domingo, 13 de novembro de 2022

Glucocorticoid replacement regimens for treating congenital adrenal hyperplasia

 Sze May Ng, Karolina M Stepien, Ashma Krishan

 

Cochrane Database of Systematic Reviews 2020, Issue 3. Art. No.: CD012517.

https://www.cochranelibrary.com/cdsr/doi/10.1002/14651858.CD012517.pub2/full

 

A Hiperplasia Adrenal Congênita (HAC) é uma condição rara que em 90% dos casos é causada por deficiência na produção de 21-hidroxilase por mutações do gene CYP21, acumulando-se andrógenos (17-OH, androstenediona e testosterona) que causam virilização no sexo feminino e hirsutismo/puberdade precoce em ambos os sexos e falta de glico e mineralocorticoides (insuficiência adrenal primária). Embora seu espectro clínico seja amplo, o tratamento envolve em geral reposição de glico e mineralocorticoides iniciados nos primeiros dias de vida e mantido pela vida toda. Há várias opções terapêuticas para a reposição de glicocorticoides (GC) e é esta que normalmente cursa com para-efeitos por super ou subtratamento, uma vez que nenhum dos regimes disponíveis em larga escala até o momento replicam com sucesso o ritmo circadiano do cortisol endógeno. Atingir os alvos terapêuticos (prevenção de crise adrenal, promoção de crescimento pôndero-estatural normal e manter a fertilidade) evitando para-efeitos do uso excessivo de glicocorticoides é o desafio do tratamento. 

Esta é uma revisão sistemática  (RS) comparando o uso de hidrocortisona (H) - padrão ouro no tratamento - com demais esquemas  de reposição de GC, já que a H tem posologia inconveniente (3-4 vezes ao dia vs. 1 vez ao dia com outros GC) e também não é livre de para-efeitos. A RS tinha por objetivo a comparação da eficácia e segurança diferentes regimes glicocorticoides no tratamento da HAC por deficiência de 21-OH em adultos e crianças. A busca em literatura chegou a 6 estudos originados de 5 ensaios clínicos randomizados (ECRs). Os ECRs eram predominantemente unicêntricos, com populações entre 6 e 44 indivíduos (n total=111). O tempo de seguimento variou de 6 semanas a 1 ano e as drogas  comparadas à H foram prednsisolona (P) e dexametasona (D) - posologia de 1 vez/dia.  Houve relato de uso de diferentes estratégias posológicas para H - desde 1 vez ao dia até 3 vezes/dia em dose de 10-25mg/m2/dia. As diferentes posologias de H também foram comparadas entre si. As doses relatadas de P variaram de 2,4-3mg/m2/dia, D foi utilizada em apenas um estudo na dose de 0.3 mg/m2/dia.  A população estudada era jovem e variava de 1m a 22 anos. Quatro ECRs eram do tipo crossover e 1 deles paralelo - foram incluídas as informações de todos os braços de tratamento. 

Devido à heterogeneidade dos estudos, não foi possível a realização de meta-análise. Todos os estudos foram descritos como apresentando risco moderado a alto de viés (GRADE). Foram considerados desfechos primários a qualidade de vida, normalização de andrógeno e prevenção crise adrenal e secundários osteopenia, presença de tumores de remanescente adrenal, subfertilidade e altura final. Só foi possível a recuperação de dados de normalização de andrógeno (desfecho primário) e avaliação de altura (desfecho secundário) através de medidas substitutas. Os principais resultados relatados foram: 

  • German, 2008 (n=11): maior dose matinal ou maior dose noturna de H não resultou em menor supressão de andrógenos na dose de 13-15 mg/m2/dia.

  • Nebesio, 2016 (n=27): D 0.3 mg/m2/dia resultou em maior supressão de andrógenos - 17-OH progesterona e androstenediona - quando comparada à P 3 mg/m2/dia e H 15 mg/m2/dia 3x/dia - p <0.001. H e P foram semelhantes quanto à supressão androgênica.

  • Winterer, 1985 (n=6): Diferentes posologias de H na mesma dose não afetaram a supressão de andrógenos. 

  • Silva, 1997 (n=26): H 25mg/m2/dia levou à piora de velocidade de crescimento quando comparada à H 15 mg/m2/dia. 

  • Caldato, 2004 (n=44): P 2.4mg/m2/dia teve menor avanço de idade óssea quando comparada à H 10-15mg/m2 porém não houve diferença em DP de altura ou em velocidade de crescimento. 

No Clube de Revista foram debatidos os seguintes pontos:

  • Não observamos falhas metodológicas na execução da RS, porém houve diversos questionamentos sobre critérios de inclusão e exclusão escolhidos e sobre qualidade/utilidade clínica dos estudos avaliados; 

  • Foram analisados apenas estudos que usaram H, porém a medicação não é disponível mundialmente e podem ter sido excluídos estudos de boa qualidade por este motivo;

  • Nenhum dos ECRs contava com seguimento adequado para avaliação de efeitos a longo prazo, o que fornece pouca informação clínica relevante, uma vez que o tratamento é utilizado por décadas;

  • As evidências mais robustas sobre a escolha da H como padrão ouro vêm de ensaios observacionais, que, apesar das limitações inerentes ao delineamento, contaram com tempo de seguimento muito mais prolongado e seriam mais adequados para avaliação de desfechos como altura final, osteopenia e risco cardiovascular;

  • O tratamento da HAC, em geral, não objetiva a normalização completa de andrógenos  - leva frequentemente a supertratamento. É questionável a escolha desse parâmetro como descritivo da qualidade do tratamento ou mesmo como desfecho primário;

 

Pílula do Clube: os resultados relatados na RS tiveram contribuição limitada no auxílio da decisão por regime terapêutico. Não foi possível a realização de meta-análise e o impacto da revisão sistemática difere pouco do poder de evidência dos estudos individualmente. A dúvida sobre qual o esquema preferencial de reposição de GC na HAC permanece e a escolha segue sendo individualizada para cada paciente.

 

Discutido no Clube de Revista de 18/07/2022.

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