sintomas, pior capacidade funcional e qualidade de vida.  As reduções nos sintomas e as melhorias na função física são, portanto, consideradas fundamentais no manejo da doença. 

Por sua vez, a semaglutida tem sido associada a perda de peso significativa em pessoas com sobrepeso ou obesidade e parece ter efeitos favoráveis sobre fatores de risco cardiometabólicos. Portanto, questiona-se se a semaglutida 2.4mg/semana, em pacientes com icfep e obesidade, além da perda de peso, é capaz de reduzir sintomas, limitações físicas e melhora da função de exercício. foi conduzido um estudo randomizado, duplo-cego e controlado por placebo em 96 locais em 13 países na ásia, europa, e américa do norte e do sul para responder tal questionamento. 

Eram elegíveis pacientes com > 18 anos,  FE > 45%, IMC > 30, NYHA classe II-IV, uma pontuação de resumo clínico do Questionário de Cardiomiopatia de Kansas City (KCCQ-CSS) de menos de 90 pontos (as pontuações variam de 0 a 100, com pontuações mais altas indicando menos sintomas e limitações físicas), distância de caminhada de 6 minutos de pelo menos 100 m e pelo menos um dos seguintes achados: pressões de enchimento ventricular esquerda elevadas, níveis elevados de peptídeo natriurético (com limiares estratificados de acordo com o IMC basal) mais alterações ecocardiográficas ou hospitalização por insuficiência cardíaca nos 12 meses antes da triagem mais tratamento contínuo com diuréticos ou alterações ecocardiográficas. Os principais critérios de exclusão foram relatos do paciente mudança no peso corporal de mais de 5 kg dentro 90 dias antes do rastreio e história de diabetes. 

A randomização foi estratificada entre Semaglutida 2.4mg vs placebo, de acordo com o IMC basal (<35 e ≥35). O tratamento com semaglutida foi iniciado na dose de 0,25 mg uma vez semanalmente durante as primeiras 4 semanas, e a dose foi escalado a cada 4 semanas com o objetivo de alcançar a dose de manutenção de 2,4 mg na semana 16. A duração do estudo foi de 52 semanas, além do follow-up de 5 semanas. Amostra de 516 participantes foi calculada por fornecer poder de 90% para detectar uma diferença entre grupos de 4.1 pontos na mudança no KCCQ-CSS e 99% para detectar uma diferença entre grupos de 9.9% em peso corporal em um nível alfa de 4% e 1%, respectivamente. Os desfechos de eficácia foram analisados com o princípio de intenção de tratar e os desfechos de segurança foram em todos participantes randomizados e que receberam pelo menos uma dose de semaglutida ou placebo.

De março de 2021 até março de 2022, foram randomizados 529 participantes, sendo 263 para grupo da Semaglutida e 266 para grupo placebo. A descontinuação prematura do tratamento ocorreu em 42 participantes em cada um dos grupos e 256 participantes (97,3%) no grupo semaglutida e 254 (95,5%) no grupo placebo completaram o ensaio. A maioria dos participantes eram mulheres (56,1%) e brancos (95,8%), e a mediana de idade era de 69 anos. A mediana do peso corporal e o IMC foram 105,1kg e 37,0, respectivamente, sendo que 349 participantes (66,0%) tinham IMC > 35.  A mediana do KCCQ-CSS foi de 58,9 pontos e a mediana da distância percorrida no teste de caminhada de seis minutos foi de 320,0 m. 

Os dois desfechos primários foram a mudança no KCCQ-CSS e a variação percentual em peso corporal desde o início até a semana 52. A mudança média no KCCQ-CSS observada foi de 16.6 pontos no grupo semaglutida e 8.7 pontos no grupo placebo (IC 95% 4.8 a 10.9; p <0,001), enquanto a variação percentual média no peso corporal foi de -13,3% para semaglutida e -2,6% para placebo (IC 95% -11.9 a -9.4; p<0,001). O aumento médio no KCCQ-CSS de quase 8 pontos a favor da semaglutida foi significativo, considerando que outras terapias medicamentosas não apresentaram redução nos sintomas e na limitação física dessa forma. 

Já os desfechos secundários incluíram: mudança na distância no teste de caminhada de 6 minutos, mudança na proteína C reativa e um desfecho composto hierárquico (morte por qualquer causa, número e momento dos eventos de insuficiência cardíaca, diferenças de pelo menos 15, 10 e 5 pontos na mudança no KCCQ-CSS e uma diferença de pelo menos 30m no teste de na caminhada de 6 minutos). A média de mudança na distância de caminhada de 6 minutos foi de 21,5 m no grupo semaglutida e 1,2 m no grupo placebo (IC 95% 8.6 a 32.1; p <0,001); os participantes do grupo semaglutida tiveram uma redução de 43,5% no nível de PCR em comparação com uma redução de 7,3% com placebo. Já na análise do desfecho composto hierárquico, o tratamento com semaglutida resultou em mais vitórias do que o placebo, com uma taxa de vitória estratificada de 1,72 (IC 95%, 1,37 a 2,15; p <0,001). 

O tratamento com semaglutida levou a menos eventos adversos graves do que o placebo (13.3% vs 26.7%, p <0,001), sendo que essa diferença se deu às custas do menor número de eventos de distúrbios cardíacos no grupo semaglutida. Houve uma frequência semelhante de descontinuação devido a eventos adversos graves: 6 participantes em cada grupo, a maioria pela presença de sintomas gastrointestinais. Já o número de participantes que descontinuaram o tratamento devido a algum evento adverso foi 35 no grupo semaglutida e 14 no grupo placebo. Durante o estudo, 7 participantes morreram: 3 no grupo da semaglutida e 4 no grupo do placebo, sendo que uma morte julgada no grupo placebo foi cardiovascular e as outras causas foram julgadas como não cardiovasculares (3 em cada grupo). 

Citam-se algumas limitações: baixo número de participantes não-brancos, o que pode limitar a generalização dos resultados; ensaio foi elaborado para avaliar os efeitos da semaglutida sobre os sintomas, limitações físicas e função de exercício e não tinha poder adequado para avaliar eventos clínicos; duração do acompanhamento limitada por 1 ano, sendo que a durabilidade dos efeitos observados além de 1 ano não pode ser determinada; ausência de dados específicos de hemoglobina glicada; baixa porcentagem de participantes em uso de inibidores do SGLT2. No Clube de Revista foram discutidos os seguintes pontos:

  • Importância da perda de peso em pacientes com ICFEp com vistas a melhora de sintomas e de qualidade de vida;

  • Dificuldade em separar o impacto de aGLP1 por mecanismos intrínsecos cardiometabólicos vs impacto pela perda de peso;

  • Perfil de pacientes com ICFEp, geralmente com mais obesidade e sobrepeso; 

  • Relevância de avaliar sintomas relatados pelo paciente como desfecho clínico em estudos;

  • Diferença entre perda de peso intencional e não intencional em pacientes com ICFEp em termos prognósticos. 


Pílula do Clube: em pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada e obesidade, o tratamento com semaglutida uma vez por semana na dose de 2,4 mg levou a maiores reduções nos sintomas relacionados à insuficiência cardíaca e nas limitações físicas, maiores melhorias na função do exercício e maior peso perda do que o placebo.


Discutido no Clube de Revista de 20/11/2023.

Once-weekly insulin ICODEC versus once-daily insulin Degludec as part of a basal-bolus regimen in individuals with type 1 diabetes (ONWARDS 6): a phase 3a, randomised, open-label, treat-to-target trial

 David Russell-Jones, Tetsuya Babazono, Roman Cailleteau, Susanne Engberg, Concetta Irace, Maiken Ina Siegismund Kjaersgaard, Chantal Mathieu, Julio Rosenstock, Vincent Woo, David C Klonof


Lancet 2023, 402(10413):1636-1647.

https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(23)02179-7/fulltext


Múltiplas injeções diárias de insulina ainda são o esquema de tratamento para diabetes tipo 1 (DM1) mais utilizado no mundo. Nos últimos anos, o tratamento para DM1 tem evoluído com o advento de insulinas de longa ação, como glargina e degludeca, e análogos de ação rápida. Mais recentemente, insulinas de muito longa ação vêm sendo desenvolvidas com o intuito de reduzir a frequência das injeções de insulina basal, aliviando, assim, a sobrecarga ao tratamento e melhorando controle glicêmico e risco de cetoacidose diabética.A ICODEC é um análogo de insulina basal em desenvolvimento que, devido ao longo tempo de meia-vida, pode ser administrado uma vez por semana em pacientes com DM2 e DM1. 

A eficácia e segurança do vem sendo avaliadas pelo programa de estudos clínicos ONWARDS. O estudo ONWARDS 6 é o primeiro ensaio de fase 3 a investigar a eficácia e segurança da ICODEC administrada uma vez por semana em comparação com a insulina degludeca administrada uma vez por dia, ambas em combinação com insulina aspart às refeições, em indivíduos com DM1. Trata-se de um ensaio clínico randomizado de não inferioridade, multicêntrico em 99 locais em 12 países, controlado por agente ativo (ICODEC x degludeca), com seguimento de 52 semanas. 

Foram incluídos pacientes com diagnóstico de DM1, maiores de 18 anos, em tratamento com insulina basal e bolus por pelo menos um ano e com HBA1c menor de 10%. Pacientes gestantes, uso de demais medicações que pudessem interferir no controle glicêmico como corticóide, história de AVC, IAM ou angina nos últimos 180 dias e demais doenças crônicas foram excluídos. Os participantes foram randomizados na proporção de 1:1 para grupo de ICODEC + insulina asparte ou degludeca + asparte. Nem os participantes nem os investigadores estavam cegados para o tratamento do ensaio devido ao número de canetas de injeção necessárias para o mascaramento. As doses de insulina basal, assim como os ajustes de insulina rápida, foram realizados de acordo com o protocolo do estudo e o acompanhamento da glicemia foi realizado com aferição de glicemia capilar 4 vezes ao dia. Apesar de todos os pacientes terem recebido sensores de glicose intersticial, as medições das mesmas não foram utilizadas para ajustes de doses e sim a medidas de automonitoramento. 

O desfecho primário do estudo foi a mudança na hemoglobina glicada entre o baseline e a semana 26. Desfechos secundários incluíram a HbA1c na semana 52; mudança da glicemia jejum na sem 26; tempo dentro do alvo [70–180 mg/dL] entre as semanas 22 e 26 e grau de satisfação ao tratamento. Medidas de segurança e eficácia realizadas nas semanas 52. Ao todo, 582 pacientes foram randomicamente designados para receber ICODEC (n=290) ou degludeca (n=292). A idade média da população foi de 44 anos, predominantemente de etnia branca (58%), com tempo de diabetes de cerca de 20 anos em ambos os grupos, e uma média de peso de 77 Kg (IMC médio de 26). Não houve diferença entre os grupos dentre as características iniciais. Na semana 26, a partir dos valores iniciais de 7,59% (ICODEC) e 7,63% (degludeca) para HbA1c, as mudanças médias estimadas foram de -0,47 pontos percentuais e -0,51 pontos percentuais, respectivamente (diferença de tratamento estimada 0,05 pontos percentuais [IC 95% -0,13 a 0,23]), confirmando a não inferioridade do ICODEC em relação ao Degludeca (P=0,0065). A mudança em relação a glicemia de jejum no grupo ICODEC foi maior tanto na semana 26 quanto na semana 52 (-33,66 x -15, 08; P=0,0003 e -33,81 x -10,46; P<0,0001, respectivamente).

Quanto aos demais desfechos analisados, a taxa global de hipoglicemia clinicamente significativa ou grave combinada foi maior com ICODEC em comparação com o degludeca (19,9 vs 10,4 eventos por paciente-ano de exposição; taxa de risco estimada 1,9 [IC 95% 1,5 a 2,3]; P<0,0001) tanto na semana 26 quanto na semana 52. No entanto, o tempo no alvo (glicemia entre 70 - 180 mg/dL) em ambos grupos foi semelhante, em torno de 60%, assim como o tempo acima (>180 mg/dL), que variou entre 37% a 39%. O tempo em hipoglicemia, apesar dos dados de maior prevalência de hipoglicemias relatado previamente, foi inferior aos estudos prévios, com média  de 1% no grupo ICODEC e 0,7% no grupo degludeca entre as semanas 22 - 26, e 0,8% e 0,8% entre as semanas 48 - 52. 

 As doses totais de insulina foram semelhantes entre os grupos ao final do estudo, no entanto, o grupo com ICODEC apresentou uma média de dose de insulina basal mais elevada e uma menor média de dose de insulina bolus em relação à Degludeca. Os efeitos adversos foram semelhantes entre os grupos, com taxa de eventos adversos graves de 8% dentre os participantes que receberam ICODEC e 7% nos que receberam degludeca. Durante o Clube de Revista, os seguintes pontos foram discutidos:

  • A indústria farmacêutica que produz a ICODEC teve papel no desenho e condução do estudo, assim como na coleta de dados, na gestão de dados, na análise de dados e na interpretação de dados, preparação, revisão e aprovação do artigo;

  • A população do estudo com controle relativamente bom, afetando a validade externa. 


Pílula do Clube: o uso semanal da ICODEC demonstrou não inferioridade em relação à redução de HbA1c em comparação com o uso diário da degludeca em pacientes com DM1, porém esteve associado a maior risco de hipoglicemia grave e clinicamente significativa. 


Discutido no Clube de Revista 13/11/2023.

Metformin and Combined Oral Contraceptive Pills in the Management of Polycystic Ovary Syndrome: A Systematic Review and Meta-analysis

 Johanna Melin, Maria Forslund, Simon Alesi, Terhi Piltonen, Daniela Romualdi, Poli Mara Spritzer, Chau Thien Tay, Alexia Pena, Selma Feldman Witchel, Aya Mousa, and Helena Teede


J Clin Endocrinol Metab 2024, 109(2):e817-e836.

https://academic.oup.com/jcem/article/109/2/e817/7239474?login=false

 

A síndrome dos ovários policísticos (PCOS), caracterizada por anovulação, hiperandrogenismo e resistência à insulina, pode ser tratada com metformina, por melhorar o hiperandrogenismo bioquímico e a anovulação e anticoncepcionais orais combinados (ACO) por regularizarem o ciclo menstrual. Esta revisão sistemática e meta-análise teve o objetivo de avaliar a eficácia de metformina em comparação com ACO; monoterapia com ACO em comparação com metformina e ACO; e monoterapia com metformina em comparação com metformina e ACO em mulheres com PCOS em resultados antropométricos, bioquímicos, clínicos e psicológicos.

Foram identificados 46 ensaios clínicos randomizados; 25 RCTs compararam metformina com ACO, 17 compararam ACO com metformina e ACO, e 6 compararam metformina com metformina e ACO. As durações das intervenções variaram de 3 a 24 meses. No tratamento do hirsutismo, ACOs foram superiores à metformina em mulheres com IMC < 25 kg/m² (MD 1,73; CI 0,07 – 3,40), enquanto a evidência para outros grupos de IMC foi de qualidade muito baixa. ACOs foram superiores na melhoria do hiperandrogenismo bioquímico em comparação com a metformina: FAI (MD 7,08; CI 4,81 –9,36), SHBG (MD -118,61 nmol/L; CI -174,46 – -62,75), Testosterona (MD 0,48 nmol/L; CI 0,32 – 0,64).

Não foram encontradas diferenças em relação ao hirsutismo entre o tratamento com ACO e o tratamento combinado. No entanto, o tratamento combinado foi mais eficaz na melhoria dos níveis de free androgen index (MD 0,58; CI 0,36 – 0,80), SHBG (MD -16,61; CI -28,51 – -4,71) e DHEAS (MD 0,93; CI 0,54 – 1,31) em comparação com ACO isoladamente. Metformina demonstrou ser superior na redução dos níveis de insulina em jejum (MD -27,12; CI -40,65 – -13,59), colesterol total (MD -0,40; CI -0,66 – -0,14) e triglicerídeos (MD -0,15; CI -0,29 – -0,01) em comparação com ACO. Além disso, a adição de metformina ao tratamento com ACO melhorou os níveis de insulina (MD 17,03; CI 7,79 – 26,26) e resistência à insulina (MD 0,44; CI 0,17 – 0,70) em comparação com ACO sozinho. Quanto aos resultados antropométricos, não foram observadas diferenças entre os grupos analisados. Principais pontos discutidos no Clube:

  • O uso de ACOs é superior quando comparado ao uso de metformina em desfechos de hiperandrogenismo clínico e bioquímico, com pouco benefício adicional em relação ao tratamento combinado, visto apenas nos níveis de FAI, SHBG e DHEAS;
  • O uso da metformina parece ter benefício em alguns desfechos metabólicos, especialmente na resistência a insulina.

 

Pílula do Clube: o uso de anticoncepcional oral combinado é superior à metformina em desfechos de hiperandrogenismo clínico e laboratorial e o uso combinado de ACO e metformina não foi superior ao uso de ACO isolado em desfechos clínicos de hiperadrogenismo. A metformina parece ter seu papel em certos aspectos metabólicos, particularmente na melhoria da resistência à insulina.

 

Discutido no Clube de Revista de 06/11/2023.

Intranasal Carbetocin Reduces Hyperphagia, Anxiousness, and Distress in Prader-Willi Syndrome: CARE-PWS Phase 3 Trial

 Elizabeth Roof, Cheri L Deal, Shawn E McCandless, Ronald L Cowan, Jennifer L Miller, Jill K Hamilton, Elizabeth R Roeder, Shana E McCormack, Tamanna R Roshan Lal, Hussein D Abdul-Latif, Andrea M Haqq, Kathryn S Obrynba, Laura C Torchen, Alaina P Vidmar, David H Viskochil, Jean-Pierre Chanoine, Carol K L Lam, Melinda J Pierce, Laurel L Williams, Lynne M Bird, Merlin G Butler, Diane E Jensen, Susan E Myers, Oliver J Oatman, Charumathi Baskaran, Laura J Chalmers, Cary Fu, Nathalie Alos, Scott D McLean, Ajay Shah, Barbara Y Whitman, Brent A Blumenstein, Sarah F Leonard, Jessica P Ernest, Joseph W Cormier, Sara P Cotter, Davis C Ryman


J Clin Endocrinol Metab 2023, 108(7):1696-1708.

https://academic.oup.com/jcem/article/108/7/1696/6986298?login=false 


A Síndrome de Prader-Willi (Prader-Willi Syndrome - PWS) é uma condição genética causada pelo defeito da expressão paterna dos genes contidos na região 15q11-q13. Os efeitos endocrinológicos da PWS envolvem falhas no controle central da secreção hormonal, bem como alterações na sinalização endógena de fome/saciedade e de regulação emocional. A redução de hormônios produtores de ocitocina é reportada em modelos animais de PWS e em análises post mortem do tecido cerebral de indivíduos afetados, porém, as consequências da deficiência de ocitocina e os efeitos da sua reposição são desconhecidos.

O estudo de fase 3 CARE-PWS propôs-se a investigar o uso do análogo da ocitocina carbetocina e seus possíveis efeitos benéficos em hiperfagia, sintomas obsessivo-compulsivos, ansiedade e estresse associados à PWS. Trata-se de um estudo randomizado, duplo-cego, controlado por placebo, multicêntrico e de grupos paralelos conduzido em 24 centros localizados na Austrália, Estados Unidos e Canadá. Foram incluídos pacientes com PWS entre 7 e 18 anos, com escala HQ-CT basal ≥13 e CY-BOSS  ≥9, que tinham um cuidador principal, com tratamento medicamentoso estável nos últimos 3 meses e sem novas intervenções ambientais no último mês. Foram excluídos pacientes que apresentavam sintomas psicóticos, faziam uso de medicamentos  intranasais e que usaram medicação para perda de peso nos últimos 6 meses.

O objetivo principal do estudo era a comparação da dose de 9,6 mg de carbetocina intranasal 3x/dia vs placebo na melhora de sintomas de hiperfagia (avaliada pela score  Hyperphagia Questionnaire for Clinical Trials - HQ-CT) e sintomas obsessivo-compulsivos (quantificada pela escala  Children’s Yale-Brown Obsessive Compulsive Scale - CY-BOCS). Também foram analisados os mesmos desfechos para a dose de 3,2 mg 3x/dia, assim como realizadas análises de mudanças na pontuação dos scores PWS Anxiousness and Distress Behaviors Questionnaire (PAD-Q)  Clinician-rated clinical global impression of change (CGI-C). Definiu-se como resposta uma alteração de 7,7 pontos na HQ-CT e 10,5 pontos na PAD-Q.  Foi estimada uma amostra de 175 participantes para conferir um poder de >90% para detecção de alterações na escala de HQ-CT e >99% para alterações  na escala CY-BOCS entre os grupos placebo e 9,6mg 3x/dia. 

O CARE-PWS se deu em duas fases: período controlado por placebo (PCP) de 8 semanas, seguido de  período de follow-up de 56 semanas. Durante o período de follow-up o grupo placebo passou para o grupo tratamento - metade para o grupo de 9,6 mg 3x/dia e metade para o grupo 3,2 mg 3x/dia. O grupo intervenção seguiu com o mesmo tratamento durante todo o período. Foram monitorizados efeitos adversos por exame físico, laboratoriais, sinais vitais e eletrocardiograma. O recrutamento do estudo foi prejudicado pela pandemia do COVID-19, resultando em uma população 68% do planejado (n=119). A análise não foi por intenção de tratar, sendo incluídos apenas pacientes que realizaram uma visita pós baseline a partir de março de 2020. Houve perda assimétrica de pacientes nos grupos - 19 pacientes no grupo que recebeu 9,6 mg vs 8 pacientes no grupo que recebeu 3,2 mg. 

A dosagem de carbetocina de 9,6 mg não se mostrou superior ao placebo em nenhuma das análises. O grupo que recebeu 3,2 mg teve melhora de 5,4 pontos no HQ-CT  score (P=0,016), 8,3 pontos no PADQ score (P=0,027) - respostas médias abaixo do que era considerado como clinicamente significativo pelos pesquisadores. 44% dos pacientes no grupo 3,2mg tiveram resposta clínica significante no HQ-CT score vs 13% no grupo placebo (P=0,03) e 41% resposta significativa no PADQ score vs 18% no placebo (P=0,027). Resultados semelhantes foram encontrados durante o follow-up dos pacientes que utilizaram inicialmente o placebo e posteriormente foram alocados para intervenção com 3,2 ou 9,6 mg. As respostas permaneceram estáveis durante todo o período de seguimento - sem aparente perda de efeito da medicação. O efeito adverso mais comum na população foi rubor - mais comum no grupo da dose de 9,6mg. Houve descontinuação desproporcional por alteração de comportamento no grupo de recebeu 9,6 mg vs 3,2 mg (n=6 vs 2, respectivamente). Todos os efeitos adversos de comportamento reportados durante o período de follow up se deram no grupo de 9,6 mg. Foram discutidos os seguintes aspectos durante o Clube de revista: 

  • A pergunta clínica proposta pelo estudo não foi respondida - o CARE-PWS trial foi prejudicado pela pandemia e fugiu do cálculo amostral proposto;

  • Por se tratar de um estudo de avaliação comportamental, o controle do efeito placebo é mais desafiador;

  • O abandono do estudo desproporcional do estudo entre os grupos de 9,6 e 3,2 mg dificulta a interpretação dos resultados deste ensaio clínico;

  • A conclusão de que a medicação parece ser segura por parte dos pesquisadores nos pareceu precipitada, uma vez que uma porcentagem significativa do grupo 9,6 mg teve descontinuação por alteração de comportamento, inclusive com agressividade.


Pílula do Clube: segue inconclusiva a aplicação prática da reposição de carbetocina em hiperfagia e sintomas neuropsiquiátricos de pacientes com PWS. São necessários novos ensaios clínicos, particularmente com a dose de 3,2 mg 3x ao dia, para recomendações generalizadas no manejo destas questões clínicas.


Discutido no Clube de Revista de 30/10/2023.

Early Metformin in Gestational Diabetes: a Randomized Clinical Trial

 Fidelma Dunne, Christine Newman, Alberto Alvarez-Iglesias, John Ferguson, Andrew Smyth, Marie Browne, Paula O’Shea, Declan Devane, Paddy Gillespie, Delia Bogdanet, Oratile Kgosidialwa, Aoife Egan, Yvonne Finn, Geraldine Gaffney, Aftab Khattak, Derek O’Keeffe, Aaron Liew, Martin O’Donnell.


JAMA 2023, 330(16):1547-1556.

https://jamanetwork.com/journals/jama/article-abstract/2810387


O diabetes gestacional, uma condição que afeta cerca de 2,93 milhões de gestações globalmente, está associado a vários riscos para a mãe e o bebê. Atualmente, o tratamento começa com mudanças no estilo de vida, passando para insulina quando necessário. A metformina apresenta resultados metabólicos melhores, mas há preocupações sobre efeitos adversos. Este estudo levanta a hipótese de que iniciar a metformina no diagnóstico pode melhorar o controle glicêmico, reduzir a necessidade de insulina e oferecer vantagens clínicas, buscando investigar os benefícios associados ao uso precoce da metformina em gestantes com diabetes gestacional.

O estudo EMERGE investigou a eficácia da metformina adicionada aos cuidados habituais no tratamento do diabetes gestacional. Foi um ensaio de fase 3, randomizado, duplo-cego, controlado por placebo, conduzido em dois locais na Irlanda, abrangendo uma população diversificada. As participantes tinham entre 18 e 50 anos de idade e foram diagnosticadas com diabetes gestacional de acordo com os critérios da OMS de 2013 (com base em qualquer um dos valores de glicose: jejum ≥ 92 mg/dL, 1 hora ≥ 180 mg/dL ou 2 horas ≥ 153 mg/dL) estavam grávidas de feto único com gestação de até 28 semanas (+ 6 dias). O estudo excluiu aquelas com diagnóstico estabelecido de diabetes, níveis elevados de glicose em jejum (≥ 126 mg/dL) ou um valor de 2 horas de ≥ 200 mg/dL no teste oral de tolerância à glicose, ou intolerância à metformina.

Os participantes foram randomizados em uma proporção de 1:1 para receber placebo ou metformina, além dos cuidados habituais, usando uma estratégia de minimização para equilibrar o índice de massa corporal (IMC) e o histórico de diabetes gestacional entre os grupos. A metformina começou com 500 mg por dia e foi ajustada a cada 2 dias durante 10 dias, alcançando um máximo de 2.500 mg por dia, tomados em duas doses até o parto. Aqueles com efeitos adversos significativos podiam reduzir a dose. A insulina foi iniciada conforme as diretrizes nacionais se as leituras de glicose domiciliares estivessem fora das metas pré-estabelecidas (nível de jejum, ≤ 92 mg/dL; nível pós-prandial de 1 hora, ≤ 126 mg/dL), e a medicação do estudo continuou se a insulina fosse necessária.

Durante o período de junho de 2017 a setembro de 2022, 535 gestações (de 510 participantes) foram randomizadas para receber metformina (268 gestações) ou placebo (267 gestações) como parte do estudo EMERGE. O desfecho primário, um composto de início de insulina antes do parto ou glicemia em jejum ≥ 92 mg/dL nas semanas 32 ou 38 de gestação, não foi significativamente diferente entre os grupos e ocorreu em 150 gestações (56,8%) no grupo metformina e 167 gestações (63,7%) no grupo placebo (- 6,9% [IC 95%, -15,1% a 1,4%]; RR, 0,89 [IC 95%, 0,78-1,02]; P = 0,13). 

Dos seis desfechos maternos secundários, três favoreceram o grupo da metformina, incluindo tempo até o início da insulina, controle glicêmico autorrelatado e ganho de peso gestacional. Em relação aos resultados neonatais secundários, o grupo da metformina apresentou neonatos menores em termos de peso médio ao nascer, proporção com peso > 4 kg, proporção no percentil > 90% e comprimento da cabeça ao calcanhar. No entanto, não houve diferenças significativas nas necessidades de cuidados intensivos neonatais, desconforto respiratório, icterícia que requer fototerapia, anomalias congênitas importantes, hipoglicemia neonatal ou índices de Apgar de 5 minutos menores que 7 entre os grupos.

Este estudo não demonstrou superioridade estatística sobre o placebo para o desfecho primário. A falta de significância estatística não implica segurança, e os resultados secundários sugerem áreas de pesquisa futura. Embora os resultados secundários tenham indicado redução de bebês grandes para a idade gestacional, houve aumento na proporção de bebês com peso inferior a 2.500 g. O estudo destaca benefícios da metformina no ganho de peso materno, mas há divergências nas recomendações de diretrizes sobre seu uso em gestantes. O acompanhamento a médio e longo prazo é crucial para compreender plenamente as implicações desses resultados. 


  • Pontos fortes: ECR duplo cego com número considerável de participantes. Foram incluídos participantes de todas as categorias de IMC, e 50% dos participantes tinham um IMC < 30 (uma categoria que não foi bem representada em outros ensaios clínicos sobre diabetes gestacional). Com base nesta distribuição do IMC em todas as categorias, os resultados deste ensaio podem ter maior generalização

  • Limitações:  Os critérios de diagnóstico adotados no estudo são comuns na Europa, Austrália e Ásia, porém, não são amplamente utilizados nos EUA e no Brasil, o que pode restringir a generalização dos resultados para essas regiões. A abordagem empregada, com controle glicêmico rigoroso e regras estritas para iniciar a insulina, reflete diretrizes nacionais, mas pode restringir a generalização dos resultados para práticas clínicas com abordagens mais conservadoras ao controle glicêmico.


Pílula do Clube: o tratamento precoce com metformina não demonstrou superioridade em relação ao placebo no desfecho primário composto. Embora a segurança do uso da metformina nesta população ainda não possa ser definitivamente determinada, os dados dos resultados secundários pré-especificados destacam a importância de realizar investigações adicionais por meio de ensaios clínicos mais abrangentes. Questionamos a rigidez dos critérios para iniciar a insulina e ponderamos se a adoção de critérios mais flexíveis, como os propostos pela Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), poderia ter levado a resultados favoráveis à metformina.


Discutido no Clube de Revista de 16/10/2023.

Assessing the Causal Role of Sleep Traits on Glycated Hemoglobin: A Mendelian Randomization Study

 Junxi Liu, Rebecca C. Richmond, Jack Bowden, Ciarrah Barry, Hassan S. Dashti, Iyas Daghlas, Jacqueline M. Lane, Samuel E. Jones, Andrew R. Wood, Timothy M. Frayling, Alison K. Wright, Matthew J. Carr, Simon G. Anderson, Richard A. Emsley, David W. Ray, Michael N. Weedon, Richa Saxena, Deborah A. Lawlor, Martin K. Rutter. 


Diabetes Care. 2022 Apr 1;45(4):772-781.

https://diabetesjournals.org/care/article/45/4/772/144928/Assessing-the-Causal-Role-of-Sleep-Traits-on


Pesquisas observacionais indicaram conexão entre distúrbios do sono e aumento do risco de diabetes, sem conclusão quanto à relação causal entre ambos. Os autores utilizam técnica chamada “Randomização Mendeliana”, uma abordagem estatística para tentativa de inferência de causalidade a partir de dados observacionais. O princípio deste tipo de análise envolve comparar variantes genéticas relacionadas com uma exposição (distúrbios do sono) com um desfecho de interesse (glicemia e HbA1c). Como o genoma é “randomizado” para um indivíduo durante a concepção, não há risco de viés de confusão ou causalidade reversa. 

Ao considerar informações de grandes bancos de dados genéticos do Reino Unido, os autores encontram uma associação consistente entre sintomas frequentes de insônia e níveis mais elevados de HbA1c, mas pouca robustez de associação entre outros distúrbios do sono e HbA1c. Ao contrastar 1SMR (que compara os dados genéticos de exposição com dados fenotípicos de desfecho medidos na mesma população) com 2SMR (que usa escores poligênicos derivados de uma população para prever desfechos em outra população independente), não foram encontrados indícios de causalidade reversa

Limitações citadas no artigo incluíram o possível impacto de pleiotropia horizontal (variantes genéticas que influenciam mais de um traço fenotípico), como genes que influenciam IMC ou apneia do sono, o possível viés de seleção ao considerar dados genéticos da população do Reino Unido, que pode não ser generalizável para outras populações, e ao viés induzido por medida de distúrbios de sono por autorrelato. Pontos discutidos no Clube incluíram:

  • A dificuldade de avaliar a qualidade metodológica de artigos de randomização mendeliana, devido à falta de familiaridade com a metodologia;

  • Dificuldade de estimar o impacto clínico do resultado encontrado em termos práticos;

  • O considerável tempo necessário até que análises semelhantes possam ser feitas para população brasileira, devido à ausência de dados primários para nossa população.


Pílula do Clube: sintomas frequentes de insônia podem ser um fator direto relacionado a aumentos de HbA1c, mas a dimensão desta contribuição é difícil de estimar. 


Discutido no Clube de Revista de 25/09/2023.


Semaglutide and Cardiovascular Outcomes in Obesity without Diabetes

  A. Michael Lincoff, Kirstine Brown‐Frandsen, Helen M. Colhoun, John Deanfield, Scott S. Emerson, Sille Esbjerg, Søren Hardt‐Lindberg, G. K...