sábado, 8 de agosto de 2020

A Randomized, Controlled Trial of Liraglutide for Adolescents with Obesity

 Aaron S. Kelly, Pernille Auerbach, Margarita Barrientos-Perez, Inge Gies, Paula M. Hale, Claude Marcus, Lucy D. Mastrandrea, Nandana Prabhu, and Silva Arslanian, for the NN8022-4180 Trial Investigators


N Engl J Med 2020; 382:2117-2128.

https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa1916038

 

O tratamento para a obesidade infantil consiste no incentivo a mudanças no estilo de vida (MEV), com foco em estimular uma alimentação saudável e a prática de exercício físico regular. Poucos medicamentos são atualmente aceitos para auxiliar essas mudanças comportamentais: nos Estados Unidos, o FDA (Food and Drug Administration) aprovou o uso de orlistate (inibidor da lipase gástrica e pancreática) para crianças com idade igual ou superior a 12 anos e o uso de fentermina (amina simpatomimética, similar a anfetaminas) para pacientes acima de 16 anos. Por sua vez, a EMA (European Medicines Agency) e a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) não têm nenhum fármaco aprovado com a finalidade de redução de peso para essa faixa etária. Nesse contexto, o uso de análogos do GLP-1 (liraglutida, exenatida) vem sendo testado nessa população, uma vez que essas medicações já são aprovadas e apresentam bons resultados, como perda de peso clinicamente significativa e melhora de marcadores cardiometabólicos e na qualidade de vida, no tratamento da obesidade em pacientes adultos. Assim, o presente estudo propôs avaliar a eficácia e a segurança da liraglutida subcutânea como complemento a MEV para controle de peso em adolescentes com obesidade.

Este estudo de fase 3 patrocinado pela indústria farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk foi conduzido em 32 locais em 5 diferentes países (México, Estado Unidos, Bélgica, Dinamarca e Suécia) de maneira randomizada, duplo-cegada e controla por placebo. Incluiu participantes com idade de 12 a 18 anos, que apresentassem obesidade (IMC igual ou superior a 30 kg/m2 ou superior ao percentil 95 para idade e sexo), peso estável (variação autorreferida inferior a 5 quilos nos últimos 90 dias antes da triagem) e baixa resposta prévia a MEV (julgado pelo investigador local ou registrado em prontuário). Foram aceitos no estudo pacientes com diabetes tipo 2 estabelecido, mas excluídos diabéticos tipo 1.

Todos os pacientes incluídos (n=251) foram submetidos a um período pré-intervenção de 12 semanas, durante o qual receberam aconselhamento sobre a MEV para perda de peso, que deveria perdurar durante todo o período de estudo. Após, os participantes foram randomizados de maneira estratificada de acordo com status puberal (estágio 2 ou 3 de Tanner vs. Estágio 4 ou 5 de Tanner) e status glicêmico (normoglicemia vs. pré-diabetes ou diabetes tipo 2) na proporção de 1:1 para receber liraglutida (0,6 mg/dia SC na primeira semana até progressão para 3,0 mg/dia ou maior dose tolerada em até 8 semanas) ou placebo. O período de intervenção avaliada foi de 56 semanas, seguido por 26 semanas de acompanhamento sem tratamento. O desfecho primário de eficácia foi definido como a variação do escore de desvio padrão (DP) do IMC, ou seja, o número de DP do IMC médio da população pareado para sexo e idade, após as 56 semanas de intervenção. Como desfechos secundários de eficácia foram avaliados a variação do escore de DP do IMC nas 26 semanas seguintes (entre semanas 56 e 82), assim como a redução do IMC, peso corporal, circunferência abdominal, proporção cintura:quadril e alterações do metabolismo da glicose, controle pressórico e qualidade de vida dos participantes durante o período de intervenção. Eventos adversos, episódios de hipoglicemia, alteração na idade óssea, no crescimento, nos níveis hormonais e na frequência cardíaca também foram monitorados como desfechos de segurança. A saúde mental dos participantes foi avaliada por meio de dois questionários padronizados diferentes em seis momentos durante todo o período de seguimento (94 semanas). Os desfechos de eficácia foram analisados por intenção de tratar, sendo os desfechos relacionados ao peso corporal também analisados por modelos mistos para medidas repetidas.

Dos 251 participantes randomizados, 125 foram designados para o grupo liraglutida e 126 para o grupo placebo, sendo que aproximadamente 80% em ambos os grupos completaram as 56 semanas de intervenção. A liraglutida foi superior ao placebo em relação ao escore basal de DP do IMC na semana 56 (diferença estimada de –0,22; IC95% –0,37 a –0,08; P=0,002). Foi observada uma redução no IMC de pelo menos 5% em 51 dos 112 participantes no grupo liraglutida e em 20 de 105 participantes no grupo placebo (proporção estimada de 43,3% vs. 18,7%) e uma redução no IMC de pelo menos 10% em 33 e 9, respectivamente (26,1% vs. 8,1%). Também foi observada uma redução maior no grupo liraglutida para IMC (–4,64%) e para peso corporal (–4,50 kg para redução absoluta e –5,01% para redução relativa). Após a descontinuação do tratamento, houve maior aumento no escore de DP do IMC no grupo liraglutida em comparação ao grupo placebo (diferença estimada de 0,15 IC95% 0,07 a 0,23). Não houve diferença entre os grupos nos demais desfechos secundários. Em relação aos desfechos de segurança, mais participantes do grupo liraglutida apresentaram eventos adversos gastrointestinais – 81 de 125 (64,8%) vs. 46 de 126 (36,5%) – e eventos adversos que levaram à descontinuação do tratamento – 13 (10,4%) vs. 0. Houve poucos eventos adversos graves em ambos os grupos, porém foi registrado um suicídio no grupo liraglutida e uma tentativa de suicídio em cada grupo. Os seguintes pontos foram discutidos no Clube:

  • É preocupante a ocorrência de eventos adversos gastrointestinais observados no grupo liraglutida e o quanto eles poderiam afetar negativamente a rotina dessa população jovem;

  • O aumento expressivo de peso corporal após a descontinuação do tratamento demonstra o quanto é importante definir a obesidade como uma doença de curso crônico, que talvez demande tratamento farmacológico contínuo como é o diabetes e a hipertensão, por exemplo;

  • Estudos com seguimento mais longo são necessários para definir o quanto o aumento de peso corporal observado estaria relacionado apenas à descontinuidade da liraglutida ou à perda de eficácia do seu uso em longo prazo;

  • Seria interessante avaliar o resultado do uso da liraglutida por protocolo, uma vez que a análise de farmacocinética da liraglutida apresentada por algumas dosagens séricas ao longo do estudo sugerem uma queda de aderência por parte dos participantes durante o seguimento;

  • Mesmo que tenham sido relatados poucos eventos adversos graves, é alarmante a ocorrência de eventos relacionados a distúrbios psiquiátricos e o quanto a população jovem com obesidade é psicologicamente vulnerável;

  • Não foi discutido pelos autores o custo financeiro relacionado à intervenção e à sua adoção como tratamento farmacológico regular.


Pílula do Clube: O uso da liraglutida associado a mudanças no estilo de vida (MEV) levou a uma redução significativamente maior no escore de desvio padrão do IMC em adolescentes com obesidade quando comparado a placebo associado a MEV, entretanto os pacientes que usaram a medicação apresentaram mais eventos adversos relacionados ao sistema gastrointestinal (que podem comprometer o tratamento) e ganho de peso após a sua descontinuação.


Discutido no Clube de Revista de 06/07/2020.

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