Nikhil
Jagan, Lee E Morrow, Ryan W Walters, Robert W Plambeck, Tanner J Wallen, Tej M
Patel, Mark A Malesker.
Crit Care
Med 2020, 48(9):e776-e782.
Embora pacientes obesos sejam
portadores de maior número de comorbidades clínicas, há cenários em que,
paradoxalmente, sua mortalidade é reduzida em comparação a pacientes não
obesos. O racional é que a inflamação crônica em contexto de obesidade levaria
a uma resposta do hospedeiro menos exacerbada em relação à infecção, cursando
com menos dano endotelial e disfunção orgânica associada. Este estudo com
desenho retrospectivo tinha o objetivo de avaliar se o paradoxo da obesidade
realmente existe em pacientes internados por sepse e, caso ele exista, ajustar
para a gravidade da doença. Foram incluídos pacientes de seis hospitais em
Omaha, EUA, de 2015 a 2018. Do total de 11.859 pacientes identificados no
recrutamento, foram incluídos na análise 7.967, sendo os principais motivos
para exclusão dados faltantes (principalmente dosagem de lactato) e internação
subsequente por sepse. O desfecho principal foi mortalidade avaliada de acordo
com a categoria de IMC: abaixo do peso (IMC < 18,5), peso normal (IMC
18,5-24,9), sobrepeso (IMC 25-29,9) e obesidade (IMC > 30). Os pacientes
obesos eram mais jovens (média de 64 vs.
a 71 anos), tinham maior prevalência de diabetes mellitus (49% vs. 22%) e maior níveis séricos de
creatinina.
A mortalidade geral do estudo foi de
12,1%, havendo menor mortalidade nos pacientes obesos (9% vs. 15%). Com relação à estratificação por gravidade, foram escolhidas
dosagem de lactato e pressão arterial média (PAM) por serem metas de
ressuscitação estabelecidas pelo Surviving
Sepsis Campaign. O benefício de menor mortalidade entre os obesos se
sustentou apenas nos grupos de pacientes com PAM acima de 65 mmHg, independentemente
do nível de lactato (acima ou abaixo de 2). Além disso, quando comparados
pacientes com obesidade e outras categorias de IMC, o ponto de corte de lactato
acima de 5 mmol/L também mostra ausência de diferença de mortalidade. No
subgrupo de pacientes que internou na UTI (63,2% da amostra), a mortalidade foi
de 15,5% e o mesmo resultado de menor mortalidade em obesos foi encontrado.
Outro critério para avaliação da gravidade foi o escore APACHE III. Esta
análise foi possível em 844 pacientes, mostrando ausência de diferença quanto à
redução de mortalidade entre as categorias de IMC. No Clube de Revista, foram
discutidos os seguintes pontos:
●
Entre
os pontos fortes do estudo, destacam-se o grande tamanho amostral e
estabelecimento de variáveis preditoras de desfecho (lactato, PAM, APACHE III e
categorias de IMC) previamente ao início do recrutamento;
●
Observa-se
ausência de avaliação dos medicamentos em uso pelos pacientes, bem como
variabilidade do peso e outros aspectos do estado nutricional prévio;
●
A
avaliação pelo escore APACHE III parece ser o mais fidedigno para ajuste pela
gravidade, considerando que o mesmo inclui múltiplas variáveis. Embora com
perda significativa de pacientes por falta de dados, o número de 844 pacientes
parece adequado para tal análise, que não mostra redução da mortalidade em
pacientes obesos;
●
Outro
ponto considerado foi o lactato como variável isolada da admissão. Dependendo
da agressividade do tratamento da infecção, sabe-se que os valores de lactato
nas primeiras 6 horas do manejo são importantes em caráter evolutivo, e não
apenas uma medida isolada. Da mesma forma, a medida pontual da PAM na admissão
parece não ser adequada para estabelecer de forma tão decisiva o
prognóstico.
Pílula do Clube: Embora o IMC seja um preditor de
mortalidade em pacientes sépticos, o ajuste pela gravidade da doença faz com
que esse efeito de menor mortalidade em obesos desapareça. Nota-se, portanto,
que, se o paradoxo da obesidade realmente existe neste cenário, as interações
com fatores confundidores são complexas e devem ser consideradas, não sendo
possível apenas assumir a existência de simples associação entre IMC e
mortalidade.
Discutido
no Clube de Revista de 14/09/2020.
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