Ilse
K. Luirink, Albert Wiegman, Meeike Kusters, Michel H. Hof, Jaap W. Groothoff, Eric
de Groot, John J.P. Kastelein, and Barbara A. Hutten.
N Engl
J Med 2019; 381:1547-1556
Trata-se de estudo
observacional com objetivo de avaliar a progressão da aterosclerose subclínica
e doença cardiovascular clínica em pacientes com hipercolesterolemia familiar (HF)
que começaram tratamento com estatinas na infância, comparando a incidência dos
desfechos cardiovasculares destes pacientes com a dos pais com HF e com irmãos
sem HF. Um total de 214 pacientes com HF forma heterozigótica confirmada
geneticamente que participaram de ECR duplo-cego placebo vs. pravastatina (1997-1999) de um centro na Holanda foram
reavaliados após 20 anos. Após o término do ECR, indicou-se pravastatina para
todos estes pacientes, que foram seguidos e avaliados quanto aos desfechos, que
foram comparados com 95 irmãos sem HF e com os 156 pais com HF.
Os
pacientes com HF e seus irmãos sem HF foram contatados e preencheram questionário
com história médica, estilo de vida, medicações e história familiar e
realizaram visita em hospital para exame físico, coleta de perfil lipídico e
ecografia de carótidas (medida da espessura da camada média-íntima). Aqueles
que não responderam questionário ou não puderam ir ao hospital fizeram
entrevista telefônica para avaliar desfechos cardiovasculares. As ecografias
foram feitas por ecografista único com experiência (o mesmo que fez no ECR
original). Os pais com HF tiveram seus dados sobre desfechos cardiovasculares
obtidos por contato com seus médicos assistentes. Foram considerados os
desfechos: IAM, angina, doença arterial periférica, AVC, revascularização
coronariana, morte por causa cardiovascular.
Dos
214 pacientes com HF, 184 realizaram perfil lipídico e ecografia e 203
informaram sobre desfechos, e obteve-se informação de todos sobre morte (1
óbito apenas, por acidente de trânsito). Dos 95 irmãos sem HF, 77 realizaram
perfil lipídico e ecografia. No ECR original, os pacientes com HF apresentavam
as seguintes características: idade média 13 anos, IMC 19,6 kg/m2,
11% tabagistas, colesterol total 300 mg/dl, LDL 237 mg/dl, HDL 48 mg/dl. A
idade média de início de estatina foi de 14 anos. Após 20 anos: idade média 32
anos, IMC 25,3, HAS em 9%, DM em 1%, tabagismo em 22%, colesterol total 233
mg/dl, LDL 161 mg/dl, HDL 53 mg/dl. No seguimento, 146 (79%) permaneceram
usando estatina (diferentes tipos e doses, sendo as mais usadas atorvastatina
40 mg, rosuvastatina 20 mg e 40 mg e sinvastatina 40 mg); 60 usavam também
ezetimibe e 5 usavam inibidor da PCSK9 além da estatina. Quanto aos irmãos sem
HF, no início a idade média era 13 anos, IMC 19,1 kg/m2, 6%
tabagistas, colesterol total 167 mg/dl, LDL 98 mg/dl, HDL 55 mg/dl. Após 20
anos: idade média 32 anos, IMC 25,5 kg/m2, 34% tabagistas, HAS em 13%
e DM em 3%, colesterol total 201 mg/dl, LDL 122 mg/dl, HDL 56 mg/dl; 1
indivíduo usava estatina.
No
seguimento de 20 anos, os pacientes com HF apresentaram redução média de 32% do
LDL, sendo que apenas 37 pacientes (20%) atingiram alvo de LDL <100 mg/dl. Na
ecografia de carótidas, inicialmente os pacientes com HF tinham espessura médio-intimal
maior que a dos irmãos não afetados (0,446 x 0,439 mm); após 20 anos não houve diferença
na espessura entre pacientes e irmãos (0,555 x 0,551 mm). Pacientes com HF com
LDL no alvo tinham espessura menor (0,532 x 0,560 mm). A taxa de progressão da
espessura não foi diferente entre pacientes e irmãos. Quanto aos desfechos
cardiovasculares, 1 paciente com HF tinha angina, submetido à revascularização
percutânea aos 28 anos (parou estatina após ECR). Não houve morte por causa
cardiovascular. Na avaliação dos 156 pais com HF, 41 (26%) apresentaram evento antes
dos 40 anos (27 com IAM e 7 com angina), sendo o IAM mais precoce aos 20 anos
de idade; houve 11 (7%) mortes antes dos 40 anos (todas por IAM), sendo a mais precoce
aos 23 anos. Os pais só iniciaram estatina a partir de uma média de 32 anos
(20-51) de idade (classe farmacológica não disponível antes de 1988). Nas
curvas de Kaplan-Meier, a sobrevida livre de morte cardiovascular aos 39 anos
foi de 100% (pacientes) vs. 93%
(pais), enquanto que a sobrevida livre de doença cardiovascular aos 39 anos foi
99% (pacientes) vs. 74% (pais). Durante
o Clube de Revista, foram discutidos os seguintes pontos:
·
O estudo agrega evidências relevantes sobre o
efeito na vida adulta do início de estatina na infância em pacientes com HF,
assunto com poucos dados na literatura;
·
O efeito benéfico encontrado sobre os desfechos
cardiovasculares na comparação entre pacientes e pais com HF não pode ser
atribuído unicamente ao início precoce de estatina, uma vez que o sistema e
cuidados de saúde eram diferentes (décadas distintas), favorecendo os
indivíduos mais novos;
·
A avaliação de sobrevida livre de eventos
cardiovasculares deveria ter sido feita aos 30 anos, e não 39 anos,
considerando a amostra pequena dos filhos com HF acima de 30 anos;
·
Uma parcela considerável dos pacientes com HF
usava outras medicações hipolipemiantes além das estatinas, podendo contribuir
para os resultados positivos do estudo;
·
Encontrou-se benefício cardiovascular mesmo que
o alvo de LDL não tenha sido atingido em 80% dos pacientes, levantando a
questão de que a meta de LDL <100 mg/dl possa ser muito estrita para
crianças e adolescentes.
Pílula
do Clube: Pacientes com hipercolesterolemia familiar (HF) que
iniciaram estatina na infância apresentaram menor risco de doença
cardiovascular em comparação com indivíduos com HF que iniciaram estatina na
vida adulta, e tiveram progressão da espessura médio-intimal das carótidas
semelhante a indivíduos sem HF em seguimento de 20 anos.
Discutido no Clube de Revista de 18/11/2019.
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