Cari M. Kitahara, Amy Berrington de
Gonzalez, Andre Bouville, Aaron B. Brill, Michele M. Doody, Dunstana R. Melo,
Steven L. Simon, Julie A. Sosa, Mark Tulchinsky, Daphnée Villoing, Dale L.
Preston
JAMA Intern Med 2019, Jul 1.
O iodo radioativo (RAI) é
amplamente utilizado no tratamento do hipertireoidismo nos Estados Unidos,
visto ser considerado terapia custo-efetiva. Os poucos estudos de coorte
existentes avaliando risco de câncer após uso do RAI em doses consideradas
baixas, são inconsistentes, bem como não quantificam radiação absorvida por
cada órgão ou tecido. O Cooperative Thyrotoxicosis Therapy Follow-up Study é
uma coorte composta por mais de 35.000 pacientes com diagnóstico de
hipertireoidismo entre 1946 e 1964, nos Estados Unidos e Reino Unido, com
seguimento de mortalidade até 1990. O seguimento iniciou em 1968, sendo
solicitado que os pacientes retornassem a cada 2 anos para avaliações clínica e
laboratorial. Em 1984, investigadores do National Cancer Institute of the
National Institutes of Health reuniram os dados da coorte que se
encontravam nos centros médicos colaboradores. Os registros de 35.630 pacientes
foram compilados em 4 centros regionais. Após excluir duplicatas e registros incompletos,
os dados finais incluíam 35.593 pacientes, dos quais 28.719 completaram o
seguimento de mortalidade até 1990. Nesse estudo, 91% dos pacientes tinham
Doença de Graves (DG) e 65% haviam sido tratados com RAI. A mortalidade por
câncer sítio-específica não foi maior entre pacientes que receberam RAI
comparativamente à população geral. Porém, doses de radiação absorvidas foram
calculadas a partir de suposições dosimétricas simplistas.
O seguimento de mortalidade
continuou para os pacientes dos Estados Unidos através de recursos de
rastreamento que incluíam o Social Security Administration e o National
Death Index Plus, até 31 de dezembro 2014. Adicionalmente, foram excluídos
pacientes sem informação de seguimento, com datas de entrada ou saída ausentes,
ou datas de saída que ocorreram durante ou antes da entrada no estudo,
resultando em 31.332 pacientes tratados com RAI, procedimento cirúrgico, drogas
antitireoidinas, ou combinação destas opções. Dos 19.558 remanescentes que
receberam RAI sozinho ou em combinação, foram excluídos 753 pacientes
adicionais, com diagnóstico de câncer antes da entrada no estudo resultando em 18.805
pacientes que foram elegíveis para esta análise. O objetivo do estudo atual foi
avaliar a relação dose-resposta de radiação com mortalidade por câncer
sítio-específica (dose absorvida pelo órgão e mortalidade por câncer nesse
sítio) entre pacientes tratados com RAI. Utilizou estimativas de absorção de
radiação aperfeiçoadas, baseadas em um modelo biocinético previamente desenvolvido
e calibrado em 197 indivíduos com hipertireoidismo, bem caracterizados. Para
isso, pessoas-ano em risco foram calculadas para cada paciente a partir de 5
anos após data da última dose de iodo até morte, última data sabidamente vivo
nos que perderam seguimento ou até data final do seguimento. Foram conduzidas
análises de dose resposta entre pacientes que receberam RAI combinando modelos
lineares multivariáveis de excesso de risco relativo (ERR) com taxas de doença.
Os ERRs foram calculados a cada 100mGy de dose absorvida e estimados intervalos
de confiança (IC) de 95%.
Dos 18.805 pacientes da
coorte, 78% eram mulheres e 93,7% tinham DG. A combinação de RAI com drogas
antitireoidianas era a mais comum, seguida de RAI isolado. A dose total média
de iodo radioativo administrada foi de 10,1 mCi para DG e 17,6 mCi para bócio
multinodular tóxico. A maior dose média estimada absorvida foi pela tireoide
(130 Gy), seguida pelo esôfago (1,6 Gy); mama e estômago, 150 mGy e 170 mGy
respectivamente. Durante o seguimento médio de 26 anos, a malignidade foi causa
de 2.366 (15,3%) óbitos. Foi demonstrada uma relação de dose resposta significativa,
a cada 100 mGy absorvidos, em mama (RR 1,12 IC95% 1,003-1,32; P= 0,04) e em
todos cânceres sólidos combinados (RR 1,05 IC95% 1,01-1,10; P=0,01). Para
mortalidade por todos cânceres sólidos o RR observado foi de 1,06 (IC95%
1,02-1,10; P=0,002). Não foi vista relação dose-resposta referente a
mortalidade por leucemia (excluindo leucemia linfocítica crônica), linfoma
não-Hodgkin, mieloma múltipo, nem por câncer de tireoide, apesar de maiores
doses absorvidas nesse sítio. Combinando os RRs com as taxas de mortalidade
atuais dos Estados Unidos, estimaram que a cada 1.000 pacientes (80% mulheres)
com hipertireoidismo que fossem tratados com RAI (100 mGy de dose absorvida
pelo estômago ou mama) aos 40 anos de idade, haveria um excesso de 13 mortes
por neoplasia maligna sólida atribuíveis à radiação. Durante o clube, discutimos os seguintes pontos:
·
Não há descrição adequada do número de pacientes
até chegar nos elegíveis para análise e não é apresentado fluxograma dos
pacientes;
·
Os resultados não foram ajustados para fatores
sabidamente causadores de neoplasias, como fumo, álcool, obesidade, uso de
terapia hormonal, história familiar de neoplasia;
·
Apesar de terem utilizado um modelo biocinético
aparentemente validado, os autores descrevem haver limitações relacionadas a estimativa
de dose absorvida por determinados órgãos;
·
Dificuldade de identificar resultados
significativos de dose-resposta referentes a determinados sítios, visto que
houve poucas mortes por determinados cânceres e doses de radiação de modo geral
pequenas (exceto tireoide);
Pílula
do Clube: Nesta coorte, houve associação com dose
resposta de RAI e neoplasias sólidas, porém as limitações do estudo (em
especial o não controle para fatores associados a desenvolvimento de
neoplasias) não permitem que essa informação seja aplicada na prática clínica.
Discutido no Clube de Revista de
22/07/2019.
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