Elpida Vounzoulaki, Kamlesh Khunti, Sophia C Abner, Bee K Tan, Melanie J Davies, Clare L Gillies
BMJ 2020; 369:m1361
https://www.bmj.com/content/369/bmj.m1361
O diabetes gestacional (DMG) é definido como o diabetes cujo diagnóstico inicial ocorre no segundo ou terceiro trimestre da gestação, não claramente relacionado com condição de base. Estudos previamente publicados demonstraram risco aumentado de progressão para diabetes tipo 2 (DM2) nas pacientes diagnosticadas com diabetes gestacional, e os guidelines mais recentes recomendam rastreamento ao longo de toda a vida dessas pacientes, pelo menos a cada 3 anos. Entretanto, na última década, houve significativa mudança na demografia das gestantes, com taxas crescentes de obesidade e idade materna avançada. Ocorreram também mudanças nos critérios diagnósticos de diabetes gestacional e foram publicados novos estudos com maior tempo de seguimento e com maior diversidade étnica. Assim, evidências atualizadas, que contemplassem as mudanças ocorridas, tornaram-se necessárias.
O objetivo da revisão sistemática com metanálise foi estimar as taxas de progressão para DM2 de mulheres que tiveram DMG, em comparação com as pacientes normoglicêmicas. Além disso, questionaram-se quais fatores poderiam determinar essa progressão. O estudo foi conduzido de acordo com os guidelines PRISMA e MOOSE, e foi registrado adequadamente no sistema PROSPERO. Foi realizada a busca independente por dois autores nas bases de dados Medline e Embase, utilizando os termos de busca gestational diabetes e type 2 diabetes, a fim de encontrar artigos publicados em inglês a partir de 2000. Foram incluídos estudos de coorte prospectivos e retrospectivos, cujo seguimento pós-parto fosse de pelo menos 12 meses, com grupos de pacientes DMG e controle, e que apresentassem descrição do número de diagnósticos de DMG e DM2. As publicações foram submetidas à avaliação de qualidade através da escala de Newcastle-Ottawa (estudos não randomizados). O viés de publicação foi estimado através de funnel plots com uso dos testes de Begg’s e Egger’s e a heterogeneidade entre os estudos foi calculada pelo teste Higgins I². O risco cumulativo de progressão para DM2 foi calculado através de meta-regressão por idade, IMC, ano de publicação e duração do seguimento, e foram realizadas análises de sensibilidade para explorar o efeito de cada estudo no resultado final.
Dentre as 7.571 publicações encontradas, após remoção de duplicatas, resumos e aplicação de critérios de elegibilidade, restaram 20 estudos, todos observacionais, grande parte conduzida em países europeus, entretanto também da América do Sul, Estados Unidos, Oriente Médio, Austrália, Canadá e Coreia do Sul. A etnia foi categorizada em branca, não branca e mista, sendo que estudos cuja população compreendia > 80% da mesma etnia foram definidos como brancos ou não brancos. No caso de informação faltante, a etnia era definida com base na etnia predominante no país do estudo. O tempo de seguimento variou de 1 a 25 anos. Segundo a escala de Newcastle-Ottawa, a grande maioria dos estudos apresentou avaliação de qualidade com pontuação satisfatória.
A metanálise incluiu um n total de 1.332.373 pacientes, sendo 67.956 pacientes com DMG e 1.264.417 pacientes de grupo controle. O risco relativo combinado para DM2 foi quase 10 vezes maior nas mulheres com DMG do que nas pacientes controles (RR 9,51 IC95% 7,14 a 12,67, P<0,001). Devido à significativa heterogeneidade entre os estudos, foram realizadas análises de subgrupos de acordo com etnia e duração de seguimento, que não resultaram diferenças significativas. Apesar disso, evidenciaram aparente maior risco relativo nos grupos com tempo de seguimento de 1 a 5 anos, pelo menos em parte devido à baixa incidência de DM2 nos braços controle destes estudos de menor duração. Os modelos de meta-regressão e as análises de sensibilidade não demonstraram resultados significativos. Os seguintes pontos foram discutidos no Clube da Revista:
Os resultados da revisão sistemática e metanálise são consistentes com a literatura prévia, e sugerem que mulheres com história de DMG estão cerca de 10 vezes mais propensas a desenvolver DM2, em comparação com as normoglicêmicas;
A presença de DMG poderia potencialmente servir como um preditor para desenvolvimento futuro de DM2;
Dentre as limitações, destaca-se a exclusão de estudos não publicados em inglês, ausência de análise de subgrupos de acordo com história familiar de DM2 ou paridade (informação faltante nos estudos), bem como a inadequada classificação da etnia das pacientes em diversos estudos, requerendo generalização;
Diferentemente do que sugeriram estudos prévios, a incidência cumulativa de DM2 aumentou ao longo do tempo de seguimento, sem platô a partir do quinto ano;
Novos estudos deveriam avaliar estratégias para melhorar a adesão ao rastreamento e a custo-efetividade destas estratégias preventivas.
Pílula do Clube: pacientes com DMG apresentam significativo aumento de risco de progressão para DM2, de cerca de 10 vezes. Apesar das recomendações atuais, as taxas de rastreamento nestas pacientes seguem insuficientes, suscitando a necessidade urgente de políticas e ações para promover o adequado seguimento desta população.
Discutido no Clube de Revista de 28/09/2020.
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