domingo, 28 de julho de 2019

Adjunctive liraglutide treatment in patients with persistent or recurrent type 2 diabetes after metabolic surgery (GRAVITAS): a randomised, double-blind, placebo-controlled trial

Alexander Dimitri Miras, Belén Pérez-Pevida, Madhawi Aldhwayan, Anna Kamocka, Emma Rose McGlone, Werd Al-Najim, Harvinder Chahal, Rachel L Batterham, Barbara McGowan, Omar Khan, Veronica Greener, Ahmed R Ahmed, Aviva Petrie, Samantha Scholtz, Stephen R Bloom, Tricia M Tan.

Lancet Diabetes Endocrinol 2019, 7(7):549-559.

Muitos pacientes não atingem remissão ou apresentam recidiva do diabetes tipo 2 (DM2) após a cirurgia bariátrica. A liraglutida, um análogo do GLP-1, melhora o controle glicêmico e promove perda de peso em pacientes com DM2. O estudo GRAVITAS é um ensaio clínico randomizado, duplo-cego e placebo-controlado realizado com o objetivo de avaliar a segurança e a eficácia da Liraglutida 1,8 mg no controle glicêmico de pacientes com DM2 persistente ou recorrente após cirurgia bariátrica. Foram recrutados pacientes em 5 hospitais de Londres, sendo os critérios de inclusão: idade > 18 anos, cirurgia metabólica feita pelo menos 12 meses antes do recrutamento e HbA1c > 6,5% no momento da triagem. Foi realizado run-in de 2 semanas e os pacientes com adesão foram aleatoriamente randomizados (2:1) para grupo liraglutida vs. placebo, com randomização computadorizada estratificada pelo tipo de cirurgia (Sleeve ou Bypass). A medicação foi auto-administrada com caneta de aparência idêntica por mais 24 semanas. Os pacientes eram orientados a utilizar dose inicial 0,6mg com aumentos semanais de 0,6mg/dia conforme tolerância (dose máxima 1,8mg/dia), de modo que da 6ª-26ª semana todos pacientes estavam usando 1,8mg/dia ou a dose máxima tolerada. Foi realizada avaliação com endocrinologista e nutricionista no basal e nas semanas 6, 10, 18 e 26 para aferição de peso, pressão arterial (PA) e exames laboratoriais. Todos os pacientes eram orientados a seguir uma dieta com déficit de 500 kcal/dia e plano de atividade física. Além disso, foi realizada avaliação psiquiátrica e suporte psicológico. O desfecho primário foi a mudança HbA1c do basal para a semana 26 e os desfechos secundários foram as mudanças de peso, pressão arterial, perfil lipídico, nº de drogas antidiabéticas, nº de pacientes em uso de insulina, dose de insulina, escore de comorbidade relacionado à obesidade (King’s Obesity Staging Criteria), características comportamentais (qualidade de vida, limiar de detecção de sabor doce, classificações de recompensa alimentar), nº de episódios hipoglicêmicos e efeitos adversos.
Foram randomizados 80 pacientes (53 no grupo liraglutida e 27 no grupo placebo), com 89% destes tendo completado o tempo de estudo e incluídos na análise principal. Na análise de regressão multivariada, o tratamento com liraglutida foi associado a uma queda significativa da HbA1c (–1,22% IC95% –19,7 a –7,0; P=0,0001) e do peso (–4,23 kg IC95% –6,81 a –1,64; P=0,0017) comparado com placebo, sem efeito na estratificação por tipo de cirurgia. Quando avaliado o efeito ao longo das semanas do estudo, a liraglutida teve eficácia em maior perda de peso e redução de HbA1c já na 6ª semana de uso. Resultados favoráveis também foram encontrados quando avaliado o percentual de pacientes com perda de >5% peso (46% liraglutida vs. <10% placebo) e de pacientes com HbA1c <6,5% (42% liraglutida vs. 13% placebo) ao final das 26 semanas. A maioria dos pacientes de cada grupo permaneceu com mesmo nº de antidiabéticos e 13% dos pacientes no grupo da liraglutida puderam parar o uso da insulina (vs. nenhum no grupo placebo). Não houve diferença nas medidas de ansiedade, depressão e qualidade de vida entre os grupos ao final do estudo. Os efeitos adversos mais comuns foram os gastrointestinais, embora sem diferença entre os grupos. Durante o Clube de Revista foram discutidos os pontos a seguir:
·         Houve diferenças entre os grupos no basal (tais como HbA1c, pressão arterial e uso de inibidores de SGLT2), porém ora ‘beneficiando’ um grupo e ora outro. Considerando este fator e o número pequeno de participantes, consideramos que a randomização provavelmente foi realizada de maneira adequada;
·         O estudo não cita qual a dose média de liraglutida atingida pelos pacientes e não estratifica os resultados por dose. Além disso, foi avaliado como resultado o percentual de pacientes que atingiram HbA1c < 6,5% ao final das 26 semanas. Consideramos este alvo estrito, sendo possível que a troca para um alvo HbA1c < 7,0%, mais adequado, talvez não mostrasse diferença tão grande entre liraglutida e placebo. Considerando o alto custo da medicação, seriam fatores importantes a serem avaliados para a prática clínica;
·         O número de pacientes submetidos ao Sleeve foi pequeno, o que não permitiu avaliar diferenças de resultados entre os tipos de cirurgia;
·         O tempo de seguimento foi curto. Considerando que no estudo LEADER o peso atingiu um platô após 6 meses, seria necessário um estudo com maior tempo de seguimento nesta população após cirurgia.

Pílula do Clube: A liraglutida foi segura e eficaz como terapêutica adjuvante à dieta e ao apoio psicológico para melhorar controle glicêmico e reduzir peso em pacientes com persistência ou recorrência do DM2 após a cirurgia metabólica.

Discutido no Clube de Revista de 15/07/2019.

Association of Radioactive Iodine Administration after Reoperation With Outcomes Among Patients With Recurrent or Persistent Papillary Thyroid Cancer


Hung ML, Wu JX, Li N, Livhits MJ, Yeh MW

JAMA Surg 2018, Aug 15. [Epub ahead of print]

O carcinoma papilar de tireoide (CPT) é responsável por 80% dos casos de câncer de tireoide e tem prognóstico excelente; no entanto, cerca de 30% dos pacientes desenvolvem doença persistente ou recorrente após o tratamento inicial e o papel do iodo como terapia adjuvante após uma segunda cirurgia cervical ainda não está estabelecido. O presente estudo é uma coorte retrospectiva que avaliou se a reintervenção com administração de iodo está associada à melhora dos marcadores bioquímicos ou à menor recorrência de doença estrutural em comparação à reintervenção sem iodo em pacientes com CPT. Os pacientes foram identificados por meio do código CID de câncer de tireoide e do código do procedimento (esvaziamento cervical radical modificado ou procedimentos excisionais da região cervical), sendo selecionados pacientes inicialmente tratados com tireoidectomia ± iodo e que posteriormente necessitaram de segunda cirurgia cervical por recorrência locorregional no período de 2006 a 2016, procedimento necessariamente realizado por um mesmo cirurgião de alto volume. Foram excluídos pacientes com ≤ 18 anos, que já haviam sido submetidos a alguma reintervenção, que não mantiveram acompanhamento pós-operatório ou que não tinham dados clínicos e/ou histológicos da primeira cirurgia disponíveis em prontuário. A avaliação bioquímica e estrutural foi realizada por meio da dosagem de tireoglobulina sob supressão (Tg), considerada indetectável quando < 0,2 ng/mL, e de exames de imagem com confirmação histológica. A Tg foi dosada no pré-operatório (Tg0), dentro de seis meses após a cirurgia (Tg1) e após o iodo ou pelo menos 1 mês após Tg1 no grupo que não recebeu a terapia (Tg2). Os desfechos avaliados foram resposta bioquímica (ATA 2015) e recorrência estrutural histologicamente confirmada.
Foram incluídos 102 pacientes com recorrência locorregional de CPT, dos quais 67 (66%) eram mulheres, apresentando idade mediana de 44 anos (33-54 anos). Destes, 50 pacientes foram submetidos à reoperação seguida de dose de iodo (mediana de 155 mCi; 148-200 mCi), e 52 pacientes foram somente reoperados.  Quanto às características clínicas e histológicas na primeira cirurgia, os grupos eram semelhantes entre si, exceto no estadiamento T, em que o grupo que recebeu iodo após reintervenção cervical apresentava maior proporção de pacientes com doença inicial mais avançada (estadiamento T3/T4): 28 de 50 pacientes (56%) contra 19 de 52 (37%) - diferença padronizada de 0,48 entre os grupos, considerada significativa. No momento da segunda cirurgia, o grupo que recebeu iodo apresentava maior proporção de pacientes com extensão extranodal microscópica em relação ao grupo que não recebeu (29 de 50 pacientes [58%] e 17 de 52 pacientes [33%], respectivamente - diferença padronizada de 0,53, significativa). Quanto à avaliação bioquímica, houve queda da Tg (ng/mL) de 2,8 (0,6 - 6,4) no Tg0 para 0,2 (0,0 - 1,1) no Tg1, após a reintervenção. No entanto, quando os grupos foram comparados, os níveis de Tg0, de Tg1 e de Tg2 não foram significativamente diferentes: 2,4 vs. 3,3 ng/mL (P=0,2) 0,2 vs. 0,6 ng/mL (P=0,05) e 0,5 vs. 0,2 (P=0,08), respectivamente. Apesar disso, a taxa de resposta excelente no pós-operatório (Tg1) foi significativamente menor no grupo que recebeu iodo (12%) em relação ao grupo que não recebeu (47%) (P = 0,007). Ao longo do seguimento, por outro lado, não houve diferença entre os grupos quanto à resposta bioquímica (Tg2) (0,2 [intervalo interquartil 0-0,9] vs. 0,5 [intervalo interquartil 0-2,5] ng/mL, P=0,08). Após reintervenção cirúrgica, a taxa de nova recorrência foi de 19% no grupo que não recebeu iodo e de 36% no grupo que recebeu, com tempo mediano até recorrência de 12 meses (7-28 meses) e de 11 meses (6-72 meses), respectivamente, sem diferença significativa no tempo livre de recorrência entre os grupos (P = 0,24). Na análise de regressão de risco univariada, a administração de iodo não foi associada à redução de risco (RR 1,90; IC95% 0,88-4,14; P = 0,10). Esse resultado foi mantido na análise multivariada, após ajuste para as características clínicas e anatomopatológicas (estadiamento T, Tg0, extensão da cirurgia na reintervenção e presença de doença extranodal) (RR 1,12; IC95% 0,43-2,98; P = 0,81). Após exclusão de pacientes com resposta excelente no Tg1, restringindo a análise apenas àqueles com Tg detectável, a terapia com iodo persistiu sem associação com o risco de segunda recorrência. Considerando-se a possibilidade de que a administração de iodo traria algum benefício aos pacientes com doença inicial mais extensa e, incluindo apenas pacientes com estadiamento inicial T3 e T4, não houve diferença nos valores de Tg0, Tg1 e Tg2 entre os grupos, mesmo após ajuste para variáveis potencialmente confundidoras. Durante o clube de revista, foram discutidos com seguintes pontos:
·         Os pacientes que receberam iodo foram provavelmente selecionados para receber a terapia por apresentarem doença inicial mais agressiva, o que pode ter mascarado o efeito benéfico do iodo nesses casos;
·         O presente estudo é uma análise retrospectiva de um tratamento não randomizado ao qual uma pequena parcela da população de pacientes com carcinoma diferenciado de tireoide é submetida (2%);
·         Estudo realizado em um único centro e por um único cirurgião, o que limita a generalização dos dados.

Pílula do Clube: a realização de iodoterapia após reintervenção cirúrgica cervical não foi associada à redução de recorrência bioquímica ou estrutural de carcinoma papilar de tireoide.

Discutido no Clube de 08/07/2019.

sábado, 13 de julho de 2019

Vitamin D Supplementation and Prevention of Type 2 Diabetes


Anastassios G. Pittas, Bess Dawson‑Hughes, Patricia Sheehan, James H. Ware, William C. Knowler, Vanita R. Aroda, Irwin Brodsky, Lisa Ceglia, Chhavi Chadha, Ranee Chatterjee, Cyrus Desouza, Rowena Dolor, John Foreyt, Paul Fuss, Adline Ghazi, Daniel S. Hsia, Karen C. Johnson, Sangeeta R. Kashyap, Sun Kim, Erin S. LeBlanc, Michael R. Lewis, Emilia Liao, Lisa M. Neff, Jason Nelson, Patrick O’Neil, Jean Park, Anne Peters, Lawrence S. Phillips, Richard Pratley, Philip Raskin, Neda Rasouli, David Robbins, Clifford Rosen, Ellen M. Vickery, and Myrlene Staten for the D2d Research Group.


Trata-se de um ensaio clínico randomizado, duplo-cego, controlado por placebo, que avaliou a segurança e a eficácia da administração oral de vitamina D3 (colecalciferol; 4000 UI por dia) para a prevenção do diabetes em adultos com alto risco de diabetes tipo 2 (DM2). Os participantes preencheram pelo menos dois dos três critérios glicêmicos para pré-diabetes, conforme definido pelas diretrizes da American Diabetes Association (ADA) de 2010: nível de glicose plasmática em jejum de 100 a 125 mg/dL, nível de glicose plasmática 2 horas após carga oral de glicose (75 g) de 140 a 199 mg/dL e o nível de hemoglobina glicada (HbA1c) de 5,7 a 6,4%. Outros critérios de inclusão eram ter 30 anos ou mais (25 anos ou mais para índios americanos, nativos do Alasca, nativos havaianos ou outras ilhas do Pacífico) e um índice de massa corporal (IMC) de 24 a 42 (22,5 a 42 para americanos asiáticos). Um baixo nível sérico de 25-OH vitamina D não foi um critério de inclusão. Os principais critérios de exclusão foram qualquer critério glicêmico na faixa de diabetes, fatores (além de hiperglicemia e raça) que afetam o nível de HbA1c, uso de medicações para diabetes ou perda de peso ou uso de suplementos contendo vitamina D em uma dose superior a 1000 UI por dia ou cálcio a uma dose superior a 600 mg por dia. A randomização foi estratificada por blocos de acordo com o local do estudo, IMC (<30 ou ≥30) e raça (branca ou não branca). Durante o estudo, os participantes receberam informações sobre a prevenção do diabetes através de folhetos de informação e reuniões de grupo semestrais. As visitas de acompanhamento ocorreram no mês 3, no mês 6 e duas vezes por ano a partir de então. No meio do caminho entre as visitas presenciais foi feito um contato por telefone ou e-mail.
O desfecho primário foi o diagnóstico de diabetes, baseado no teste glicêmico anual de glicose plasmática em jejum, HbA1c e glicemia 2h pós-carga de glicose e teste semestral de glicemia de jejum e HbA1c. Se pelo menos duas das medidas glicêmicas atingissem os limiares de ADA de 2010 para diabetes, o participante foi considerado como tendo atingido esse desfecho. Um diagnóstico de diabetes feito fora do estudo foi validado por testes laboratoriais do próprio trial ou julgados por um comitê independente de desfechos clínicos. Durante o estudo, a equipe de pesquisa, cuidadores e participantes desconheciam os resultados dos testes glicêmicos até que o participante atingisse o resultado do diabetes. A segurança foi avaliada por meio do relato do participante e das medidas em jejum anuais de cálcio sérico, creatinina sérica e índice cálcio/creatinina em amostra de urina matinal.
De outubro de 2013 a fevereiro de 2017, um total de 7.133 pessoas passaram por um screening e 2.423 foram aleatoriamente designadas para receber vitamina D (1.211 participantes) ou placebo (1.212 participantes). Nos dois grupos, a mediana de acompanhamento foi de 2,5 anos. No total, 99,1% da coorte (1.201 participantes no grupo da vitamina D e 1.199 no grupo do placebo) contribuíram com dados de acompanhamento, através de uma visita que incluiu testes laboratoriais ou um relato de diagnóstico de diabetes fora do trial. O nível basal médio de 25-OH-vitamina D sérica foi de 28,0 ng/mL, sem diferença significativa entre os dois grupos; 78,3% dos participantes tinham um nível igual ou superior a 20 ng/mL. Os níveis médios de 25-OHvitamina D no grupo da vitamina D no mês 12 (52,3 ng/mL) e no mês 24 (54,3 ng/mL) foram superiores aos do grupo placebo (28,1 ng/mL e 28,8 ng/mL, respectivamente). No final do estudo, DM2 havia se desenvolvido em 616 pacientes, em 293 participantes no grupo da vitamina D e 323 pacientes no grupo placebo (9,39 eventos e 10,66 eventos por 100 pessoas-ano, respectivamente). O hazard ratio no grupo da vitamina D foi de 0,88 (IC95%, 0,75 a 1,04; P = 0,12). Os resultados das análises dos subgrupos foram consistentes com os achados da análise principal; não houve heterogeneidade aparente do efeito do tratamento nos subgrupos pré-especificados. Em uma análise post hoc de dados de participantes com um nível inicial de 25-OH vitD < 12 ng/mL (103 participantes), o hazard ratio no grupo da vitamina D foi de 0,38 (IC95%, 0,18 a 0,80). Entre aqueles com um nível basal de 25-OH vitD ≥ 12 ng/mL (2319 participantes), o hazard ratio no grupo da vitamina D foi de 0,92 (IC95%, 0,78 a 1,08). Um total de 168 participantes (13,9%) no grupo da vitamina D e 171 (14,1%) no grupo do placebo pararam de tomar as pílulas do estudo, tomaram medicação para diabetes ou perda de peso ou tomaram suplementos de vitamina D fora do limite do estudo, antes do diagnóstico de diabetes. Durante o estudo, mais participantes no grupo placebo do que no grupo da vitamina D iniciaram medicamentos para diabetes ou para perda de peso. Na análise exploratória por protocolo, o desfecho primário ocorreu em 266 participantes (22,0%) no grupo da vitamina D e 304 (25,1%) no grupo do placebo (Hazard Ratio 0,84; IC95%, 0,71 a 1,00). Embora a adesão geral tenha sido alta (85,8% das pílulas prescritas foram tomadas), mais participantes no grupo da vitamina D (11,2%) do que no grupo placebo (8,9%) pararam as pílulas experimentais (diferença de 2,3 pontos percentuais; IC95 %, −0,1 a 4,7). Não houve diferenças significativas entre os grupos nos eventos adversos de interesse especificados pelo protocolo. No total, 47 participantes (3,9%) no grupo da vitamina D interromperam as pílulas experimentais devido a um evento adverso, em comparação com 37 (3,1%) no grupo placebo (diferença de 0,8 pontos percentuais; IC 95%, −0,7 a 2,3). Durante o Clube de Revista foram discutidos os pontos a seguir:
·         O fato do estudo incluir na sua maioria pacientes com suficiência em vitamina D pode ter levado ao resultado negativo;
·         Baixos níveis séricos de 25-OHvitamina D já foram relacionados com a fisiopatologia da obesidade, diabetes mellitus e síndrome metabólica, entretanto este estudo não foi desenhado para avaliar esta situação, não nos respondendo, portanto, uma pergunta clínica.


Pílula do Clube: Entre indivíduos com alto risco de DM2 não selecionadas para insuficiência de vitamina D, a suplementação de vitamina D3 na dose de 4000 UI por dia não resultou em um risco significativamente menor de diabetes do que o placebo.

Discutido no Clube de Revista de 01/07/2019.

Liraglutide in Children and Adolescents with Type 2 Diabetes


Tamborlane WV, Barrientos-Pérez M, Fainberg U, Frimer-Larsen H, Hafez M, Hale PM, Jalaludin MY, Kovarenko M, Libman I, Lynch JL, Rao P, Shehadeh N, Turan S, Weghuber D, Barrett T; Ellipse Trial Investigators.

N Engl J Med 2019, Apr 28.


            Trata-se de ensaio clínico randomizado, multicêntrico, de fase 3b, em paralelo e duplo cego, que teve como objetivo confirmar a superioridade da liraglutida sobre o placebo no controle glicêmico de crianças e adolescentes com DM2, quando adicionada ao tratamento com metformina com ou sem insulina. Foram incluídos pacientes entre 10 e 17 anos, com DM2 e hemoglobina glicada (HbA1c) entre 7,0-11% (se em tratamento com dieta) e 6,5-11% (se em tratamento farmacológico) e IMC acima do percentil 85. Os critérios de exclusão foram outros tipos de DM, peptídeo C baixo, anticorpos anti-GAD ou IA2 positivos, uso de outros antidiabéticos que não metformina ou insulina basal, história de pancreatite, calcitonina elevada, história pessoal ou familiar de carcinoma medular de tireoide ou NEM2, alteração de transaminases ou creatinina, história de cardiopatia, retinopatia proliferativa ou maculopatia ou hipoglicemias graves recorrentes ou assintomáticas.
            Os pacientes foram submetidos a um run-in de 12 semanas, com ajuste da dose da metformina até 2 g/dia se tolerada, sendo elegíveis se persistissem com glicemia de jejum entre 126-220 mg/dL. Estes foram então randomizados para receber liraglutida ou placebo subcutâneos. A dose inicial foi de 0,6 mg/dia, com aumento semanal de 0,6 mg por 2-3 semanas até o máximo 1,8 mg/dia (se tolerado), caso a média da glicemia de jejum em 3 dias consecutivos permanecesse acima de 110 mg/dL. Na randomização, os pacientes que usavam insulina basal tinham sua dose reduzida em 20%, podendo ser aumentada após período de ajuste de dose da liraglutida/placebo, mas não mais que dose prévia. A fase duplo-cega durou 26 semanas, sendo depois feita extensão aberta por mais 26 semanas, onde o grupo da liraglutida permanecia com a medicação, e o grupo placebo com o tratamento usual (metformina com ou sem insulina). O desfecho primário foi HbA1c na 26ª semana. Os desfechos secundários foram glicemia de jejum, proporção que atingiu HbA1c <7%, IMC, peso, lipídeos e PA na 26ª e 52ª semanas.
            Foram randomizados 66 pacientes para receber liraglutida e 68 para placebo, com média de 14 anos de idade, 60% meninas, IMC 33 kg/m2, peso em torno de 90 kg, com 1,9 anos de DM e HbA1c ao redor de 7,7%, sendo que 23% e 15% usavam insulina no grupo liraglutida e placebo, respectivamente. Ao final de 26 semanas, 86% do grupo liraglutida e 67% do placebo não necessitaram de medicação de resgate (71% e 51% ao final de 52 semanas, respectivamente). Apenas 56% atingiram a dose plena de liraglutida (1,8 mg/dia). Após as 26 semanas, houve queda de 0,64% na HbA1c com liraglutida e aumento de 0,42% com placebo (diferença de 1,06% entre os grupos, significativa), e ao final de 52 semanas a queda foi de 0,5% com liraglutida e o aumento de 0,8% com placebo. Na fase duplo-cega, 64% do grupo liraglutida atingiu HbA1c <7%, contra apenas 36% do placebo. Não encontrou-se diferença no IMC entre os grupos ao final das 26 semanas. A perda de peso com liraglutida foi 2,3 kg (semana 26) e 1,9 kg (semana 52), enquanto que no placebo foi de 0,99 kg (semana 26) e ganho de 0,87 kg (semana 52). Não detectou-se diferença entre os grupos na pressão arterial, e houve leve redução dos triglicerídeos com liraglutida. Quanto aos eventos adversos, houve Incidência maior de náusea e vômitos no grupo da liraglutida (em torno de 25-30% cada), assim como de hipoglicemias (29% vs. 9% com placebo), mas nenhuma grave. Durante o Clube de Revista, foram discutidos os seguintes pontos:
·         O critério de inclusão englobava pacientes com HbA1c entre 6,5-7%, o que não configura DM inadequadamente controlado nesta faixa etária. Logo, não haveria necessidade de acrescentar nova medicação em parte destes pacientes;
·         O estudo comparou liraglutida contra placebo em pacientes usuários de metformina (com ou sem insulina basal), podendo-se acrescentar insulina de resgate se o controle glicêmico não fosse atingido em cada grupo. Porém, o ajuste da insulina basal não poderia ultrapassar a dose prévia de quem já era usuário, prejudicando então uma comparação justa entre os grupos;
·         A dose de liraglutida só foi ajustada nas primeiras 3 semanas do estudo, sendo esta uma limitação para aqueles pacientes que necessitam de um aumento mais gradual conforme tolerância, em especial pelos efeitos adversos gastrintestinais associados à medicação. Logo, ao final do estudo, apenas metade dos pacientes usavam a dose plena (1,8 mg/dia). Isso prejudica a avaliação da segurança da droga e limita a avaliação do efeito sobre o peso;
·         A ausência de diferença no IMC e peso entre os grupos foi um achado inesperado quando se compara com os estudos em adultos, porém um terço dos pacientes usou apenas 0,6 mg/dia da medicação.

Pílula do Clube: O tratamento com liraglutida foi superior ao placebo no controle glicêmico em crianças e adolescentes com DM tipo 2 em uso de metformina com ou sem insulina basal. Houve mais eventos adversos gastrintestinais e hipoglicemia no grupo tratado com liraglutida.

Discutido no Clube de Revista de 24/06/2019.

Fracture Risk After Roux-en-Y Gastric Bypass vs Adjustable Gastric Banding Among Medicare Beneficiaries


Yu EW, Kim SC, Sturgeon DJ, Lindeman KG, Weissman JS

JAMA Surg 2019, May 15

Trata-se de estudo de coorte retrospectivo para comparar o risco de fratura após o bypass gástrico em Y de Roux (BPGYR) em comparação à banda gástrica ajustável (BGA). O estudo utilizou informações dos pacientes beneficiários do Medicare, maiores de 21 anos, que apresentavam o CID-9 de obesidade grave (IMC ≥ 40) e foram submetidos a tratamento cirúrgico (BPGYR ou BGA) entre 2006 e 2014. Foram excluídos os pacientes com menos de 365 dias de carência do seguro antes da data da cirurgia, histórico de neoplasia ou quimioterapia, doença renal ou transplante, outras cirurgias gastro-intestinais ou residentes de instituição de longa permanência. O desfecho primário foi incidência de fratura não-vertebral e o secundário incidência de  fratura por sítio específico. Os pacientes foram seguidos da data da cirurgia até o desfecho primário ou admissão em instituição de cuidados de longa permanência ou segunda cirurgia bariátrica após 90 dias da data do índice ou morte. Foram avaliadas as comorbidades potencialmente confundidoras associadas com o tipo de cirurgia e risco de fratura, entre elas, idade, sexo, ano de cirurgia, região geográfica, raça, diabetes, comorbidades, medicamentos modificadores de massa óssea, diagnóstico de osteoporose ou uso de medicação anti-osteoporótica, histórico de queda, densidade mineral óssea e marcadores da frequência de utilização de cuidados de saúde.
Foram incluídos na análise 42345 participantes, dos quais 33254 (78,5%) eram mulheres, apresentando idade de 51 ± 12 anos. Os pacientes foram seguidos por um tempo de 5 ± 2,1 anos, sendo documentadas 658 fraturas não vertebrais. A taxa de incidência de fraturas foi de 6,6 (IC95% 6,0-7,2) após BPGYR e 4,6 (IC95% 3,9-5,3) após BGA, com uma razão de risco de 1,73 (IC95% 1,45-2,08) após ajuste multivariado. Análises por sítio específico demonstraram um aumento do risco de fratura de quadril (RR 2,81; IC95% 1,82-4,49), punho (RR 1,70; IC95% 1,33-2,14) e pelve (RR 1,48; IC95% 1,08-2,07) nos pacientes que realizaram BPGYR. Nenhuma interação significativa do risco de fratura com idade, sexo, status de diabetes ou raça foi encontrada. Adultos com 65 anos ou mais apresentaram padrão semelhante de risco de fratura ao de adultos jovens. Análise de sensibilidade usando escore de propensão mostrou resultados semelhantes (fratura não vertebral: RR 1,75; IC95% 1,22-2,52). Foi discutido no clube:
·         O estudo foi metodologicamente bem desenhado e desenvolvido, embora retrospectivo, seguindo as orientações do STROBE, apresentando como diferencial a maior coorte composta por número expressivo de idosos, permitindo análise estratificada;  
·         O grupo controle também era composto de pacientes submetidos à cirurgia bariátrica, reduzindo os vieses que podem ocorrer por indicação para cirurgia;
·         A idade média no grupo BGA foi 4 anos maior do que no BPGYR, o que mostra que a BGA deve ter sido indicada mais na população idosa por ser  procedimento de menor risco. O grupo BPGYR apresentava prevalência maior de esteatose hepática. Contudo, a análise dos dados não foi comprometida por essas diferenças, pois quando realizada a análise de sensibilidade por pareamento usando o escore de propensão foi mantido o maior risco de fratura nos pacientes submetidos ao BPGYR.

Pílula do Clube: O risco de fratura após BPGYR é consistentemente maior em comparação a BGA e em grau semelhante entre adultos e idosos.

Discutido no Clube de Revista de 17/06/2019.

Effect of a Multifaceted Quality Improvement Intervention on the Prescription of Evidence-Based Treatment in Patients at High Cardiovascular Risk in Brazil - The BRIDGE Cardiovascular Prevention Cluster Randomized Clinical Trial


M. Julia Machline-Carrion, Rafael Marques Soares, Lucas Petri Damiani, Viviane Bezerra Campos, Bruna Sampaio, Francisco H. Fonseca, Maria Cristina Izar, Celso Amodeo, Octávio Marques Pontes-Neto,
Juliana Yamashita Santos, Samara Pinheiro do Carmo Gomes, José Francisco Kerr Saraiva, Eduardo Ramacciotti, Pedro Gabriel de Melo Barros e Silva, Renato D. Lopes, Nilton Brandão da Silva, Hélio Penna Guimarães, Leopoldo Piegas, Airton T. Stein, Otávio Berwanger; for the BRIDGE Cardiovascular Prevention Investigators

JAMA Cardiol 2019, 4(5):408-417.

Estudos têm demonstrado que pacientes com alto risco cardiovascular não recebem prescrição de terapias baseadas em evidências para seu tratamento otimizado. O presente estudo buscou avaliar a efetividade de uma intervenção multifacetada de melhoria de qualidade na prescrição baseada em evidências, para pacientes com alto risco cardiovascular, no Brasil. Este ensaio clínico randomizado, em cluster, pragmático, teve um grupo que recebeu estratégia multifacetada (case manager, lembretes, treinamento da equipe, check-list, materiais educativos) para melhoria de qualidade na prescrição de terapias baseadas em evidências (estatinas, terapia antiplaquetária e inibidores da ECA ou BRA), e outro grupo que seguiu suas rotinas de atendimento, sendo avaliados no momento da admissão, em 6 e em 12 meses. Após algumas exclusões e perdas, o estudo finalizou com 18 clusters de intervenção (701 pacientes analisados em 12 meses), e 22 clusters de controle (840 pacientes analisados em 12 meses), com análise por intenção de tratar.
O desfecho primário consistiu na aderência à prescrição de terapias baseadas em evidências usando a abordagem de “tudo ou nada”, em 12 meses, em pacientes sem contraindicações. Os desfechos secundários avaliaram diversos pontos, dentre eles: prescrição dos componentes individuais em 12 meses; percentual de pacientes com LDL < 70 mg/dL 12 meses após intervenção; MACE (morte cardiovascular, IAM ou AVC) em 12 meses; cessação do tabagismo; percentual de diabéticos com glicemia de jejum < 110mg/dL; percentual de pacientes com PA < 140/90 mmHg e < 120/80 mmHg.
No desfecho primário, os grupos de intervenção tiveram maior probabilidade de receber uma prescrição de todas as terapias do que os grupos controle (73,5% vs 58,7%; OR 2,30; IC95% 1,14-4,65). Análises de sensibilidade post hoc para o desfecho primário produziram resultados semelhantes ao ajustar para características do baseline e tipo de unidade (ensino vs. não ensino, etc). Nos desfechos secundários, o grupo intervenção teve maior prescrição isolada de estatinas, terapia antiplaquetária (aspirina), e cessação do tabagismo, de forma estatisticamente significativa, do que o grupo controle. A análise de controle de fatores de risco não mostrou diferença entre os grupos, assim como a avaliação de eventos cardiovasculares maiores. Na análise de subgrupos, houve diferença apenas no subgrupo de unidades de ensino vs. não ensino, favorecendo o primeiro. Durante o clube de revista, os seguintes pontos foram discutidos:
·         Foi um dos primeiros estudos a avaliar a intervenção de melhoria de qualidade da prescrição de terapias baseadas em evidências em pacientes com doença aterotrombótica estabelecida conduzido em um país de média renda;
·         Método de intervenção simples e factível, porém não avaliou custo-efetividade;
·         Maioria dos centros eram clínicas de cardiologia, o que pode afetar a validade externa dos achados;
·         Teve apenas 12 meses de duração, e não reavaliou após intervenção inicial para ver manutenção de resultados;
·         Não apresentou mudança em controle de fatores de risco (PA e lipídios), o que mostra que aumento de prescrição não significa necessariamente aumento de uso, tendo, então, a limitação de não ter avaliado adesão;
·         Não teve poder para avaliar desfechos clínicos, embora não tenha sido esse o objetivo proposto, traria uma resposta mais contundente a importância de se adotar estas medidas multifacetadas para melhoria de prescrição;
·         Muito discutido durante o clube a questão de fazer um estudo que traria uma resposta “óbvia” (reforçar com médicos prescrição de tratamentos baseados em evidências aumentaria sua prescrição), porém também levantada a questão de que se não fosse estudado, não teria como comprovar o que se “julga ser óbvio”; e não avaliaria o método utilizado.

Pílula do Clube: Em pacientes com alto risco cardiovascular, uma intervenção multifacetada resultou em melhora significativa na prescrição de terapias baseadas em evidências. As ferramentas utilizadas neste estudo podem ser o ponto inicial para programas futuros no manejo de pacientes com doença cardiovascular, especialmente em situações de recursos limitados.

Discutido no Clube de Revista de 10/06/2019.

Intrapartum Glucose Management in Women With Gestational Diabetes Mellitus A Randomized Controlled Trial


Maureen S. Hamel, Lindsey M. Kanno, Phinnara Has, Michael J. Beninati, Dwight J. Rouse, and Erika F. Werner

Obstetrics & Gynecology 2019, 133(6): 1171-1177

Trata-se de um ensaio clínico randomizado, aberto, realizado em um único centro (Women & Infants Hospital in Providence, Rhode Island), com o objetivo de comparar o efeito nos níveis de glicose neonatal de dois protocolos (rigoroso vs. liberal) para o manejo da glicose intraparto de mulheres com diabetes gestacional (DMG). Foram incluídas pacientes maiores de 18 anos, com gestação única e com diagnóstico de DMG. Foram excluídas pacientes com diagnóstico de diabetes pré-gestacional, gestações múltiplas, grande anomalia fetal, cesárea planejada, A1c de 6,5% ou maior. O protocolo rigoroso consistia em aferições de glicemia capilar (GC) a cada hora; alerta para chamada ao médico quando GC maior que 100 e aplicações de insulina subcutânea de ação rápida (2 UI se GC 101-120; 4 UI se entre 121- 150; 6 ui se entre 151-200; 8 UI se >200). No protocolo liberal, as aferições de GC ocorreram a cada 4 horas; alerta para chamada ao médico quando GC maior que 120 e aplicações de insulina subcutânea de ação rápida (2 UI se GC 121-150; 4 UI se entre 151- 200; 8 UI se >200). Ambos grupos recebiam suco caso GC menor que 60. Era realizado consentimento informado na 1ª visita com diagnóstico de DMG, mas randomização adiada até 36 semanas para evitar a inclusão de parto pré-termo / parto cesáreo agendado posteriormente. A paciente e equipe ginecológica e obstétrica ficavam cientes da alocação apenas na admissão para o parto (assim, o tratamento durante a gestação não foi influenciado pelo estudo). Os prestadores de cuidados neonatais eram cegados. O desfecho primário na publicação foi o primeiro nível de glicose neonatal medido após o nascimento (cujo protocolo da instituição era em torno de 2 horas após o nascimento), porém, no registro do Clinical Trials, o desfecho primário era a média da glicose do neonato nas primeiras 24 horas. Os desfechos secundários foram GC nas primeiras 24 horas, número de tratamentos de glicose (intravenosa ou oral), admissão na UTI, e hiperbilirrubinemia neonatais. Hipoglicemia neonatal foi considerada quando em valores menores que 40 mg/dL.
Foram randomizadas 38 pacientes para cada grupo, sendo que em torno de um terço em cada grupo foram tratadas durante a gestação apenas com dieta. Entre as pacientes que receberam tratamento farmacológico, entre 96-100% receberam apenas insulina (apenas uma paciente recebeu também metformina). O valor médio de GC materno intraparto foi semelhante entre os grupos (em torno de 85mg/dL); 32% das gestantes no grupo rigoroso recebeu insulina por hiperglicemia versus 3% no grupo liberal (P=0,01). Apesar de não significativo (P=0,31), o número de hipoglicemias maternas tendeu a ser maior no grupo rigoroso (16% versus 8% no grupo liberal). Quanto as desfechos, não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos, porém, o grupo rigoroso apresentou uma tendência a maior número de necessidade de intervenções para tratamento de hipoglicemias (45% no grupo rigoroso vs. 32% no grupo liberal), mais necessidade de intervenção com glicose endovenosa (11% vs. 0%), mais admissões em CTI por hipoglicemia (13% vs. 0%), assim como valores médios de GC na primeira hora de vida mais baixos (54 + 8 vs. 58 + 8,  P=0,049, IC95% -7,07 a 0,29). Durante o Clube, os seguintes pontos foram discutidos:
·         Tendo em vista a mínima quantidade de estudos de boa qualidade a respeito do controle intraparto de DMG trata-se de um estudo interessante, e  do primeiro ensaio clínico randomizado comparando 2 protocolos de controle glicêmico intraparto em DMG;
·         O estudo apresenta um desenho adequado e teve como vantagem a  equipe neonatal cegada, porém destaca-se a questão de modificação do desfecho primário em relação ao previamente estabelecido no seu registro inicial;
·         Além disso, a amostra foi pequena para avaliar diferenças em desfechos mais duros como as taxas de internação na UTI (que apresentou tendência pior no grupo rigoroso);
·         Quanto ao desfecho primário, o protocolo de controle glicêmico rigoroso em DMG não demonstrou, como esperado, redução de hipoglicemia neonatal em relação ao controle mais liberal. Ressaltou-se que aferições de GC mais frequentes representam maior custo direto e indireto à instituição, assim como, maior custo emocional à gestante.

Pílula do Clube: deveria ser considerado um manejo intraparto de gestantes com DMG mais liberal, com aferições mais espassadas e alvo glicêmico não muito agressivo, como por exemplo, o utilizado neste estudo: GC a cada 4 horas e intervenção apenas se GC menor que 60 mg/dL ou maior que 120 mg/dL.

Discutido no Clube de Revista 03/06/2019.

Automated insulin dosing guidance to optimise insulin management in patients with type 2 diabetes: a multicentre, randomised controlled trial

Richard M Bergenstal, Mary Johnson, Rebecca Passi, Anuj Bhargava, Natalie Young, Davida F Kruger, Eran Bashan, Stanley G Bisgaier, Deanna J Marriott Isaman, Israel Hodish

Lancet 2019; 393: 1138–48

O tratamento de pacientes com diabetes tipo 2 é mais efetivo se os ajustes nas doses de insulina são feitos de forma frequente. Entretanto, a interação entre o profissional de saúde e o paciente nem sempre pode ser feita de forma regular. Pensando nisso, a Hygieia, empresa localizada em Livonia, EUA, criou um sistema capaz de sugerir doses de insulina para os usuários, chamado d-Nav, um dispositivo manual, semelhante a um glicosímetro, capaz de aferir a glicemia capilar, determinar padrões individuais de glicose, e automaticamente sugerir a próxima dose de insulina a ser administrada pelo paciente. Este ensaio clínico randomizado, multicêntrico, controlado, no qual foram recrutados pacientes de três centros de diabetes dos EUA teve como objetivo avaliar este sistema. Foram incluídos pacientes com 21-70 anos de idade, HbA1c entre 7,5% e 11%, que estivessem usando o mesmo regime de insulina e antidiabéticos orais nos últimos três meses. Foram excluídos pacientes com IMC maior ou igual 45 kg/m², portadores de doenças cardíaca, hepática ou renais graves, ou que tivessem apresentado mais de dois episódios de hipoglicemia grave no último ano. Os pacientes foram randomizados (1:1) em um grupo usando o d-Nav e em acompanhamento profissional e em outro grupo apenas com acompanhamento profissional. O estudo teve 6 meses de seguimento, sendo realizados sete contatos (presenciais e telefônicos). O objetivo primário foi comparar a mudança na HbA1c ao fim do estudo entre os grupos. Quanto às análises adicionais, foram avaliados a diferença na proporção dos participantes que atingiram Hb1Ac inferior a 7%, inferior a 8% e superior a 9% aos 6 meses; a diferença entre os grupos na frequência de glicemias abaixo de 50 mg/dl, 60 mg/dl, 70 mg/dl, sintomáticos ou assintomáticos; a diferença entre os grupos quanto à glicemia de jejum e a diferença entre os grupos no número de fitas para aferição de glicemia aos 3 e 6 meses. O financiamento do estudo se deu através do US National Institute of Health’s, National Institute of Diabetes and Digestive and Kidney Diseases program e os financiadores não tiveram envolvimento com a pesquisa. Entretanto, os diretores e funcionários da Hygieia contribuíram diretamente no desenho, coleta, análise e interpretação de dados, além do desenvolvimento do artigo e finalização.
Quanto aos resultados, 181 pacientes foram arrolados, sendo alocados no grupo intervenção (n=94) ou controle (n=88). No começo do estudo, a média da HbA1C era 8,7% no grupo intervenção e 8,5% no grupo controle. Naquele, a HbA1c teve redução média de 1%, e neste foi de 0,3% (P < 0,01). Ao fim do estudo, duas vezes mais pacientes apresentaram HbA1c menor que 8% no grupo intervenção em comparação ao grupo controle (IC95% 13,9–42,2; P=0,0001), e cinco vezes mais pacientes apresentaram HbA1c menor que 7% no grupo intervenção em comparação ao grupo controle (IC95% 7,3-26,8; P=0,0008). A frequência média descrita de hipoglicemias (< 54 mg/dL) foi similar nos dois grupos, sendo 0,29 ao mês no grupo intervenção (DP 0,48) e 0,29 ao mês no grupo controle (DP 1,12). Mas ao averiguar os números, é possível perceber que mais pacientes do grupo intervenção tiveram ao menos um episódio de hipoglicemia (< 70 mg/dL), correspondendo a 851 episódios de um total de 37.954 medidas de glicemia capilar no grupo intervenção, comparado a 260 episódios de 22.350 medidas de glicemia capilar no grupo controle. Quanto a média das glicemias de jejum e da glicemia semanal média, elas diminuíram durante o estudo no grupo intervenção (P < 0,0001). No grupo controle, a média semanal (P = 0,73) e glicemia de jejum (P = 0,34) continuaram estáveis. Pacientes do grupo intervenção mediram a glicemia com mais frequência do que o grupo controle, embora na primeira visita as taxas de aferição de glicemia estivessem acima do esperado nos dois grupos. Foi discutido no Clube:
·         Os desenvolvedores da pesquisa tinham relação direta com a empresa que criou o dispositivo, de forma que valorizaram os resultados positivos em detrimento dos negativos, ficando este fato nítido na maneira como descreveram os resultados das hipoglicemias;
·         Pode ser que o d-Nav seja no futuro dispositivo que venha a beneficiar pacientes com diabetes tipo 2, porém é necessário um estudo maior para comprovar sua segurança.

Pílula do Clube: O uso de um sistema de dispositivo de medida associado a algoritmo que decidia e titulava a dose de insulina baseada em padrões individuais de comportamento da glicemia em pacientes com DM tipo 2 mostrou benefício na redução da HbA1c, porém a sua aplicabilidade ainda deve ser testada em mais estudos e cenários clínicos.

Discutido no Clube de Revista de 27/06/2019.

Treatment of Toxic Multinodular Goiter: Comparison of Radioiodine and Long-Term Methimazole Treatment


Fereidoun Azizi, Miralireza Takyar, Elham Madreseh and Atieh Amouzegar

Thyroid 2019, 29 (5):625-630

Trata-se de ensaio clínico randomizado de não inferioridade, com grupos paralelos, conduzido no Teerã, uma área suficiente em iodo. O objetivo foi avaliar segurança e eficácia da terapia em longo prazo (pelo menos 60 meses) com metimazol (MMI) vs. tratamento com radioiodo (RAI) em pacientes com bócio multinodular tóxico (BMNT). Foram incluídos pacientes nunca tratados com ≤ 60 anos de idade e todos foram acompanhados a cada dois ou três meses no primeiro ano e depois a cada seis meses no acompanhamento. Foram critérios de exclusão: doença de Graves, gestação, amamentação, uso de amiodarona ou iodo, função mental alterada, história ou evidência de doença cardiovascular, cirrose ou doença renal crônica. Foram incluídos 130 pacientes com BMNT; 65 receberam 10 a 20 mg de MMI diariamente durante o primeiro mês. A dose de MMI inicial foi selecionada com base no tamanho do bócio e na gravidade do hipertireoidismo, e foi titulada à medida que o paciente se tornava eutireoidiano, a fim de manter as concentrações séricas de T4L e TSH entre 10 e 23 pmol/L e 0,4 e 5,06 mUI/L, respectivamente. A dose de RAI foi calculada com a fórmula que considera tamanho estimado da tireoide (g) e captação de RAI em 24h. Do grupo do MMI, quatro tiveram efeitos colaterais e mudaram para outras modalidades, três optaram pela tireoidectomia e cinco tiveram perda de seguimento. Os 53 pacientes restantes foram tratados por 60-100 meses. Dos 65 pacientes randomizados para o grupo RAI, cinco escolheram outras modalidades de tratamento e cinco perderam seguimento. O desfecho primário foi a taxa de eutireoidismo sustentado por até 8 anos de acompanhamento após o tratamento. Os desfechos secundários eram: ocorrência de hipo e hipertireoidismo clínico e subclínico e segurança da terapia com MMI em longo prazo.
Não houve diferença no sexo, tabagismo, tamanho do bócio e T4L, T3 e TSH entre os grupos na linha de base. No grupo MMI, 33 (62%) pacientes estavam eutireoidianos e 15 (28%) apresentavam hipertireoidismo subclínico até o final do 1º ano de tratamento; ao final de 60 meses de tratamento, todos os 53 pacientes eram eutireoideos; do mês 72 ao mês 96 do estudo, dois (3,8%) pacientes apresentaram exacerbação do hipertireoidismo subclínico. A dose diária de MMI para manter a função tireoidiana normal foi de 6,3 ± 2,0 após um ano e 4,0 ± 1,3 mg após 8 anos de estudo. A dose decrescente de MMI ao longo do tempo não foi relacionada aos níveis iniciais de T4L, T3 ou TSH ou ao tamanho do bócio. O peso estimado de bócio diminuiu de 48 ± 6 para 41 ± 7 g (P<0,001) ao final do estudo. A dose administrada de RAI variou entre 15 e 29 mCi e a dose média foi de 16,7 ± 2,7 mCi. Ao final do estudo, 24 (44%) pacientes atingiram o eutireoidismo, dos quais oito (33,3%), seis (25%) e três (12,5%) apresentavam hipertireoidismo subclínico ao final do 1º, 2º e 3º ano após o tratamento com RAI, respectivamente, embora no final do 4º ano, todos os 24 pacientes estivessem eutireoideos. 18 (33,3%) pacientes tornaram-se hipotireoideos e 12 (22,2%) apresentaram persistência ou recorrência de hipertireoidismo, necessitando de tratamento adicional do hipertireoidismo. Destes 12 pacientes, 6 tornaram-se hipotireoideos após 2º tratamento com RAI, 4 atingiram eutireoidismo após 1-3 tratamentos adicionais com RAI, e 2 apresentaram múltiplas recorrências de hipertireoidismo e necessitaram de 4 tratamentos com RAI, além do tratamento com MMI intermitente. A taxa de sucesso (eutireoidismo e hipotireoidismo) foi de 78% após o primeiro tratamento com RAI e 96% após tratamentos adicionais com RAI. O peso estimado do bócio diminuiu 38% - de 50 ± 6 para 31 ± 6 g (P<0,001) ao final do estudo. A diferença na diminuição do bócio foi maior no grupo RAI vs.MMI (19 vs. 5 g; P<0,001). Dos pacientes em tratamento em longo prazo com MMI, 51 (96,2%) tornaram-se eutireoideos até o final do 2º ano de tratamento, enquanto que após uma dose de RAI, apenas 17 (31%) se tornaram eutireoideos sem tratamentos adicionais. Levando em consideração que o objetivo do tratamento com RAI é atingir o eutireoidismo com ou sem terapia com levotiroxina, esse objetivo foi atingido por 29 (53,7%) e 42 (78%) pacientes no 2º e 8º anos de tratamento, respectivamente. Os níveis basais de T4L (P=0,001) e T3 (P=0,004) foram menores naqueles que se tornaram eutireoideos ou hipotireoideos em relação àqueles que permaneceram em hipertireoidismo depois do tratamento com RAI. Os efeitos adversos do MMI ocorreram nos primeiros três meses de tratamento: reações cutâneas em 3 pacientes que passaram a usar propiltiouracil; elevação das enzimas hepáticas em 1 paciente que optou pela terapia com RAI. Do mês 4 ao mês 100, nenhum outro efeito colateral relacionado ao MMI foi relatado. Dor cervical anterior leve, náusea, palpitação e desconforto abdominal foram experimentados por 6 pacientes que receberam RAI, e foram manejados com sintomáticos. Nenhum efeito colateral grave, como complicações cardiovasculares ou câncer, foi observado em ambos os grupos. Durante o Clube de Revista foram discutidos os pontos a seguir:
·         Primeiramente, trata-se de um estudo sem registro na base Clinical Trials;
·         Não é um estudo cegado. Não há descrição, mas provavelmente os avaliadores também não foram cegados;
·         Aparentemente nem todos os pacientes tinham avaliação de TRAb, portanto, alguns pacientes incluídos podiam na verdade ter doença de Graves e não BMNT;
·         O tamanho do bócio neste estudo era de duas a três vezes o tamanho normal da tireoide, portanto, os achados podem não ser verdadeiros para pacientes com BMNT grandes;
·         Os critérios de inclusão (pacientes menores de 60 anos) é um limitante, uma vez que, a tendência é discutirmos o uso de drogas antitireoideanas para BMNT justamente para pessoas mais idosas, em que estes achados podem não ser aplicáveis;
·         A análise não foi por intention-to-treat.

Pílula do Clube: O tratamento contínuo com baixa dose de MMI parece ser método eficaz e seguro para o tratamento do BMNT, não sendo inferior à terapia com RAI no subgrupo de pacientes aqui estudados (menores de 60 anos com bócios de tamanho moderado). Entretanto, é um estudo que apresenta várias limitações e estas devem ser levadas em consideração ao se analisar seus resultados.

Discutido no Clube de Revista de 20/05/2019

Semaglutide and Cardiovascular Outcomes in Obesity without Diabetes

  A. Michael Lincoff, Kirstine Brown‐Frandsen, Helen M. Colhoun, John Deanfield, Scott S. Emerson, Sille Esbjerg, Søren Hardt‐Lindberg, G. K...