sexta-feira, 24 de março de 2023

Empagliflozin in Patients with Chronic Kidney Disease

 The EMPA-KIDNEY Collaborative Group; William G Herrington, Natalie Staplin, Christoph Wanner, Jennifer B Green, Sibylle J Hauske, Jonathan R Emberson, David Preiss, Parminder Judge, Kaitlin J Mayne, Sarah Y A Ng, Emily Sammons, Doreen Zhu, Michael Hill, Will Stevens, Karl Wallendszus, Susanne Brenner, Alfred K Cheung, Zhi-Hong Liu, Jing Li, Lai Seong Hooi, Wen Liu, Takashi Kadowaki, Masaomi Nangaku, Adeera Levin, David Cherney, Aldo P Maggioni, Roberto Pontremoli, Rajat Deo, Shinya Goto, Xavier Rossello, Katherine R Tuttle, Dominik Steubl, Michaela Petrini, Dan Massey, Jens Eilbracht, Martina Brueckmann, Martin J Landray, Colin Baigent, Richard Haynes


N Engl J Med 2023, 388(2):117-127.

https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2204233 

O estudo EMPA-KIDNEY (Study of Heart and Kidney Protection with Empagliflozin) — um ensaio clínico internacional, randomizado, de grupos paralelos, duplo-cego, controlado por placebo, do inibidor de SGLT2 empagliflozina — foi projetado para avaliar o efeito de tratamento com empagliflozina uma vez ao dia na progressão da doença renal e doença cardiovascular e para examinar o perfil de segurança da droga em uma ampla gama de pacientes com DRC. O estudo teve como objetivo incluir um grande número de pacientes sem diabetes, pacientes com eTFG < 30 ml por minuto por 1,73 m2 e pacientes com baixos níveis de proteinúria, conforme medido pela relação albumina-creatinina urinária.

Os pacientes elegíveis eram adultos com eTFG ajustada para a raça (calculada com o uso da fórmula Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration) de pelo menos 20, mas menos de 45 ml por minuto por 1,73 m2, independentemente do nível de albuminúria, ou com uma eTFG de pelo menos 45, mas menos de 90 ml por minuto por 1,73 m2 com uma proporção urinária de albumina para creatinina de pelo menos 200 na visita de triagem. Os pacientes deveriam estar tomando uma dose apropriada de um inibidor do sistema renina angiotensina (SRA), mas os pacientes poderiam ser incluídos, conforme especificado no protocolo, se um investigador julgasse que um inibidor do SRA não era indicado ou não seria tolerado. Pacientes com ou sem diabetes eram elegíveis. Foram excluídos pacientes com doença renal policística e aqueles que receberam transplante renal. Os pacientes foram aleatoriamente designados para receber empagliflozina (10 mg uma vez ao dia) ou placebo correspondente. O desfecho primário pré-especificado foi o tempo até a primeira ocorrência de: progressão da doença renal (doença renal em estágio terminal, eTFG <10 mL/min/1,73m2, morte renal ou declínio sustentado ≥40% na eTFG da randomização) ou morte cardiovascular. Os principais resultados secundários pré-especificados foram um composto de hospitalização por insuficiência cardíaca ou morte por causas cardiovasculares, hospitalização por qualquer causa (incluindo a primeira e quaisquer hospitalizações subsequentes) e morte por qualquer causa.

A progressão da doença renal ou morte por causas cardiovasculares ocorreu em 432 de 3304 pacientes (13,1%) no grupo de empagliflozina e em 558 de 3305 (16,9%) no grupo de placebo (RR 0,72; intervalo de confiança [IC] de 95%, 0,64 a 0,82; P< 0,001). A taxa de hospitalizações iniciais e subsequentes por qualquer causa foi menor no grupo de empagliflozina do que no grupo de placebo (24,8 vs. 29,2 hospitalizações por 100 pacientes-ano; taxa de risco, 0,86; IC 95%, 0,78 a 0,95; P=0,003). Nenhum efeito significativo foi observado em relação à hospitalização por insuficiência cardíaca ou morte por causas cardiovasculares (que ocorreu em 4,0% dos pacientes no grupo empagliflozina e em 4,6% no grupo placebo; taxa de risco, 0,84; IC 95%, 0,67 a 1,07; P = 0,15) ou com relação à morte por qualquer causa (em 4,5% e 5,1%, respectivamente; taxa de risco, 0,87; IC 95%, 0,70 a 1,08 ; P = 0,21). Durante o Clube de Revista, os seguintes pontos foram discutidos:

  • O estudo apresenta alguns pontos fortes: grande tamanho amostral e amplos critérios de elegibilidade, o alto nível de adesão ao regime do estudo e o acompanhamento quase completo de todos os pacientes;

  • A principa limitação do estudo é o tempo curto de acompanhamento (média 2 anos) o que reduziu o poder estatístico para a avaliação dos resultados cardiovasculares secundários e terciários.


Pílula do Clube: nesta população de pacientes com uma ampla gama de eTFGs, níveis de albuminúria e causas de DRC, a empagliflozina levou a um risco de progressão de doença renal ou morte por causas cardiovasculares 28% menor do que com placebo, sem grandes preocupações de segurança. 


 Discutido no Clube de Revista de 09/01/2023.

Association Between Subclinical Thyroid Dysfunction and Fracture Risk

 Natalie R Daya, Anna Fretz, Seth S Martin, Pamela L Lutsey, Justin B Echouffo-Tcheugui, Elizabeth Selvin, Stephen P Juraschek


JAMA Netw Open 2022, 5(11):e2240823.

https://jamanetwork.com/journals/jamanetworkopen/fullarticle/2798206 


O hipertireoidismo, com aumento de hormônios T3 e T4, acelera a reabsorção óssea sem a compensação e formação óssea, reduzindo assim a densidade mineral óssea e aumentando o risco de fraturas. A associação entre hipertireoidismo subclínico, no entanto, é menos clara, tendo em vista uma potencial associação direta dos níveis de tireotrofina com o metabolismo ósseo através que receptores de TSH na matriz óssea. 

Uma metanálise prévia incluindo 13 estudos de coorte já havia demonstrado um aumento de risco para todos os tipos de fraturas em paciente com hipertireoidismo subclínico, porém diversos fatores confundidores não foram corrigidos nesses estudos. Nesse contexto, este estudo de coorte foi realizado na população do estudo ARIC (The Atherosclerosis Risk in Communities Study) com o objetivo de avaliar a associação entre os níveis de TSH e fraturas com ajuste para diversos fatores confundidores, como IMC, tabagismo, hipertensão, diabetes, etilismo, nível de HDL, presença de menopausa e níveis de atividade física. Foram incluídos 1.0946 participantes, sendo 2,6% caracterizados com hipertireoidismo subclínico, definido como participantes com TSH abaixo de 0,56 mUI/L com níveis normais de tiroxina entre 0,85 e 1,4 ng/dL. Foram avaliadas fraturas de todos os tipos através da vigilância ativa de hospitalizações da população do estudo e pelos Dados dos Centros do Medicare e Medicaid durante o período do ano de 1987 a 2019.

Quanto aos resultados, durante o seguimento de 21 anos, o hazard ratio para fraturas foi de 1,34 (IC95% 1,09-1,65) para aqueles com hipertireoidismo subclínico e 0,90 (IC95% 0,77-1,05) para aqueles com hipotireoidismo subclínico em comparação com indivíduos com eutireoidismo. Na análise utilizando os níveis de TSH em uma spline, os níveis de tireotrofina inferiores ao normal foram significativamente associados a um aumento do risco de hospitalização relacionada à fratura naquelas com níveis normais de tiroxina livre. Além disso, o risco de fratura aumentou progressivamente à medida que os níveis de tireotrofina diminuíram abaixo de 0,56 mUI/L. No outro extremo, não houve associação significativa entre o hipotireidismo subclínico, independente dos níveis de TSH.

Os resultados deste estudo, portanto, reforçam os dados já disponíveis na literatura prévia quanto ao aumento de risco de fraturas em casos de hipertireoidismo subclínico, trazendo uma evidência mais robusta, tendo em vista que, diferentemente de estudos anteriores, incluiu uma coorte com uma população mais jovem (média de idade de 56 anos), mais representativa (com inclusão de população branca e negra), com ajuste para diversos fatores confundidos e com um maior tempo de seguimento (média de 21 anos x 12 anos em estudos prévios). Ademais, o risco de fraturas é inversamente proporcional ao nível de supressão de TSH, e mesmo valores discreta ou moderadamente reduzidos, entre 0,1 e 0,56, já demonstraram uma elevação estatisticamente significativa deste risco. Esses dados sugerem, assim, a necessidade de um monitoramento mais próximo de pacientes com reduções ainda que discretas dos níveis de tireotrofina e um potencial benefício em incluir estes pacientes como alto risco, com necessidade de pesar entre riscos e benefícios do tratamento com reposição hormonal nesta faixa laboratorial. Os principais pontos discutidos no Clube foram:

  • Pelos resultados analisados, e indo de encontro aos achados da literatura prévia, parece haver uma associação estatisticamente significativa entre o hipertireoidismo subclínico e o risco de fraturas por qualquer causa. Mais do que isso, quanto menores os níveis de TSH, o risco de hospitalizações por fraturas tende a ter um aumento progressivo;

  • O estudo atual apresentou uma correlação consistente mesmo corrigindo diversos fatores confundidores, em uma população grande e com seguimento prolongado;

  • A prevalência do hipertireoidismo foi baixa, assim como na população em geral, o que pode contribuir para o baixo poder nos subgrupos. Além disso, o estudo usou apenas uma única medida de TSH realizada no baseline, não trouxe dados como densitometria óssea e também não evidenciou as causas das alterações tireoidianas, como a presença ou não de anticorpos.


Pílula do Clube: o estudo traz como principal mensagem a identificação de um grupo de risco mais amplo relevante para as diretrizes focadas no rastreamento e monitoramento de pacientes com hipertireoidismo subclínico para prevenir doença mineral óssea, com necessidade de avaliação mais criteriosa quanto a indicação de tratamento em paciente mesmo com níveis discretamente reduzidos de TSH, reduzindo assim o risco de fraturas por qualquer tipo. 


Discutido no Clube de Revista de 12/12/2022.

GLP-1 Receptor Agonists and the Risk of Thyroid Cancer

 Julien Bezin, Amandine Gouverneur,  Marine Penichon, Clement Mathieu Renaud Garrel, Dominique Hillaire-Buys, Antoine Pariente e Jean-Luc Faillie


Diabetes Care 2023, 46(2):384-390.

https://diabetesjournals.org/care/article-abstract/46/2/384/147888/GLP-1-Receptor-Agonists-and-the-Risk-of-Thyroid?redirectedFrom=fulltext


Os análogos de GLP-1 (aGLP-1) são medicamentos de grande relevância e muito utilizadas no tratamento do diabetes tipo 2 e obesidade. Há receptores de GLP-1 no tecido tireoidiano e estudos de carcinogênese pré-clínicos demonstraram aumento do risco de câncer medular de tireoide associado ao uso de aGLP-1, mas não há evidência do aumento deste risco em humanos. O objetivo deste estudo foi avaliar o risco de câncer de tireoide associado ao uso de aGLP-1. 

Trata-se de um estudo observacional caso-controle, realizado na França com dados do Systeme National des Donnees de Sante que abrange 98,8% da população da França. Foram incluídos pacientes com diabetes tipo 2 em uso de medicamentos de segunda linha (aGLP-1, inibidores de DPP4) ou combinação de drogas (metformina, sulfonilureia, repaglinida, inibidores α-glucosidase ou tiazolidinedionas) excluindo monoterapia com insulina ou combinação de insulinas entre 2006 e 2018. Os casos de câncer de tireoide foram identificados por meio do CID nas notas de alta e procedimentos médicos realizados entre 2014 e 2018. Para definição do tipo de câncer medular, dentre os casos de câncer previamente definidos, foram utilizados os critérios de duas dosagens de calcitonina ou uma dosagem de calcitonina mais uma de CEA em 18 meses ou então tratamento com vandetanibe. A data do primeiro registro era considerada a data índice. Para reduzir o viés protopático, foi realizado um lag time, modificando a data índice dos casos e controles para 6 meses antes. A exposição nos últimos 6 anos foi classificada em ≤ 1 ano, 1 a 3 anos e mais que 3 anos. Cada caso foi combinado com até 20 controles de acordo com a idade, sexo e tempo de diabetes. O risco de câncer de tireoide associado ao uso de aGLP-1 foi estimado por regressão logística com ajuste para bócio, hipotireoidismo, hipertireoidismo, outras drogas antidiabéticas e índice de privação social.

Foram incluídos 2.562 casos de câncer de tireoide e combinados com 45.184 controles. A mediana da idade na data índice era 64 anos (IQR 56-71 para os casos e 57-71 para os controles) e quase 2/3 eram mulheres (67% e 67,2% respectivamente). Antes do período de lag time, 307 (12%) dos casos e 4,348 (9,6%) dos controles haviam sido expostos aos aGLP-1. O uso de aGLP-1 por 1 a 3 anos se associou com aumento do risco de todos os tipos de câncer de tireoide [hazard ratio (HR) ajustado de 1,58 (IC95% 1,27-1,95) e câncer medular de tireoide [HR ajustado de 1,79 (IC95% 1,04-3,05)]. No Clube de Revista foram discutidos os seguintes pontos:

  • Os resultados deste estudo divergem dos resultados de ensaios clínicos randomizados e revisão sistemática prévia sobre o assunto;

  • O diagnóstico de câncer avaliado por meio do CID e procedimentos realizados parece adequado, entretanto ainda assim está sujeito a erros. Além disso, a relevância clínica (gravidade) dos casos de diagnóstico de câncer de tireoide não foi informada;

  • O diagnóstico de câncer medular de tireoide com base nas coletas de calcitonina/CEA são critérios que ficam mais suscetíveis a vieses e causa estranhamento a alta taxa deste tipo de neoplasia na coorte; 

  • Fatores de risco para câncer de tireoide como história familiar e exposição a irradiação de cabeça ou pescoço não foram descritos;

  • Um potencial fator confundidor que não foi corrigido no modelo de risco foi a presença de obesidade, que é sabidamente um fator de risco para câncer de tireoide;

  • Trata-se de um estudo observacional, não permite avaliar causalidade.


Pílula do Clube: O uso de aGLP-1 pode estar associado a um maior risco de todos os tipos de câncer de tireoide e câncer medular de tireoide e estes medicamentos devem ser utilizados com cautela em pacientes com risco aumentado ou com história dessa neoplasia.


Discutido no Clube de Revista em 21/11/2022.

sábado, 11 de março de 2023

Once-Weekly Semaglutide in Adolescents with Obesity

Daniel Weghuber, Timothy Barrett, Margarita Barrientos-Pérez, Inge Gies, Dan Hesse, Ole K. Jeppesen, Aaron S. Kelly, Lucy D. Mastrandrea, Rasmus Sørrig, and Silva Arslanian, for the STEP TEENS Investigators*


N Engl J Med 2022; 387:2245-2257.

https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2208601 


  A semaglutida injetável semanal (análogo do GLP-1) é uma intervenção medicamentosa já utilizada na população adulta no tratamento da obesidade com evidência de perda de peso significativa e sustentada. A população pediátrica apresenta uma prevalência crescente de obesidade e também está sujeita a suas complicações a médio e longo prazo, como diabetes mellitus (DM), hipertensão arterial sistêmica (HAS), apneia obstrutiva do sono e piora da qualidade de vida. As intervenções de modificação de estilo de vida (MEV) isoladas têm resultados discretos e imprevisíveis na população pediátrica. Este é um ensaio clínico randomizado de fase 3 sobre o uso de semaglutida injetável semanal para a perda de peso, na dose de 2,4 mg, e em adolescentes de 12 a 18 anos de idade.  

Os participantes foram recrutados em 37 centros de 8 países. Foram incluídos indivíduos púberes (estágio de Tanner maior ou igual a 2), de 12 a 18 anos, com obesidade ou sobrepeso associado a comorbidade, e tentativa prévia de perda de peso mal sucedida. Foram excluídos pacientes com perda recente de mais de 5 kg, cirurgia bariátrica, doença tireoidiana não controlada, obesidade secundária, depressão maior nos últimos 2 anos e quadros psiquiátricos graves. A intervenção em estudo foi a comparação entre MEV + placebo e MEV + semaglutida semanal. Ambos os grupos passaram por um período de 12 semanas de MEV antes da randomização semaglutida ou placebo - na proporção de 2:1. Após a randomização, os pacientes receberam a intervenção por 68 semanas e foram observados por 7 semanas após a suspensão do tratamento. Tanto placebo quando semaglutida foram escalonados até atingir a dose de 2,4 mg - podendo o paciente não atingir a dose final proposta, caso a alternativa fosse a suspensão do tratamento por efeitos adversos intoleráveis. O desfecho primário determinado foi perda de IMC, com desfecho secundário confirmatório de perda de pelo menos 5% do peso. 

A população em estudo era 79% caucasiana e composta por 62% mulheres, com idade média de 15 anos. Houve perda de 16,1% de IMC no grupo semaglutida versus ganho de 0,6% com MEV isolada - 16,7% de diferença entre os grupos (P<0,001), sendo que 73% dos pacientes no grupo intervenção atingiram 5% ou mais de perda de peso versus 18% no grupo controle (P<0,001). Não foi calculado P para demais desfechos secundários analisados, mas parâmetros como redução de Z score IMC, redução de colesterol total, queda na hemoglobina glicada e diminuição da circunferência abdominal, atingiram intervalo de confiança de 95% que não ultrapassavam o valor zero, mostrando tendência a benefício da intervenção versus grupo placebo. Não foi detectada diferença entre grupo intervenção e grupo controle em mudanças na pressão arterial e no HDL. Houve melhora em escalas de qualidade de vida às custas de melhora de conforto físico no grupo intervenção versus grupo controle e melhora de escores de sintomas psiquiátricos. 

O perfil de segurança observado foi semelhante ao observado em população adulta, com 36% dos pacientes no grupo semaglutida reportando vômitos versus 10% no controle, 15% dor abdominal versus 10% entre controles - 42% do grupo placebo e 62% do grupo intervenção apresentaram qualquer efeito adverso durante o tratamento. A mesma proporção de pacientes desistiu do tratamento por efeitos adversos em ambos os grupos (5%). Não houve efeito deletério em puberdade ou crescimento linear. 87% dos pacientes atingiram a dose alvo de 2,4 mg no grupo semaglutida versus 100% no grupo intervenção. Dois pacientes apresentaram apendicite e 3 pacientes apresentaram colelitíase no grupo intervenção - não houve eventos desse tipo no grupo controle. Houve reganho de peso após suspensão da semaglutida no grupo intervenção - reganho de cerca de 3% do IMC inicial (presumido pelos gráficos). Durante o Clube de Revista, foram discutidos os seguintes pontos:

  • O estudo tem boa qualidade metodológica (controlado por placebo, randomizado, multicêntrico e internacional), tamanho amostral compatível com os desfechos analisados e boa adesão às intervenções (99% dos participantes concluiu o estudo e 90% a intervenção proposta);

  • Por sua vez apresenta algumas limitações como população primariamente caucasiana, prejudicando a validade externa; pouco período de observação após suspensão do medicamento; conflitos de interesse - desenhado e conduzido pela indústria farmacêutica e pouca transparência sobre a população em estudo - não há registro de quantos pacientes foram rejeitados antes do período de run in de 12 semanas - população possivelmente altamente selecionada;

  • Os pesquisadores optaram pelo uso de % de IMC inicial em dados brutos como desfecho primário, quando tipicamente se utiliza alteração de Z score para comprovação de perda de peso na população pediátrica. O Z score é uma medida mais sensível para contabilizar a perda de peso - a análise de Z score entrou como desfecho secundário na análise.


Pílula do Clube: o uso de semaglutida como tratamento farmacológico de obesidade em adolescentes apresenta resultados semelhantes aos da população adulta, podendo ser uma opção também nesta população.


Discutido no Clube de Revista de 14/11/2022.

Artificial sweeteners and risk of cardiovascular diseases: results from the prospective NutriNet-Santé cohort

Charlotte Debras, Eloi Chazelas, Laury Sellem, Raphaël Porcher, Nathalie Druesne-Pecollo, Younes Esseddik, Fabien Szabo de Edelenyi, Cédric Agaësse, Alexandre De Sa, Rebecca Lutchia, Léopold K Fezeu, Chantal Julia, Emmanuelle Kesse-Guyot, Benjamin Allès, Pilar Galan, Serge Hercberg, Mélanie Deschasaux-Tanguy, Inge Huybrechts, Bernard Srour, Mathilde Touvier


BMJ 2022, 378:e071204

https://www.bmj.com/content/378/bmj-2022-071204.long 


A Organização Mundial da Saúde recomenda que <5% da ingesta diária de energia seja proveniente de açúcar livre. Nesse cenário, os adoçantes artificiais surgem como uma alternativa, contudo, a ingestão diária aceitável para cada tipo de adoçante permanece controversa. 

Com vistas a investigar as associações entre o consumo de adoçantes artificiais (em mg/dia) em todas as fontes alimentares e risco de doença cardiovascular (DCV), o presente estudo estudou uma coorte prospectiva francesa (NutriNet-Santé), a qual recrutou adultos franceses (> 18 anos) por meio de campanhas de multimídias. Inicialmente, os voluntários deveriam preencher questionários online que incluíam 5 itens: dieta (registro alimentar em 24h), dados de saúde e sociodemográficos, medidas antroprométricas, estilo de vida e nível de atividade física. Em relação à avaliação da ingesta alimentar, foi utilizado registro alimentar de 24 horas em três dias não consecutivos, em que os participantes deveriam registrar todos os alimentos e bebidas consumidas, além da quantidade de consumo. O método de corte de Goldberg foi utilizado para avaliar subnotificação de registro e, caso fosse identificado, era excluído da análise. Os desfechos cardiovasculares avaliados incluíram: DAC (infarto agudo do miocárdio, angina, angioplastia, síndrome coronariana aguda) e doença cerebrovascular (acidente vascular encefálico e ataque isquêmico transitório). Os participantes com DCV no baseline ou com diagnóstico nos primeiros 2 anos de acompanhamento foram excluídos. Tais desfechos eram avaliados por meio do questionário de saúde semestrais. Os dados também foram pareados com banco de dados nacionais para evitar que qualquer DCV fosse subnotificado. Pacientes com diabetes mellitus tipo 1 ou 2 também foram excluídos. Os participantes foram classificados em três categorias de consumo de adoçantes artificiais: não consumidores, baixo consumidores e alto consumidores (de acordo com mediana específica do sexo). 

A coorte incluiu 103.388 participantes, com média de idade de 42,2 anos (DP 14,4) e 79,8% eram mulheres. Um total de 37,1% dos participantes consumiu adoçantes artificiais. A ingestão média de adoçantes artificiais foi de 15,76 mg/dia entre todos os participantes e 42,46 mg/dia apenas entre os consumidores. Os alto consumidores, quando comparados com aos não consumidores, eram mais jovens (39,97 anos DP 13,35 x 42,96 anos DP 14,64), com maior IMC (24,79 DP 4,99 x 23,21 DP 4,06), mais frequentemente tabagistas e menos ativos fisicamente. Além disso, possuíam ingesta energética maior, menor consumo de álcool e de alimentos com teor em gorduras, fibras, carboidratos, frutas e vegetais, ao passo que consumiam maior quantidade de sódio, carne vermelha e ultra processada e bebidas sem adição de açúcar. Em relação ao consumo de adoçantes artificiais, 57,9% foi de aspartame, 29,2% de acessulfame de potássio, 10,1% de sucralose e 2,8% incluíram outros tipos de adoçantes. A ingesta média de adoçantes artificiais (em geral) nos participantes caracterizados como altos consumidores foi 77,62 mg/dia (DP 89,33) e em baixo consumidores 7,46 mg/dia (DP 4,95).

Durante o seguimento (duração mediana de 9 anos) ocorreram 1502 eventos cardiovasculares, entre os quais houve 730 eventos de doença arterial coronariana (143 infartos agudo do miocárdio, 75 síndrome coronariana aguda, 477 angioplastias e 277 casos de angina pectoris) e 777 eventos de doença cerebrovascular (203 acidentes vasculares cerebrais e 598 ataques isquêmicos transitórios). A média de idade no evento de DCV foi de 62,7 anos (desvio padrão de 12,9). A ingestão total de adoçante artificial foi associada ao aumento do risco de DCV (taxa de risco 1,09, intervalo de confiança de 95% 1,01 a 1,18, P = 0,03). Os adoçantes artificiais foram mais associados ao risco de doença cerebrovascular (1,18, 1,06 a 1,31, P = 0,002). A ingestão de aspartame foi associada ao aumento do risco de eventos cerebrovasculares (1,17, 1,03 a 1,33, P = 0,02) e acessulfame de potássio e sucralose foram associados ao aumento do risco de doença coronariana (1,40, 1,06 a 1,84 , P=0,02 e 1,31, 1,00 a 1,71, P=0,05, respectivamente). Os resultados foram semelhantes quando ajustados para as variáveis que potencialmente poderiam alterar os resultados. 

Para adoçantes artificiais de bebidas ou alimentos sólidos, as associações foram estatisticamente significativas entre: adoçantes de bebidas e risco de DCV (P=0,02), entre aspartame de bebidas e risco de doença coronariana (P=0,03) e entre acessulfame de potássio, sucralose e aspartame de alimentos sólidos com doença cerebrovascular (P=0,01, P=0,002 e P=0,006, respectivamente). As análises de substituição não sugeriram um benefício para a substituição de adoçantes artificiais por açúcares adicionados para risco de DCV, risco de doença cerebrovascular ou risco de doença arterial coronariana. No Clube de Revista foram discutidos os seguintes pontos:

  • As limitações do estudo incluem: sem possibilidade de estabelecer relação causal (em virtude do delineamento); dificuldade de generalização dos resultados, considerando que o consumo de adoçantes artificiais da coorte do estudo é menor em relação à população francesa em geral, além de poder estatístico limitado em detectar algumas associações específicas de DCV;

  • Relevância do assunto do estudo, considerando que os adoçantes artificiais, por vezes, são considerados como alternativas ‘saudáveis’ em substituição de açúcar livre; 

  • Impacto negativo em saúde cardio-metabólica de alimentos ultra processados; 

  • Dificuldade em diferenciar se os resultados do estudo são secundários aos adoçantes artificiais unicamente ou ao consumo de alimentos ultra processados em geral, os quais são nutricionalmente inferiores. 


Pílula do Clube: a ingestão total de adoçantes artificiais foi associada ao aumento do risco de DCV geral e doença cerebrovascular, sendo a ingestão de aspartame associada ao aumento do risco de eventos cerebrovasculares, e o acessulfame de potássio e a sucralose associados ao aumento do risco de doença coronariana. 


Discutido no Clube de Revista de 07/11/2022.

sexta-feira, 10 de março de 2023

First-Line Therapy for Type 2 Diabetes With Sodium–Glucose Cotransporter-2 Inhibitors and Glucagon-Like Peptide-1 Receptor Agonists: A Cost-Effectiveness Study

 Jin G. Choi; Aaron N. Winn, M. Reza Skandari, Melissa I. Franco, Erin M. Staab, Jason Alexander, Wen Wan, Mengqi Zhu, Elbert S. Huang, Louis Philipson, and Neda Laiteerapong


Ann Intern Med 2022, 175(10):1392-1400.

https://www.acpjournals.org/doi/full/10.7326/M21-2941



O diabetes mellitus do tipo 2 é uma doença de prevalência elevada com aumento importante nos custos associados, em parte pela adoção de medicamentos mais modernos e mais caros. Apesar de ter efetividade comprovada em diversos estudos clínicos, fármacos como iSGLT2 e aGLP-1 são muito mais caros do que a terapia de primeira linha, metformina, e há um tradedoff entre o aumento de efetividade com o aumento do custo. Este estudo se dispõe a responder qual o limiar de custo-efetividade de cada uma destas intervenções, quando comparado com metformina, em pacientes americanos com diagnóstico recente de DM2, sob a perspectiva do sistema de saúde dos EUA, ao longo da vida toda. Para isso, os autores modificaram o modelo UKPDS OM2 (United Kingdom Prospective Diabetes Study Outcomes Model version 2), incluindo um módulo que permitia a comparação de medicamentos. Probabilidades de transição foram obtidas através de meta-análises anteriores feitas pelos próprios autores. A medida de custo efetividade utilizada foi ICER (Incremental Cost Effectiveness ratio) por QALY (Quality-Adjusted Life Years), com WTP (Willingness-to-Pay) de U$150.000.

Os resultados obtidos na análise inicial indicam que, em comparação com metformina, o uso de iSGLT2 e aGLP-1 excederiam o limiar de WTP, com ICER de U$ 478.000 para iSGLT2 e com aGLP-1 dominado, devido ao fato de ser mais caro e resultar em menos QALYs que metformina. Análise de sensibilidade em outros cenários demonstrou resultados similares, com destaque para a estratégia que não inclui perda de qualidade de vida pelo medicamento, onde iSGLT2ficou com ICER de U$ 307.000 e aGLP-1 ficou com ICER de  U$ 327.000. As limitações citadas no artigo incluíram o fato de o modelo utilizado superestimar complicações macrovasculares, o fato da população de base ter dados incompletos, o viés induzido por utilizar custo do Medicare e a ausência de generalização das conclusões para fora dos EUA. Pontos discutidos no Clube incluíram:

  • A ausência de sensibilidade do modelo quanto à diferenças no controle glicêmico;

  • Inadequação de comparar metformina, a biguanida de escolha, com classe de medicamentos, incluindo medicamentos menos efetivas, como exenatide;

  • Probabilidades de transição incompatíveis com dados atuais, em decorrência de falhas metodológicas em meta análises que serviram como fonte;

  • Efeito desproporcional de efeitos adversos, visto que qualidade de vida de diferentes condições foram determinadas por questionários diferentes em contextos diferentes;


Pílula do Clube: este estudo conclui que metformina é a opção mais custo-efetiva como terapia de primeira linha para DM2, porém falhas metodológicas importantes prejudicam a validade interna e externa deste estudo, que não responde a pergunta a que se propôs.


Discutido no Clube de Revista de 31/10/2022.

Liraglutide for Weight Management in Children and Adolescents with Prader-Willi Syndrome and Obesity

 Gwenaëlle Diene, Moris Angulo, Paula M Hale, Cecilie H Jepsen, Paul L Hofman, Anita Hokken-Koelega, Chethana Ramesh, Serap Turan, Maïthé Tauber


J Clin Endocrinol Metab 2022, 108(1):4-12.

https://academic.oup.com/jcem/article/108/1/4/6736895?login=false 


A síndrome de Prader-Willi (SPW) é a forma sindrômica mais comum de obesidade, caracterizando-se por hiperfagia, obesidade de início precoce, hipogonadismo, atraso no desenvolvimento e traços faciais característicos. A restrição alimentar pode ser de difícil implementação. A liraglutida é agonista de receptores de GLP-1 que aumenta a saciedade e reduz a ingestão energética por efeitos hipotalâmicos inclusive, levando à perda de peso. Em adolescentes com obesidade, a liraglutida 3mg como adjuvante de intervenções no estilo de vida é eficaz para perda de peso. Objetivo: Investigar eficácia e segurança da liraglutida em crianças e adolescentes com SPW e obesidade versus placebo em 16 semanas e versus nenhum tratamento em 52 semanas como adjuvante de uma dieta estruturada e programa de exercícios. 

Foi realizado um ensaio clínico randomizado por 52 semanas, controlado por placebo, grupos paralelos, com período duplo-cego de 16 semanas e período aberto de 36 semanas, com período de 2 semanas sem medicamentos. Pacientes e investigadores estavam cegos para tratamento do estudo designado durante as primeiras 16 semanas de tratamento. Os pacientes foram randomizados 2:1 para liraglutida 3 mg (ou dose máx tolerada) ou placebo correspondente nas 16 semanas iniciais (período duplo-cego). Das semanas 17 a 52, pacientes designados para liraglutida continuaram recebendo seu tratamento randomizado e pacientes designados para placebo não receberam nenhum tratamento além de dieta e exercício (período aberto). Foram critérios de inclusão: idade ≥12 a <18 anos +  Tanner estágio 2-5 e crianças ≥6 a <12 anos + Tanner <2 (adrenarca prematura permitida) com SPW geneticamente confirmada, obesidade (≥ percentil 95 para idade e sexo) e peso corporal estável. Foram critérios de exclusão: diabetes mellitus, insuficiência adrenal e gastroparesia. O tratamento concomitante com hormônio de crescimento foi permitido se iniciado antes da randomização e mantido até o final do período aberto. O desfecho primário avaliado foi a alteração no escore de desvio padrão do IMC desde a linha de base até 16 semanas e até 52 semanas. Os desfechos secundários foram: proporção pacientes com redução ≥5% e ≥10% no IMC basal nas semanas 16 e 52, proporção pacientes sem aumento escore desvio padrão IMC basal nas semanas 16 e 52 e alterações da linha de base até semana 16 e semana 52 no IMC, peso corporal, circunferência da cintura, proporção circunferência cintura quadril, escore hiperfagia, PCR, perfil lipidico, PAS e PAD e parâmetros do metabolismo da glicose. Foram selecionados 64 pacientes (32 adolescentes e 24 crianças). A maioria das características basais dos pacientes foram equilibradas entre os grupos. No entanto, em adolescentes randomizados para liraglutida versus placebo, 52,6% eram do sexo feminino (vs 41,7%), o IMC médio foi de 36,3 kg/m2 (vs 40,2 kg/m2) e o peso corporal foi de 90,1 kg (vs 102,0 kg). Em crianças randomizadas para liraglutida versus placebo, 64,7% eram do sexo feminino (vs 28,6%), o IMC médio foi de 32,4 kg/m2 (vs 30,3 kg/m2) e o peso corporal foi de 57,1 kg (vs 55,5 kg). Não houve superioridade da liraglutida quanto aos desfechos estudados, exceto por redução na glicemia de jejum com liraglutida em adolescentes observados na semana 16 e reduções na pontuação total de hiperfagia e pontuação de hiperfagia para liraglutida  versus não tratamento em adolescentes apenas na semana 52. 94,7% dos adolescentes e 58,8% das crianças em uso de liraglutida atingiram a dose alvo de 3 mg. No Clube foram discutidos os seguintes pontos: 

  • Foram avaliados pacientes em duas diferentes fases de desenvolvimento. Considerando os grupos em separado o número pequeno de pacientes era muito pequeno, sugerindo pouco poder para avaliar os desfechos pretendidos;

  • O patrocinador foi responsável pela concepção e condução do estudo e pela coleta e análise de dados, o que faz com que os resultados devam ser avaliados com cautela;

  • A falta de efeito da liraglutida na redução escore desvio padrão IMC nessa população não é clara, visto que a medicação tem se mostrado eficaz em alguns pacientes com obesidade hipotalâmica por dano hipotalâmico (craniofaringioma).


Pílula do Clube: a liraglutida não  mostrou superioridade em relação ao placebo para redução do IMC em pacientes com SPW e obesidade em crianças e adolescentes. Baixo poder é uma possibilidade para os resultados negativos.


Discutido no Clube de Revista de 24/10/2022.


Semaglutide and Cardiovascular Outcomes in Obesity without Diabetes

  A. Michael Lincoff, Kirstine Brown‐Frandsen, Helen M. Colhoun, John Deanfield, Scott S. Emerson, Sille Esbjerg, Søren Hardt‐Lindberg, G. K...