Mandy Geserick, Mandy Vogel, Ruth Gausche, Tobias
Lipek, Ulrike Spielau, Eberhard Keller, Roland Pfäffle, Wieland Kiess, and
Antje Körner,
N Engl J Med 2018, 379:1303-12.
Trata-se
de estudo longitudinal de base populacional que utilizou registros do CrescNet, rede alemã para monitoramento
de crescimento de crianças (dados fornecidos pelos pediatras participantes).
Foram incluídas crianças que tiveram pelo menos uma consulta com pediatra
participante entre 0 e 14,9 anos de idade (“infância”) e outra visita entre
15,0 e 18,9 anos de idade (“adolescência”); um total de 51.505 crianças com
336.227 pontos de dados preencheram os critérios de seleção. A análise
retrospectiva avaliou o percentual de crianças quanto à adequação do peso, demonstrando
que a maioria dos adolescentes com peso normal tinha um peso normal durante
toda a infância. A maioria dos adolescentes que eram obesos tinha um peso
normal quando bebês, mas quando tinham 5 anos de idade já estavam com sobrepeso
(22%) ou obesos (31%). A porcentagem de crianças obesas que se tornaram
adolescentes obesos aumentou continuamente com a idade. Na análise prospectiva
foi avaliado o percentual de crianças em cada categoria de peso na adolescência
em relação ao grupo de peso durante a infância para estimar a probabilidade de
uma criança obesa ser obesa na adolescência. Aproximadamente 50% das crianças
que estavam com sobrepeso aos 2 anos de idade ou mais jovens retornaram ao peso
normal na adolescência, enquanto que entre as crianças que eram obesas aos 3
anos de idade, a probabilidade de estarem acima do peso ou obesas na
adolescência foi de quase 90%, e apenas uma minoria de crianças pequenas com
obesidade retornou a um peso normal. As crianças que eram magras (escore de
desvio padrão do IMC <0) raramente se tornaram com sobrepeso ou obesidade na
adolescência. Esses padrões de IMC relacionados à idade foram semelhantes em
meninos e meninas.
Para
avaliar a idade em que a aceleração mais pronunciada do IMC ocorreu, foi
examinada a variação anual no escore de desvio padrão (DP) do IMC durante a
infância em relação à ocorrência de um escore de DP do IMC de 1,28 ou mais na
adolescência. Um total de 34.196 indivíduos com 245.092 visitas foram
avaliados. O escore médio do DP do IMC e a variação anual do escore de DP do
IMC foram estáveis entre as crianças com baixo peso ou com peso normal,
permanecendo próximas do escore médio esperado do DP de IMC de 0. Entretanto,
quem estava acima do peso ou obeso já tinha um elevado escore de DP do IMC na
primeira infância que aumentava continuamente durante toda a infância. Assim, o
escore do DP do IMC foi muito mais estável entre os adolescentes do grupo com
peso normal do que entre os do grupo com sobrepeso ou obesidade. Entre os
adolescentes com sobrepeso e obesidade, a maior aceleração no escore de DP do
IMC ocorreu entre 2 e 6 anos de idade, e a mudança anual no escore de DP do IMC
permaneceu positiva (embora a uma taxa menor) a partir de então, o que levou a
um maior grau de obesidade. Assim, o maior acúmulo de peso ocorreu na primeira
infância, com um aumento ainda maior no escore de DP do IMC a partir de então,
o que levou eventualmente ao excesso de peso ou à obesidade. Esses padrões
foram encontrados de maneira semelhante em meninos e meninas.
Crianças
que eram grandes para a idade gestacional (GIG) continuaram a ter IMC
consistentemente maior durante a infância e adolescência do que as crianças que
tinham peso adequado para a idade gestacional (AIG) ou eram pequenas para a
idade gestacional (PIG). A mudança anual no escore de DP do IMC permaneceu
relativamente estável em todos os três grupos de peso ao nascer. Quase metade
(43,7%) das crianças que eram GIG tinham sobrepeso ou obesidade na
adolescência, enquanto que menos de 30% das crianças que eram AIG ou PIG se
tornaram com sobrepeso ou obesas na adolescência (P <0,001), o que implica num
risco relativo para sobrepeso ou obesidade de 1,55 (IC 95%, 1,38 a 1,74) entre
adolescentes que tinham sido GIG. Por outro lado, 17,3% dos adolescentes com
sobrepeso ou obesidade eram GIG ao nascer, enquanto apenas 9,6% dos
adolescentes com peso normal ou abaixo do peso eram GIG. Portanto, ser grande ao nascer conferiu risco
significativo de obesidade durante a infância e a adolescência, mas a dinâmica dos
padrões de IMC (isto é, quando a obesidade se manifestou pela primeira vez) foi
semelhante entre os vários grupos de peso ao nascer.
Foram
analisados dados de 1618 pares mãe-filho do estudo LIFE (Leipzig Research Center for Civilization Diseases) Child para
avaliar o efeito do peso materno no desenvolvimento dinâmico do IMC em
crianças. Os filhos de mães que estavam com sobrepeso ou obesas tinham maior
peso ao nascer e, a partir daí, um IMC cada vez maior do que os filhos de mães
que não estavam acima do peso. No entanto, dentro do grupo que incluía crianças
com baixo peso ou com peso normal e o grupo que incluía crianças com sobrepeso
ou obesidade, os filhos de mães com peso abaixo do normal ou com peso normal
não diferiram substancialmente dos filhos de mães que apresentavam sobrepeso ou
obesidade em relação ao escore absoluto de DP do IMC ou à variação anual no escore
do DP do IMC. No geral, esses dados confirmam o excesso de peso materno como
fator de risco independente para obesidade infantil; no entanto, o excesso de
peso materno não afetou o tempo ou a dinâmica do desenvolvimento do IMC durante
a infância. Durante o Clube de Revista foram discutidos os pontos a seguir:
·
Não se pode excluir a possibilidade de que
crianças com doenças crônicas foram incluídas no conjunto de dados;
·
Dados sobre o peso parental e sobre os fatores
de risco perinatais para a obesidade (por exemplo, diabetes materno, histórico
de tabagismo materno, amamentação) seriam desejáveis;
·
O padrão normal de curva de IMC por idade se
apresenta bem estável, com uma desaceleração no ganho de peso entre 2 e 6 anos.
Porém, esta foi a idade no estudo que mais apresentou mudança no escore de
desvio padrão para aqueles obesos ou com sobrepeso na adolescência;
·
Apesar de ser estudo com grande número de
participantes, não podemos extrapolar estes dados para a população brasileira,
cujo perfil socioeconômico e de assistência à saúde é muito diferente da
Alemanha.
Pílula
do Clube: O ganho de peso mais excessivo ocorreu cedo,
entre 2 e 6 anos de idade, e subsequentemente continuou em uma taxa mais baixa,
mas ainda positiva, o que levou a um maior grau de obesidade. Portanto, uma
implicação prática dos resultados deste estudo seria a vigilância da aceleração
do IMC, que deve ser reconhecida antes dos 6 anos de idade, mesmo na ausência
de obesidade.
Discutido
no Clube de Revista de 15/10/2018.