Hung ML, Wu JX, Li N,
Livhits MJ, Yeh MW
JAMA Surg 2018, Aug 15.
[Epub ahead of print]
O
carcinoma papilar de tireoide (CPT) é responsável por 80% dos casos de câncer
de tireoide e tem prognóstico excelente; no entanto, cerca de 30% dos pacientes
desenvolvem doença persistente ou recorrente após o tratamento inicial e o
papel do iodo como terapia adjuvante após uma segunda cirurgia cervical ainda
não está estabelecido. O presente estudo é uma coorte retrospectiva que avaliou
se a reintervenção com administração de iodo está associada à melhora dos
marcadores bioquímicos ou à menor recorrência de doença estrutural em
comparação à reintervenção sem iodo em pacientes com CPT. Os pacientes foram
identificados por meio do código CID de câncer de tireoide e do código do
procedimento (esvaziamento cervical radical modificado ou procedimentos
excisionais da região cervical), sendo selecionados pacientes inicialmente
tratados com tireoidectomia ± iodo e que posteriormente necessitaram de segunda
cirurgia cervical por recorrência locorregional no período de 2006 a 2016,
procedimento necessariamente realizado por um mesmo cirurgião de alto volume.
Foram excluídos pacientes com ≤ 18 anos, que já haviam sido submetidos a alguma
reintervenção, que não mantiveram acompanhamento pós-operatório ou que não
tinham dados clínicos e/ou histológicos da primeira cirurgia disponíveis em
prontuário. A avaliação bioquímica e estrutural foi realizada por meio da
dosagem de tireoglobulina sob supressão (Tg), considerada indetectável quando
< 0,2 ng/mL, e de exames de imagem com confirmação histológica. A Tg foi
dosada no pré-operatório (Tg0), dentro de seis meses após a cirurgia (Tg1) e
após o iodo ou pelo menos 1 mês após Tg1 no grupo que não recebeu a terapia
(Tg2). Os desfechos avaliados foram resposta bioquímica (ATA 2015) e
recorrência estrutural histologicamente confirmada.
Foram
incluídos 102 pacientes com recorrência locorregional de CPT, dos quais 67
(66%) eram mulheres, apresentando idade mediana de 44 anos (33-54 anos). Destes,
50 pacientes foram submetidos à reoperação seguida de dose de iodo (mediana de
155 mCi; 148-200 mCi), e 52 pacientes foram somente reoperados. Quanto às características clínicas e
histológicas na primeira cirurgia, os grupos eram semelhantes entre si, exceto
no estadiamento T, em que o grupo que recebeu iodo após reintervenção cervical apresentava
maior proporção de pacientes com doença inicial mais avançada (estadiamento T3/T4):
28 de 50 pacientes (56%) contra 19 de 52 (37%) - diferença padronizada de 0,48
entre os grupos, considerada significativa. No momento da segunda cirurgia, o
grupo que recebeu iodo apresentava maior proporção de pacientes com extensão
extranodal microscópica em relação ao grupo que não recebeu (29 de 50 pacientes
[58%] e 17 de 52 pacientes [33%], respectivamente - diferença padronizada de
0,53, significativa). Quanto à avaliação bioquímica, houve queda da Tg (ng/mL)
de 2,8 (0,6 - 6,4) no Tg0 para 0,2 (0,0 - 1,1) no Tg1, após a reintervenção. No
entanto, quando os grupos foram comparados, os níveis de Tg0, de Tg1 e de Tg2 não
foram significativamente diferentes: 2,4 vs. 3,3 ng/mL (P=0,2) 0,2 vs.
0,6 ng/mL (P=0,05) e 0,5 vs. 0,2 (P=0,08), respectivamente. Apesar
disso, a taxa de resposta excelente no pós-operatório (Tg1) foi
significativamente menor no grupo que recebeu iodo (12%) em relação ao grupo
que não recebeu (47%) (P = 0,007). Ao longo do seguimento, por outro lado, não
houve diferença entre os grupos quanto à resposta bioquímica (Tg2) (0,2
[intervalo interquartil 0-0,9] vs. 0,5 [intervalo interquartil 0-2,5]
ng/mL, P=0,08). Após reintervenção cirúrgica, a taxa de nova recorrência foi de
19% no grupo que não recebeu iodo e de 36% no grupo que recebeu, com tempo
mediano até recorrência de 12 meses (7-28 meses) e de 11 meses (6-72 meses),
respectivamente, sem diferença significativa no tempo livre de recorrência
entre os grupos (P = 0,24). Na análise de regressão de risco univariada, a administração
de iodo não foi associada à redução de risco (RR 1,90; IC95% 0,88-4,14; P =
0,10). Esse resultado foi mantido na análise multivariada, após ajuste para as
características clínicas e anatomopatológicas (estadiamento T, Tg0, extensão da
cirurgia na reintervenção e presença de doença extranodal) (RR 1,12; IC95%
0,43-2,98; P = 0,81). Após exclusão de pacientes com resposta excelente no Tg1,
restringindo a análise apenas àqueles com Tg detectável, a terapia com iodo
persistiu sem associação com o risco de segunda recorrência. Considerando-se a
possibilidade de que a administração de iodo traria algum benefício aos
pacientes com doença inicial mais extensa e, incluindo apenas pacientes com
estadiamento inicial T3 e T4, não houve diferença nos valores de Tg0, Tg1 e Tg2
entre os grupos, mesmo após ajuste para variáveis potencialmente confundidoras.
Durante o clube de revista, foram discutidos com seguintes pontos:
·
Os pacientes que receberam iodo foram
provavelmente selecionados para receber a terapia por apresentarem doença
inicial mais agressiva, o que pode ter mascarado o efeito benéfico do iodo
nesses casos;
·
O presente estudo é uma análise retrospectiva
de um tratamento não randomizado ao qual uma pequena parcela da população de
pacientes com carcinoma diferenciado de tireoide é submetida (2%);
·
Estudo realizado em um único centro e por um
único cirurgião, o que limita a generalização dos dados.
Pílula
do Clube: a realização de iodoterapia após reintervenção
cirúrgica cervical não foi associada à redução de recorrência bioquímica ou
estrutural de carcinoma papilar de tireoide.
Discutido
no Clube de 08/07/2019.
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