sexta-feira, 29 de março de 2024

Trial of Hybrid Closed-Loop Control in Young Children with Type 1 Diabetes

 R. Paul Wadwa, Zachariah W. Reed, Bruce A. Buckingham, Mark D. DeBoer, Laya Ekhlaspour, Gregory P. Forlenza, Melissa Schoelwer, John Lum, Craig Kollman, Roy W. Beck, and Marc D. Breton, for the PEDAP Trial Study Group*


N Engl J Med 2023, 388(11):991-1001.

https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2210834


O tratamento do Diabetes Tipo 1 (DM1) em crianças pequenas é afetado por peculiaridades da faixa-etária: pré-escolares caracteristicamente apresentam ingesta alimentar imprevisível, além de níveis oscilantes de atividade física e predisposição à quadros infecciosos virais recorrentes, fatores estes que tornam a obtenção de controle glicêmico satisfatório desafiadora. 

As tecnologias no tratamento do diabetes como a monitorização contínua de glicose (Continuous glucose monitoring - CGM) e os sistemas de infusão de insulina têm tornado o controle glicêmico do pré escolar um objetivo mais próximo da realidade. Os sistemas de infusão de insulina híbridos em alça fechada (Closed loop systems - CLS) - o “pâncreas artificial” - já utilizados em adultos há vários anos parecem uma alternativa natural ao tratamento do diabetes em crianças, no entanto, há pouca literatura relatando os efeitos de CLS em população abaixo de 6 anos e poucos sistemas de infusão aprovados nesta faixa etária. 

O estudo em questão - multicêntrico, aberto, randomizado e controlado - abordou o uso do CLS  t:slim X2™ Insulin Pump with Control-IQ™ Technology associado ao CGM Dexcom G6 em uma população de crianças estadunidenses entre 2 e 6 anos entre abril de 2021 e janeiro de 2023. O CLS em questão realiza correção de insulina basal automatizada a cada 5 minutos e aplica bolus de refeição conforme os carboidratos informados pelo paciente ou cuidador e já é utilizado comercialmente em crianças acima de 6 anos. Foram fornecidos CGM para os dois grupos, mas apenas o grupo intervenção teve acesso ao CLS. 

Foram incluídas crianças de 2-6 anos de idade, sem experiência com CLS (poderiam usar outros tipos de sistemas de infusão de insulina), com mais de 6 meses de diagnóstico, com peso maior do que 9,6 kg, que usassem mais de 5 ui de insulina ao dia e que já fizessem contagem de carboidratos. Foram excluídas crianças que usassem outras drogas hipoglicemiantes, com hipoglicemias graves há menos de 3 meses, que tivessem tido cetoacidose recente não explicada por doença/diagnóstico/falha no dispositivo de infusão de insulina e com morbidades que afetassem a interpretação da hemoglobina glicada ou das variações glicêmicas. 

O desfecho primário  escolhido foi aumento do tempo no alvo (Time in Range - TIR) no grupo CLS versus grupo tratamento padrão (Standart care - SC). Foram analisadas também variação na hemoglobina glicada e tempo em diferentes faixas glicêmicas. Para isso, os participantes foram avaliados por um período de 13 semanas nos quais houveram 4 visitas (virtuais ou presenciais, contato com a visita de randomização) e 2 contatos telefônicos. Calculou-se uma amostra de 90 pessoas para detectar uma diferença de 7,5% em TIR. A randomização escolhida foi de 2:1 CLS:SC.

Ambos os grupos receberam treinamento sobre o uso do CGM, contagem de carboidratos e manejo de hipo e hiperglicemia na randomização. 102 pacientes foram incluídos no estudo, e todos eles foram incluídos na análise final - análise por intenção de tratar, houve perda de 3 pacientes, todos no grupo CLS. Os participantes poderiam buscar os pesquisadores para contatos não agendados caso intercorrências ou dúvidas técnicas. 

Em função da pandemia Covid-19, a maior parte das visitas foram realizadas virtualmente (mais de 90% em ambos os grupos). Houve um ganho de 12,4% ou 3 horas diárias em TIR no grupo CLS vs SC (p<0,001), efeito esse mantido em diversas análises de sensibilidade. O período da madrugada teve uma diferença mais marcante entre os grupos - o grupo CLS se manteve no TIR, em média 74% do tempo, enquanto que o grupo SC manteve-se dentro do alvo 56% do tempo. Houve uma diferença significativa de glicada entre os grupos ao final do estudo 7,0% CLS vs 7,5% SC (p<0,01) e 48% dos pacientes do grupo CLS atingiram hemoglobina glicada <7%, o que ocorreu em 30% do grupo SC. Não houve diferença em hipoglicemias entre os grupo. Os maiores beneficiados em termos de ganho em controle foram os participantes com maiores glicadas - queda em 1,5% na hemoglobina glicada. O efeito na melhora do controle glicêmico foi rápido - a partir da primeira semana - e perdurou durante todo o período do estudo. Os achados foram semelhantes aos de estudos em populações adultas.

O grupo CLS registrou mais eventos adversos (68 CLS vs 34 SC p<0,001), possivelmente relacionados ao início do uso de uma nova abordagem terapêutica - foi registrado um único episódio de cetoacidose relacionado à falha no dispositivo CLS. Houve mais eventos adversos do que o esperado, o que os pesquisadores atribuem às limitações do treinamento virtual. Foram discutidos os seguintes aspectos durante o Clube de Revista:

  • O ensaio clínico tem boa qualidade metodológica, porém, a importância da participação da indústria na redação do manuscrito é minimizada no texto. Ainda, é descrito que a fonte principal de financiamento do estudo é o National Institute of Diabetes and Digestive and Kidney Diseases, embora seja possível que o fornecimento dos CLS e CGM deva representar em conjunto uma parcela grande dos recursos financeiros alocados ao experimento;

  • O não cegamento da intervenção é compreensível, dado a característica da intervenção;

  • A população em estudo era diferenciada - tanto economicamente, com uma renda familiar acima da média norte-americana quanto em termos de controle de diabetes, a média de hemoglocina glicada na inclusão do estudo era de 7,6%. Os possíveis efeitos em nossa população com menos recursos financeiros e com pior controle do diabetes é de difícil projeção;

  • Os pesquisadores poderiam ter incluído análises de qualidade de vida das crianças e das famílias como desfecho secundário, uma vez que o uso de CLS tem o potencial de facilitar o dia-a-dia do pré-escolar com diabetes tipo 1.

 

Pílula do Clube: efeitos positivos do uso de CLS em crianças não foram estudados a médio ou a longo prazo. Não se sabe se os efeitos positivos do controle glicêmico perduram para além dos primeiros meses de tratamento, e, pelo fato de ser uma tecnologia  recente, não há dados sobre a custo-efetividade da intervenção ao longo dos anos, em termo de aumento de vida produtiva e redução de complicações do diabetes.


Discutido no Clube de Revista de 21/08/2023.

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