segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Associations between statins and adverse events in primary prevention of cardiovascular disease: systematic review with pairwise, network, and dose-response meta-analyses

 Ting Cai, Lucy Abel, Oliver Langford, Genevieve Monaghan, Jeffrey K Aronson, Richard J Stevens, Sarah Lay-Flurrie, Constantinos Koshiaris, Richard J McManus, F D Richard Hobbs, James P Sheppard


BMJ 2021, Jul 14;374:n1537.

https://www.bmj.com/content/374/bmj.n1537.long


Embora estatinas sejam eficazes na redução do risco de doenças cardiovasculares e portanto recomendadas como primeira linha na sua prevenção dessas, são vários os eventos adversos relatados com seu uso clínico, incluindo problemas musculares, disfunção hepática, insuficiência renal, diabetes e condições oculares.  Diretrizes recentes recomendaram o uso mais amplo de estatinas na prevenção primária de doenças cardiovasculares, levando a maior número de pessoas de baixo risco para doença cardiovascular elegíveis para tratamento e expostas aos efeitos adversos. Esta é uma revisão sistemática (RS) de ensaios clínicos randomizados (ECR) em adultos sem história de doença cardiovascular, com o objetivo de quantificar as associações entre estatinas e eventos adversos, e examinar como eles variam por tipo e dosagem de estatina para poder informar melhor sobre o uso de estatinas em prevenção primária de doenças cardiovasculares. Para maximizar a eficiência da pesquisa, primeiro se identificaram seis revisões sistemáticas de ECR de tratamento com estatinas; para complementar a pesquisa e identificar estudos mais recentes, se pesquisou em PubMed/Medline, Embase e Cochrane estudos publicados de 2013 a 2020.

Os estudos elegíveis eram ECR em adultos, sem doenças cardiovasculares prévia que compararam estatinas com controles sem estatina (placebo, cuidado usual ou sem tratamento) ou diferentes tipos ou dosagens de estatinas e relataram pelo menos um desfecho de interesse. Os tratamentos com estatinas eram monoterapia, tratamento complementar aos cuidados habituais ou tratamentos não medicamentosos (por exemplo, dieta ou exercício). Estudos onde 70% ou mais dos participantes não tinham histórico de doença cardiovascular foram considerados elegíveis para evitar a exclusão de grandes estudos. Para evitar a inclusão de estudos de fase precoce para pesquisa mecanística, foram excluídos aqueles com menos de 100 participantes ou duração menor que 4 semanas. Dois revisores selecionaram os estudos elegíveis independentemente e as discrepâncias foram resolvidas por consenso.

Desfechos primários foram eventos adversos relatados na prática clínica ou presentes em grandes estudos recentes: problemas musculares, disfunção hepática, insuficiência renal, diabetes e doenças oculares. Para resolver as definições inconsistentes de problemas musculares e distinguir sua importância clínica, se classificou como sintomas musculares auto relatados (SMA) e distúrbios musculares clinicamente confirmados (DMC), e se examinou esses dois resultados separadamente. SMA incluíram mialgia (dor muscular), fraqueza muscular e outros desconfortos musculares não especificados, sem aumento substancial na creatina-quinase (CK). DMC incluíram aumento na CK em mais de 10 vezes o limite superior do normal e o diagnóstico de miopatia ou rabdomiólise, conforme definido nos estudos originais. A disfunção hepática incluiu o aumento na concentração de enzimas hepáticas (TGO e TGP) em mais de três vezes o limite superior e outras doenças hepáticas diagnosticadas. Insuficiência renal (IR) incluiu qualquer declínio na função renal, proteinúria, e outros distúrbios renais. Diabetes tipo 2 e condições oculares foram definidos como nos estudos originais. Para comparar os potenciais danos com os benefícios de estatinas na mesma população, também foram extraídos dados sobre três eventos cardiovasculares como desfechos secundários de eficácia: infarto do miocárdio (IAM), acidente vascular cerebral (AVC) e morte por doença cardiovascular.

Uma meta-análise pareada foi conduzida para comparar estatinas com controles sem estatina para cada desfecho primário e secundário. Para comparar as diferenças de risco absoluto para desfechos de segurança e eficácia, as taxas de eventos derivadas de diferentes durações de estudos foram transformadas em incidências anuais comparáveis. A robustez dos resultados combinados foi inspecionada por análise de influência ao “deixar-um-de-fora”. Foi feita uma meta-análise em rede para comparar os efeitos adversos de diferentes tipos de estatinas e controles sem estatinas. 62 estudos foram incluídos, com 120.456 participantes, acompanhados por uma média de 3,9 anos. A idade média era 61 anos e 40% eram mulheres. A maioria dos estudos tem participantes com dislipidemia, e as comorbidades comuns eram diabetes (11 estudos), aterosclerose assintomática (9 estudos) e hipertensão (4 estudos). Vinte estudos incluíram alguns participantes com doença cardiovascular prévia, compreendendo 6% (7673 participantes) do total dos participantes. Sete tipos de estatinas foram avaliados: atorvastatina (29 estudos), fluvastatina (2 estudos), lovastatina (5 estudos), pitavastatina (9 estudos), pravastatina (21 estudos), rosuvastatina (18 estudos), e sinvastatina (9 estudos). O evento adverso mais comum foi DMC (42 estudos), seguido por SMA (40 estudos) e disfunção hepática (38 estudos). Insuficiência renal, diabetes e doenças oculares foram relatadas em menos estudos (16,10 e 6 estudos, respectivamente). As estatinas foram associadas a um risco ligeiramente aumentado de sintomas musculares autorreferidos [21 estudos, OR 1,06 (IC 95% 1,01 a 1,13)], principalmente mialgia (16 estudos). Não foram encontradas associações entre estatinas e distúrbios musculares clinicamente confirmados. As análises de influência mostraram que a associação entre estatinas e sintomas musculares foi amplamente determinada pelo ensaio duplo cego, controlado por placebo HOPE-3. As estatinas aumentaram o risco de disfunção hepática (21 estudos, OR 1,33, IC 95% 1,12 a 1,58, I2 = 0%), que foi definido como aumento da concentração sérica das enzimas hepáticas. Elas também foram associadas a insuficiência renal (8 estudos, OR 1,14 (1,01 a 1,28); I2 = 0%, que incluiu a presença de proteinúria (4 estudos) e distúrbios renais não especificados (4 estudos); e a condições oculares (6 estudos, OR1,23 (1,04 a 1,47); I2 = 0%, que incluiu catarata (1 estudo) e distúrbios oculares não especificados (5 estudos). As análises de influência mostraram que a associação com insuficiência renal foi determinada pelo JUPITER, que examinou “distúrbios renais não especificados”; e a associação com o condições oculares foi determinada pelo ensaio HOPE-3, que avaliou catarata. Para desfechos secundários de eficácia, as estatinas reduziram os riscos de IM [22 estudos, OR 0,72 (0,66 a 0,78), I2 = 33%], AVC [17 estudos, OR 0,80 (0,72 a 0,89); I2 = 20%], e morte por doença cardiovascular [22 estudos, OR 0,83 (0,76 a 0,91); I2 = 27%]. As análises de influência sugeriram uma maior redução do risco para IM e morte por doenças cardiovasculares quando o estudo ALLHAT-LLT foi excluído. 

As estatinas induzem 15 eventos de sintomas musculares, 8 de  disfunção hepática, 12 de insuficiência renal, e 14 de doenças oculares por 10.000 pacientes tratados por um ano. Em contraste, previnem 19 IM, 9 AVC e 8 mortes por doenças cardiovasculares por 10.000 pacientes tratados por um ano. Todos os 62 estudos foram incluídos nas meta-análises de dose-resposta. Uma relação significativa foi detectada apenas para o efeito da atorvastatina na disfunção hepática, com um efeito máximo que dobrou o risco de disfunção hepática com controles sem estatina (OR max 2,03 [1,03 a 12,64]).  Nenhuma outra relação dose resposta foi detectada. Portanto, as estatinas foram associadas à disfunção hepática, insuficiência renal e condições oculares, mas não foram associadas ao diabetes. Porém, o aumento absoluto de risco desses eventos adversos foi pequeno e não comparável (numericamente ou clinicamente) com a redução do risco de eventos cardiovasculares graves alcançados pelo tratamento com estatinas. Pontos discutidos no Clube de Revista:

  • O delineamento do estudo (meta-análise de ECR) configura um ponto forte, assim como o grande N total de participantes;

  • Outra vantagem deste estudo foi a definição que diferenciou queixas musculares auto-relatadas de miopatia clinicamente confirmada;

  • Muitos dos ECR não tinham poder para detectar diferença de eventos adversos entre os grupos (N pequeno);

  • Pode ter sido subestimada a incidência de eventos adversos também porque 27 dos 62 estudos tinham menos de 6 meses de seguimento;


Pílula do Clube: Quando comparados os benefícios do uso de estatinas em prevenção primária com o seu risco de eventos adversos, os primeiros parecem ser de maior magnitude e importância, levando a um balanço de benefício vs. risco favorável ao uso de estatinas em prevenção primária.


Discutido no Clube de Revista de 09/08/2021.

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