quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Microvascular Complications of Posttransplant Diabetes Mellitus in Kidney Transplant Recipients: A Longitudinal Study


Thizá Massaia Londero, Luana Seminotti Giaretta, Luisa Penso Farenzena, Roberto Ceratti Manfro, Luis Henrique Canani, Daniel Lavinsky, Cristiane Bauermann Leitão, and Andrea Carla Bauer

J Clin Endocrinol Metab 2019, 104(2):557-567.

Diabetes Mellitus Pós Transplante – DMPT recebe essa denominação para hiperglicemia persistente pós-transplante desde 2014. Há poucos estudos avaliando complicações microvasculares neste tipo de diabetes, e o objetivo do presente estudo foi avaliar o curso clínico das complicações microvasculares diabéticas em receptores de transplante renal com mais de 5 anos de diagnóstico de DMPT. Foi feito uma coorte com dados históricos de pacientes do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, transplantados renais de 2000 a 2011; dos 895 pacientes que fizeram transplante de rim, 40 foram avaliados por DMPT por mais de 5 anos, e 51 selecionados como controles, sem DMPT. Foram avaliadas complicações microvasculares: retinopatia – por SS-OCT e foto de fundo de olho; neuropatia periférica – questionário MSNI e monofilamento 10g; neuropatia autonômica – testes de Ewing e hipotensão postural; nefropatia – creatinina (TFGe por CKD-EPI) e índice proteína/creatinina na urina (IPC).
Nos resultados, a média de DMPT foi de 8 anos, e de hemoglobina glicada de 7,4%. Não houve diferença entre pacientes com e sem DMPT em relação a neuropatia autonômica, nefropatia e retinopatia (nenhum paciente avaliado apresentou alteração de retinopatia no fundo de olho). Mais de 60% dos pacientes com DMPT tiveram polineuropatia (OR 1,55; IC95% 1,26 a 1,91; P < 0,001), e mais pacientes com DMPT tiveram a camada retiniana avaliada por SS-OCT mais fina. Os seguintes pontos foram discutidos no Clube de Revista:
·       A maioria dos estudos bem conduzidos sobre DMPT avaliou complicações relacionadas ao transplante (mortalidade, perda de enxerto, doença cardiovascular) e este seria um estudo com desenho adequado para avaliar as complicações da hiperglicemia;
·       Um estudo anterior que avaliou complicações de DMPT era antigo (2007), com terapias diferentes na época para imunossupressão e infecções, e buscou por dados de CID-9 as complicações, não sendo dados específicos para diabetes. Na época, por esse estudo, as complicações seriam prevalentes (mais de 58% dos pacientes tinham pelo menos uma complicação), e foi avaliado até 3 anos de seguimento, o que levou ao pensamento de que as complicações se dariam de forma acelerada;
·       O presente estudo teve complicações microvasculares do DMPT com prevalência menor que a esperada;
·       Ausência de retinopatia foi inesperado (esperado de 6 a 23% para DM1 – por exemplo). Especula-se que afinamento da retina seja um achado inicial;
·       Ausência de diferença em função renal é semelhante a outros estudos;
·       Neuropatia autonômica interpretada com ressalvas devido às medicações em uso e a própria DRC – mais estudos são necessários;
·       O DMPT parece ser um tipo único de diabetes – não tão insulinopênico como DM1 e não tão inflamatório quanto tipo 2 – com repercussões mais leves em órgãos alvo em relação a complicações microvasculares.

Pílula do Clube: A prevalência de complicações microvasculares em pacientes com DMPT foi menor que o esperado neste estudo que avaliou pacientes com média de 8 anos de doença. Sugere-se avaliar neuropatia periférica após 5 anos do diagnóstico, e mais estudos para avaliar demais complicações, particularmente as alterações na retina.

Discutido no Clube de Revista de 16/12/2019.

domingo, 15 de dezembro de 2019

A Comparison of Two LDL Cholesterol Targets after Ischemic Stroke


P. Amarenco, J.S. Kim, J. Labreuche, H. Charles, J. Abtan, Y. Béjot, L. Cabrejo,
J.-K. Cha, G. Ducrocq, M. Giroud, C. Guidoux, C. Hobeanu, Y.-J. Kim, B. Lapergue, P.C. Lavallée, B.-C. Lee, K.-B. Lee, D. Leys, M.-H. Mahagne, E. Meseguer, N. Nighoghossian, F. Pico, Y. Samson, I. Sibon, P.G. Steg, S.-M. Sung, P.-J. Touboul, E. Touzé, O. Varenne, É. Vicaut, N. Yelles, and E. Bruckert, for the Treat Stroke to Target Investigators

N Engl J Med 2019, Nov 18.

Recomenda-se o uso de terapia intensiva com estatina após um ataque isquêmico transitório (AIT) ou um acidente vascular cerebral isquêmico (AVCi) de origem aterosclerótica, entretanto, não existe uma recomendação do nível alvo de LDL a ser almejado. Então, neste estudo foi testada a hipótese de que um nível-alvo de LDL inferior a 70 mg/dL seria superior a um intervalo-alvo de 90 - 110 mg/dL em reduzir eventos cardiovasculares maiores após um AVCi ou um AIT em pacientes com evidência de aterosclerose. Foi um estudo randomizado 1:1, baseado na ocorrência de eventos, de grupos paralelos, conduzido em 61 centros na França e 16 na Coréia do Sul. Os pacientes eram elegíveis se tivessem 18 anos ou mais (> 20 anos na Coréia do Sul); tivessem tido AVCi nos últimos 3 meses, seguido por uma pontuação de 0 a 3 na escala Rankin modificada; ou tivessem passado por um AIT nos últimos 15 dias. Para participar do estudo, os pacientes precisavam ter doença aterosclerótica que incluísse estenose de uma artéria cerebral ipsilateral ou contralateral à região de isquemia cerebral imputada; placas ateroscleróticas do arco aórtico medindo pelo menos 4 mm; ou uma história conhecida de doença arterial coronariana. Os pacientes deveriam ter um LDL diretamente medido de pelo menos 70 mg/dL se usassem estatina antes da randomização ou de pelo menos 100 mg/dL se ainda não usassem.
Os pesquisadores, que poderiam prescrever qualquer tipo e dose de estatina para atingir os alvos, eram orientados a dosar o LDL 3 semanas após a randomização, a fim de ajustar a dose de estatina ou adicionar outros agentes hipolipemiantes, como ezetimiba, se necessário. Os participantes foram, então, acompanhados a cada 6 meses com medida de LDL. Além das visitas presenciais com os investigadores, os pacientes ou seus parentes eram contatados a cada 6 meses para se obter os resultados de LDL da visita anterior e se coletar potenciais desfechos. Se o nível de LDL estava fora do alvo ou se um desfecho fosse observado, o investigador local era contatado. Foi recomendado aos pesquisadores que fornecessem tratamento para todos os pacientes para manter a PA em um nível-alvo de 130/80 mmHg naqueles com diabetes e <140/90 mmHg em todos os outros, para manter um nível de HbA1c < 7% naqueles com diabetes e para incentivar a cessação do tabagismo.
O desfecho primário foi um composto de eventos cardiovasculares maiores e incluía infarto cerebral ou AVC não fatal de origem indeterminada, infarto do miocárdio (IAM) não fatal, hospitalização por angina instável seguida de revascularização coronária urgente, AIT tratado com revascularização carotídea urgente ou morte cardiovascular, incluindo morte súbita inexplicável. Os desfechos secundários foram IAM ou revascularização coronária urgente; infarto cerebral ou revascularização urgente de uma artéria carótida ou cerebral após AIT; infarto cerebral ou AIT; qualquer revascularização de uma artéria coronária, cerebral ou periférica; morte cardiovascular; morte por qualquer causa; infarto cerebral ou hemorragia intracraniana; hemorragia intracraniana; diabetes recentemente diagnosticado; e um composto do desfecho primário ou hemorragia intracraniana.
De março de 2010 a dezembro de 2018, um total de 2.873 pacientes foram randomizados. Desses, 2.860 atenderam aos critérios de inclusão e foram incluídos na análise primária. Foi estimado que 3.786 pacientes resultariam em 385 desfechos primários e forneceriam um poder de aproximadamente 80% para detectar um risco relativo 25% menor de eventos cardiovasculares maiores no grupo do alvo mais baixo do que no grupo do alvo mais alto. Entretanto, 277 eventos ocorreram quando o patrocinador interrompeu o estudo, por conta de escassez de fundos após um acompanhamento mediano de 3,5 anos. Os pacientes foram, então, acompanhados para eventos cardiovasculares incidentes até 26/05/2019.
As características dos pacientes no início do estudo foram semelhantes nos dois grupos. Durante o estudo, 65,9% dos pacientes no grupo alvo mais baixo e 94,0% daqueles no grupo alvo mais alto receberam apenas estatina; 33,8% e 5,8% dos pacientes, respectivamente, receberam ezetimiba mais estatina. O acompanhamento mediando de acordo com o local do estudo foi de 5,3 anos (intervalo interquartil, 2,9 a 7,2) na França e 2,0 anos (intervalo interquartil, 0,5 a 2,9) na Coréia do Sul. Em um acompanhamento mediano de 3,5 anos, o nível médio de colesterol LDL foi de 65 mg/dL no grupo alvo mais baixo e 96 mg/dL no grupo alvo mais alto. O desfecho primário ocorreu em 121 dos 1.430 pacientes (8,5%) no grupo alvo mais baixo e em 156 dos 1.430 pacientes (10,9%) no grupo alvo mais alto (HR ajustado, 0,78; IC95%, 0,61 a 0,98; P = 0,04). A maioria dos eventos de desfecho foram infartos cerebrais ou AVC de origem indeterminada. A diferença entre os grupos para o primeiro desfecho secundário composto de IAM ou revascularização coronária urgente não foi significativa, então os valores de P não são relatados para os demais desfechos secundários restantes. Hemorragia intracraniana ocorreu em 18 pacientes (1,3%) no grupo alvo mais baixo e em 13 (0,9%) no grupo alvo mais alto (HR 1,38; IC 95%, 0,66 a 2,82). O diagnóstico de diabetes ocorreu em 103 pacientes (7,2%) no grupo alvo mais baixo e em 82 (5,7%) no grupo alvo mais alto (HR, 1,27; IC 95%, 0,95 a 1,70). Durante o Clube de Revista foram discutidos os pontos a seguir:
·         Os pesquisadores não eram cegados, estavam cientes dos alvos e níveis de LDL;
·         Este estudo foi registrado 9 meses após o primeiro paciente ter sido inscrito e após 330 pacientes terem sido tratados;
·         Os pacientes na Coréia do Sul foram recrutados mais tarde no estudo do que pacientes franceses;
·         A porcentagem de tempo que os pacientes passaram na faixa terapêutica foi, aparentemente, diferente entre os grupos;
·         O objetivo era alcançar 385 eventos primários, entretanto, 277 eventos ocorreram quando o patrocinador necessitou interromper o estudo;
·         Não existiu um conselho de monitoramento de dados e segurança, pois os autores relataram não haver expectativa de eventos adversos.

Pílula do Clube: Esse foi o primeiro estudo a avaliar alvo de tratamento de dislipidemia com um desenho adequado. A busca por um alvo mais estrito de LDL (< 70 mg/dL) em pacientes com evento cerebrovascular prévio parece acarretar em diminuição de eventos cardiovasculares, porém as limitações metodológicas desse estudo comprometem a sua aplicabilidade.

Discutido no Clube de Revista de 09/12/2019.

Severe neonatal hypoglycaemia and intrapartum glycaemic control in pregnancies complicated by type 1, type 2 and gestational diabetes


Yamamoto JM, Donovan LE, Mohammad K, Wood SL.

Diabet Med 2020, 37(1):138-146.

Trata-se de um estudo de coorte em gestantes com diabetes tipo 1, tipo 2 ou gestacional e seus neonatos, com dados históricos de 2007 a 2014, de hospitais terciários em Calgary, Canadá. Nas mulheres com múltiplas gestações ou gestação múltipla, uma gravidez ou recém-nascido foi escolhido aleatoriamente para inclusão. Foram excluídas as gestantes que tiveram parto fora da área de estudo, definição pouco clara do tipo de DM ou parto após o período do estudo. O desfecho primário avaliado foi hipoglicemia neonatal, definido como tratamento do neonato com terapia intravenosa com dextrose. Outros dados adicionais foram avaliados, por exemplo, neonatais: sexo; modo de parto; idade gestacional; internação em UTI; parto prematuro (<37 semanas); muito prematuro (<34 semanas); peso ao nascer; tamanho para a idade gestacional; e maternos: idade; paridade; peso pré gestacional; tabagismo durante a gravidez; HAS preexistente e gestacional; medicação para diabetes e uso de insulina. A exposição foi o controle glicêmico materno intraparto (período definido como até 24 horas antes do parto). Foram considerados no alvo os valores de GC intraparto dentro da faixa de 64 – 118 mg/dL. Também foram examinados a proporção de glicoses no alvo (50% e 25%) e a hiperglicemia evidente (≥ 155 mg/dL). Hipoglicemia materna foi definida como qualquer glicose registrada <64mg/dL.
No total, havia informações de 157 gestantes com DM1, 267 com DM2 e 3.256 com diabetes gestacional, o que correspondeu a 86,3%, 76,2% e 52,4%, respectivamente, das gestantes com estas comorbidades acompanhadas neste período. Comparando as gestantes que não dispunham da informação do controle intraparto, as DM1 e DM2 não apresentaram diferença significativa, já as com gestacional, eram mais graves (usavam mais insulina, e tinham valores piores no TOTG). A idade materna média era em torno de 30 anos, a duração do diabetes nas DM1 em torno de 14,9 anos e 4 anos nas com DM2. Em relação ao tratamento da DM 30% das DM1 usavam bomba de insulina, 90% das DM2 usavam insulina e 31,5% no grupo das DM gestacional. A hemoglobina glicada média no terceiro trimestre no grupo de DM1 foi 6,9% e de DM2 foi 6,3%.
Hipoglicemia materna ocorreu em 35,7% das gestantes DM1; 14,2% das DM2 e 2,4% das pacientes com DMG. Após o ajuste dos fatores neonatais, não houve associação significativa entre o controle glicêmico intraparto no alvo e a hipoglicemia neonatal, independentemente do tipo de diabetes. Nas gestantes com DM1 e DM2 e gestacional, parto pré-termo associou-se à hipoglicemia neonatal (OR de 4,1; 2,1 e 5,4, respectivamente). Também apresentou associação com grande para idade gestacional nas pacientes com DM1 e gestacional. A hemoglobina glicada no terceiro trimestre em gestantes com DM1 também se associou à hipoglicemia neonatal e em gestantes com DM2.  Durante o Clube de Revista foram discutidos os seguintes aspectos:
·         Apesar de um número grande de pacientes, possivelmente o estudo não tenha tido poder suficiente para encontrar associação, especialmente no grupo das gestantes DM1;
·         A apresentação dos resultados foi feita como se o estudo fosse com desenho de caso-controle e não de coorte;
·         Não houve associação significativa entre controle glicêmico intraparto no alvo e hipoglicemia neonatal após o ajuste para fatores neonatais, mas fatores como como GIG e o controle glicêmico, presentes antes do período intraparto nas DM pré gestacional, assim como parto pré-termo.

Pílula do Clube: este estudo apoia a hipótese de que outros fatores representam um risco mais substancial para a ocorrência de hipoglicemia neonatal do que o controle glicêmico materno durante um curto período no trabalho de parto; e suporta a necessidade de estudos considerando alvos glicêmicos intraparto menos estritos.

Discutido no Clube de Revista de 02/12/2019.

domingo, 1 de dezembro de 2019

20-Year Follow-up of Statins in Children with Familial Hypercholesterolemia


Ilse K. Luirink, Albert Wiegman, Meeike Kusters, Michel H. Hof, Jaap W. Groothoff, Eric de Groot, John J.P. Kastelein, and Barbara A. Hutten.

N Engl J Med 2019; 381:1547-1556

            Trata-se de estudo observacional com objetivo de avaliar a progressão da aterosclerose subclínica e doença cardiovascular clínica em pacientes com hipercolesterolemia familiar (HF) que começaram tratamento com estatinas na infância, comparando a incidência dos desfechos cardiovasculares destes pacientes com a dos pais com HF e com irmãos sem HF. Um total de 214 pacientes com HF forma heterozigótica confirmada geneticamente que participaram de ECR duplo-cego placebo vs. pravastatina (1997-1999) de um centro na Holanda foram reavaliados após 20 anos. Após o término do ECR, indicou-se pravastatina para todos estes pacientes, que foram seguidos e avaliados quanto aos desfechos, que foram comparados com 95 irmãos sem HF e com os 156 pais com HF. 
            Os pacientes com HF e seus irmãos sem HF foram contatados e preencheram questionário com história médica, estilo de vida, medicações e história familiar e realizaram visita em hospital para exame físico, coleta de perfil lipídico e ecografia de carótidas (medida da espessura da camada média-íntima). Aqueles que não responderam questionário ou não puderam ir ao hospital fizeram entrevista telefônica para avaliar desfechos cardiovasculares. As ecografias foram feitas por ecografista único com experiência (o mesmo que fez no ECR original). Os pais com HF tiveram seus dados sobre desfechos cardiovasculares obtidos por contato com seus médicos assistentes. Foram considerados os desfechos: IAM, angina, doença arterial periférica, AVC, revascularização coronariana, morte por causa cardiovascular.
            Dos 214 pacientes com HF, 184 realizaram perfil lipídico e ecografia e 203 informaram sobre desfechos, e obteve-se informação de todos sobre morte (1 óbito apenas, por acidente de trânsito). Dos 95 irmãos sem HF, 77 realizaram perfil lipídico e ecografia. No ECR original, os pacientes com HF apresentavam as seguintes características: idade média 13 anos, IMC 19,6 kg/m2, 11% tabagistas, colesterol total 300 mg/dl, LDL 237 mg/dl, HDL 48 mg/dl. A idade média de início de estatina foi de 14 anos. Após 20 anos: idade média 32 anos, IMC 25,3, HAS em 9%, DM em 1%, tabagismo em 22%, colesterol total 233 mg/dl, LDL 161 mg/dl, HDL 53 mg/dl. No seguimento, 146 (79%) permaneceram usando estatina (diferentes tipos e doses, sendo as mais usadas atorvastatina 40 mg, rosuvastatina 20 mg e 40 mg e sinvastatina 40 mg); 60 usavam também ezetimibe e 5 usavam inibidor da PCSK9 além da estatina. Quanto aos irmãos sem HF, no início a idade média era 13 anos, IMC 19,1 kg/m2, 6% tabagistas, colesterol total 167 mg/dl, LDL 98 mg/dl, HDL 55 mg/dl. Após 20 anos: idade média 32 anos, IMC 25,5 kg/m2, 34% tabagistas, HAS em 13% e DM em 3%, colesterol total 201 mg/dl, LDL 122 mg/dl, HDL 56 mg/dl; 1 indivíduo usava estatina.
            No seguimento de 20 anos, os pacientes com HF apresentaram redução média de 32% do LDL, sendo que apenas 37 pacientes (20%) atingiram alvo de LDL <100 mg/dl. Na ecografia de carótidas, inicialmente os pacientes com HF tinham espessura médio-intimal maior que a dos irmãos não afetados (0,446 x 0,439 mm); após 20 anos não houve diferença na espessura entre pacientes e irmãos (0,555 x 0,551 mm). Pacientes com HF com LDL no alvo tinham espessura menor (0,532 x 0,560 mm). A taxa de progressão da espessura não foi diferente entre pacientes e irmãos. Quanto aos desfechos cardiovasculares, 1 paciente com HF tinha angina, submetido à revascularização percutânea aos 28 anos (parou estatina após ECR). Não houve morte por causa cardiovascular. Na avaliação dos 156 pais com HF, 41 (26%) apresentaram evento antes dos 40 anos (27 com IAM e 7 com angina), sendo o IAM mais precoce aos 20 anos de idade; houve 11 (7%) mortes antes dos 40 anos (todas por IAM), sendo a mais precoce aos 23 anos. Os pais só iniciaram estatina a partir de uma média de 32 anos (20-51) de idade (classe farmacológica não disponível antes de 1988). Nas curvas de Kaplan-Meier, a sobrevida livre de morte cardiovascular aos 39 anos foi de 100% (pacientes) vs. 93% (pais), enquanto que a sobrevida livre de doença cardiovascular aos 39 anos foi 99% (pacientes) vs. 74% (pais). Durante o Clube de Revista, foram discutidos os seguintes pontos:
·         O estudo agrega evidências relevantes sobre o efeito na vida adulta do início de estatina na infância em pacientes com HF, assunto com poucos dados na literatura;
·         O efeito benéfico encontrado sobre os desfechos cardiovasculares na comparação entre pacientes e pais com HF não pode ser atribuído unicamente ao início precoce de estatina, uma vez que o sistema e cuidados de saúde eram diferentes (décadas distintas), favorecendo os indivíduos mais novos;
·         A avaliação de sobrevida livre de eventos cardiovasculares deveria ter sido feita aos 30 anos, e não 39 anos, considerando a amostra pequena dos filhos com HF acima de 30 anos;
·         Uma parcela considerável dos pacientes com HF usava outras medicações hipolipemiantes além das estatinas, podendo contribuir para os resultados positivos do estudo;
·         Encontrou-se benefício cardiovascular mesmo que o alvo de LDL não tenha sido atingido em 80% dos pacientes, levantando a questão de que a meta de LDL <100 mg/dl possa ser muito estrita para crianças e adolescentes.

Pílula do Clube: Pacientes com hipercolesterolemia familiar (HF) que iniciaram estatina na infância apresentaram menor risco de doença cardiovascular em comparação com indivíduos com HF que iniciaram estatina na vida adulta, e tiveram progressão da espessura médio-intimal das carótidas semelhante a indivíduos sem HF em seguimento de 20 anos.

Discutido no Clube de Revista de 18/11/2019.

Association between Levothyroxine Treatment and Thyroid-Related Symptoms among Adults Aged 80 Years and Older With Subclinical Hypothyroidism


Simon P. Mooijaar, Robert S. Du Puy, David J. Stott, Patricia M. Kearney, Nicolas Rodondi, RudiG. J. Westendorp, Wendy P. J. den Elzen, Iris Postmus,  Rosalinde K. E. Poortvliet, Diana van Heemst, Barbara C. van Munster, Robin P. Peeters, Ian Ford, Sharon Kean, Claudia-Martina Messow, Manuel R. Blum,  Tinh-HaiCollet, Torquil Watt, Olaf M. Dekkers, J. Wouter Jukema, Johannes W. A. Smit, Peter Langhorne, Jacobijn Gussekloo.

JAMA 2019, Oct 30:1-11.

Em 2017, foi publicado um ensaio clínico randomizado (TRUST) que avaliou o efeito do tratamento com Levotiroxina nos sintomas relacionados à tireoide de pacientes com ≥ 65 anos e com hipotireoidismo subclínico, não sendo observada diferença entre o grupo intervenção e o grupo placebo. Nesse estudo, foi incluído um número reduzido de pacientes com ≥ 80 anos e, portanto, não é claro se o tratamento do hipotireoidismo subclínico traria algum benefício na redução de sintomas e na qualidade de vida dessa população. O presente estudo tem como objetivo avaliar a associação do tratamento do hipotireoidismo subclínico com a qualidade de vida relacionada à tireoide em adultos com 80 anos ou mais, e é resultado da combinação dos dados de dois ensaios clínicos randomizados, duplo-cegos e controlados por placebo: (1) estudo IEMO (Institute for Evidence-Based Medicine in Old Age), ainda não publicado, e (2) subgrupo de participantes do TRUST, previamente citado. Foram incluídos adultos com ≥ 80 anos, TSH entre 4,6 e 19,9 mIU/L e valores de T4L normais, ambos confirmados em três medidas no período de 3 anos. Foram excluídos pacientes em uso de medicações capazes de interferir na função tireoidiana (levotiroxina, antitireoidiano, amiodarona, lítio), com cirurgia recente na tireoide ou submetidos a Iodoterapia e portadores de comorbidade grave, como demência, hospitalização recente, doença terminal, insuficiência cardíaca classe IV e evento cardíaco recente. Os desfechos primários foram a mudança, em relação ao basal, nos escores de sintomas de hipotireoidismo e de fadiga, provenientes do questionário ThyPRO, aos 12 meses de intervenção. Os desfechos secundários, avaliados aos 12 meses e na última visita, incluíam mudança no TSH, nos escores de qualidade de vida (EuroQol-5D, EuroQol-VAS), nos escores de atividade de vida diária (Barthel), no grau de dependência, no desempenho físico (handgrip) e cognitivo, assim como variações no peso, no IMC e na pressão arterial. Também foram avaliados eventos cardiovasculares fatais e não-fatais, morte por qualquer causa e os eventos adversos de maior interesse: fibrilação atrial, insuficiência cardíaca, fraturas e desenvolvimento de hipotireoidismo. A análise foi por intenção de tratar e, como foram realizadas duas comparações primárias, valores de P < 0,025 foram considerados com significância estatística.
Foram elegíveis para randomização 105 participantes do IEMO e 146 do TRUST. Do total de 251 pacientes, 112 foram randomizados para o grupo Levotiroxina e 139 para o grupo placebo. A média de idade dos participantes foi de 84,6 anos, 118 (47%) eram do sexo feminino e quase a totalidade era autodeclarada da raça branca; além disso, apresentavam TSH discretamente elevado (valor médio em torno de 6,4 mIU/L e mediano de 5,7 mIU/L), e a maioria vivia de forma independente (>90%). Quanto às características basais, os grupos eram semelhantes entre si, exceto pela presença de maior percentual de cardiopatia isquêmica no grupo placebo em comparação ao grupo da Levotiroxina. Em 12 meses de tratamento, houve queda do TSH de 6,2 para 5,4 mIU/L no grupo placebo e de 6,5 para 3,69 no grupo da Levotiroxina (diferença média entre os grupos de -1,9 mIU/L; IC95%, -0,49 a -1,45; P < 0,001). No mesmo período, o escore de sintomas de hipotireodismo variou de 21,7 para 19,2 e de 19,8 para 17,4 no grupo da Levotiroxina e no grupo placebo, respectivamente (diferença ajustada de 1,3 [IC95%, -2,7 a 5,2]; P = 0,53); no escore de fadiga, foi observada variação de 25,5 para 28,2 no grupo que recebeu a Levotiroxina, e de 25,1 para 28,7 no grupo placebo (diferença ajustada de -0,1 [IC95%, -4,5 a 4,3]; P = 0,96). Quanto aos desfechos secundários, foi observado maior IMC (diferença média entre os grupos de 0,38 [IC95%, 0,08-0,68]; P = 0,01) e maior circunferência da cintura (diferença média entre os grupos de 1,52 cm [IC95%, 0,019-2,95]; P = 0,04) nos pacientes que usaram Levotiroxina em comparação ao placebo. Não foi observada diferença estatística entre os grupos nos demais escores que avaliaram qualidade de vida, atividades de vida diária, desempenho físico e cognitivo, tanto aos 12 meses quanto na última visita, e o tratamento com Levotiroxina não foi associado ao aumento de eventos cardiovasculares, de mortalidade e de outros eventos de maior interesse (acima descritos). No Clube de Revista, foram discutidos os seguintes pontos:
·         Os achados do presente estudo são provenientes da combinação de dados de dois ensaios clínicos que, embora com metodologia muito semelhante e resultados coerentes, não tornam dispensável a realização de uma revisão sistemática/metanálise do assunto;
·         A população é predominantemente composta por idosos independentes e com poucos sintomas, dificultando a percepção do impacto do tratamento na qualidade de vida;
·         O status imunológico dos pacientes não foi avaliado, o que permitiria identificar pacientes com maior risco de evolução para hipotireoidismo;
·         A diferença encontrada no IMC e na circunferência da cintura foi pequena e atribuída ao elevado número de comparações.

Pílula do clube: Em adultos com 80 anos ou mais, o tratamento do hipotireoidismo subclínico com Levotiroxina, em comparação ao placebo, não foi significativamente associado à melhora dos sintomas de hipotireoidismo e de fadiga.

Discutido no Clube de Revista de 11/11/2019.

domingo, 24 de novembro de 2019

Intensive vs Standard Treatment of Hyperglycemia and Functional Outcome in Patients with Acute Ischemic Stroke: The SHINE Randomized Clinical Trial

Johnston KC, Bruno A, Pauls Q, Hall CE, Barrett KM, Barsan W, Fansler A, Van de Bruinhorst K, Janis S, Durkalski-Mauldin VL; Neurological Emergencies Treatment Trials Network and the SHINE Trial Investigators

JAMA 2019, 322(4):326-335

            O ensaio clínico randomizado (ECR) Stroke Hyperglycemia Insulin Network Effort (SHINE) foi realizado para avaliar a eficácia do controle glicêmico, nas primeiras 72 horas, intensivo vs. padrão em pacientes com AVC isquêmico agudo, com a hipótese de que o controle intensivo melhoraria o resultado funcional destes pacientes. Trata-se de um ECR, multicêntrico nos EUA, que incluiu pacientes com AVC isquêmico - déficit neurológico agudo com neuroimagem excluindo sangramento, dentro de 12 horas após início dos sintomas, com diagnóstico de DM tipo 2 e glicemia > 110 mg / dL OU glicemia na admissão ≥150 mg/dL naqueles sem DM conhecido, que apresentassem escore basal do NIHSS de 3-22. Teve como desfecho primário a proporção de pacientes com desfecho favorável após 90 dias (Rankin Scale modificada de 0 se escore basal NIHSS 3 – 7; 0 a 1 se NIHSS 8 – 14; 0 a 2 se NIHSS 15 – 22). Foram desfechos secundários: escore NIHSS, índice Barthel e qualidade de vida em 90 dias (Stroke Specific Quality of Life score). Além disso, teve como desfecho primário de segurança a ocorrência de hipoglicemia grave definida como glicemia < 40 mg/dL independente de sintomas.
            O grupo intensivo (GI) recebeu insulina em infusão endovenosa contínua, alvo 80 a 130 mg/dL utilizando software para ajustes (GlucoStabilizer) + insulina rápida SC 20 minutos antes das refeições, conforme contagem de CH (1:15g). O grupo controle (GC) recebeu insulina rápida SC a cada 6 horas, alvo 80 a 179 mg/dL. Se o alvo não fosse alcançado em 24 e 48 horas, a dose de insulina SC era aumentada e incluída insulina basal. Ambos os grupos receberam tratamento IV e tratamento SC (insulina ou solução salina), como tentativa de cegamento ao paciente, porém as aferições de glicemia capilar foram diferentes entre os grupos, sendo mais frequente no GI.
            A randomização foi parada por preencher “critério de futilidade” na quarta análise interina. Foram randomizados 1.151 pacientes, idade média de 66 anos, 54% homens, 65% brancos e 30% negros, mais de 60% foram submetidos à terapia de reperfusão com alteplase, 80% apresentavam diagnóstico de DM tipo 2, escore NIHSS médio de 7. Após o tratamento, a média de glicemia entre os grupos diferiu: 179 mg/dL (IC95% 175-182) no GC vs. 118 mg/dL (IC95% 115-121) no GI. Não houve diferença nos desfechos de funcionalidade aos 90 dias entre os grupos. O GI teve mais hipoglicemias: RR 2,58 (IC95% 1,29-3,87), P<0,001. Não houve diferenças entre subgrupos (ex. diabetes, idosos...). Durante a discussão no clube foram levantados os seguintes pontos:
·         O tratamento intensivo com insulina não melhorou desfechos de funcionalidade ou qualidade de vida em pacientes com AVC isquêmico agudo, mesmo tendo sido alcançadas médias consideravelmente inferiores de glicemia no grupo intensivo em relação ao padrão;
·         O uso do software GlucoStabilizer para reduzir riscos de hipoglicemia limita a validade externa para muitos hospitais que não disponibilizam deste recurso;
·         O número de hipoglicemias ocorreu em maior frequência no GI, porém, este dado pode ter ocorrido pelo maior número de aferições de glicemia capilar neste grupo.

Pílula do Clube: Em pacientes com AVC isquêmico agudo e hiperglicemia, o controle glicêmico intensivo com insulina EV contínua por até 72 horas não é recomendado, já que não determina benefícios clínicos para estes pacientes e se associa com maior risco de hipoglicemia.

Discutido no Clube de Revista de 04/11/2019.

Ambulatory Blood Pressure Reduction With SGLT-2 Inhibitors: Dose-Response Meta-analysis and comparative Evaluation with Low-Dose Hydrochlorothiazide


Georgianos PI, Agarwal R.

Diabetes Care 2019, 42(4):693-700

Os inibidores da SGLT-2 (iSGLT-2) estão em evidência no tratamento do diabetes tipo 2, após ser demonstrado que conferem proteção cardiovascular e renal. Supõe-se que um dos mecanismos responsáveis por esses benefícios seja a redução de pressão arterial pelo seu efeito natriurético. No entanto, não é sabido se há relação de dose-dependência com essas drogas, nem se efeito é comparável ao da Hidroclorotiazida em dose baixa.  Sendo assim, esta metanálise foi realizada com o objetivo de responder a estes questionamentos e se os iSGLT-2 poderiam melhorar a pressão arterial ambulatorial em 24 horas, durante período diurno e noturno, já que este tipo de monitorização é considerado método mais confiável para predizer eventos cardiovasculares.
        Por meio de uma estratégia de busca, foram identificados ensaios clínicos randomizados (ECR), avaliando o efeito dos iSGLT-2 em pressão ambulatorial, nas plataformas PubMed/MEDLINE, Embase e Cochrane. Foram incluídos ECR com seguimento mínimo de 4 semanas, arrolando pacientes adultos com diabetes, em que o efeito dos iSGLT-2 foi comparado ao placebo ou terapia ativa com medicações antidiabéticas e/ou hidroclorotiazida. Os estudos elegíves foram estratificados de acordo com a dose do iSGLT-2 (baixa versus alta, esta última considerada dose máxima recomendada). Foram incluídos 7 estudos, dos 289 inicialmente identificados, englobando 2.381 pacientes. Apenas em 2 estudos, a hidroclorotiazida (12,5-25mg/dia) foi utilizada como comparador, sendo 65 o número total de participantes randomizados para esta droga. Duração do seguimento variou de 4-12 semanas. Terapia anti-hipertensiva prévia foi avaliada e continuada em 6 estudos, mas modificação da intensidade do tratamento era proibida. Realizada análise do risco de viés, considerado baixo nos estudos. Não foi encontrada heterogeneidade entre eles.
       Comparativamente ao placebo, os iSGLT-2 reduziram a pressão arterial 24h sistólica e diastólica em 3,62 mmHg (IC95% -4,23 a -2,94) e 1,7 mmHg (IC95% -2,13 a -1,26) respectivamente, com maior redução na diurna. Não houve diferença na magnitude da redução da pressão arterial de acordo com dose do iSGLT-2. Na baixa dose, houve redução na pressão sistólica de -3,5 mmHg (IC95% -4,67 a -2,32) e na pressão diastólica -1,62 (IC95% -2,32 a -0,91). Na alta dose, -3,73 mmHg (IC95% -4,57 a -2,88) na pressão sistólica e -1,67 mmHg (IC95% -2,25 a -1,10) na diastólica. Quando hidroclorotizida foi comparada ao placebo, havia redução -3,46 mmHg (IC95% -6,15 a -0,77) na pressão sistólica e -2,23 mmHg (IC95% -4,34 a -0,12), que seria semelhante ao iSGLT-2. Não houve associação entre redução pressórica causada pelos iSGLT-2 e pressão basal. Foi discutido no clube:
  • Esta nova revisão sistemática adicionou apenas um estudo à uma metanálise prévia de 2017;
  • Foi realizada uma comparação indireta entre efeito pressórico dos iSGLT-2 e hidroclorotiazida em dose baixa, de forma inadequada, visto que não foi realizada uma busca abrangente de estudos comparando esta droga ao placebo. Foram analisados apenas os dois estudos incluídos nesta metanálise com n=65 pacientes.


Pílula do clube: o uso de iGSTL-2 demonstrou uma redução média 3,62/1,7mmHg na pressão ambulatorial de 24 horas, que não é modificada com dose da medicação, sendo uma boa alternativa terapêutica em pacientes diabéticos e hipertensos.

Discutido no Clube de Revista de 21/10/2019.

Semaglutide and Cardiovascular Outcomes in Obesity without Diabetes

  A. Michael Lincoff, Kirstine Brown‐Frandsen, Helen M. Colhoun, John Deanfield, Scott S. Emerson, Sille Esbjerg, Søren Hardt‐Lindberg, G. K...