segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Once-weekly tirzepatide versus once-daily insulin degludec as add-on to metformin with or without SGLT2 inhibitors in patients with type 2 diabetes (SURPASS-3): a randomised, open-label, parallel-group, phase 3 trial

 Bernhard Ludvik, Francesco Giorgino, Esteban Jódar, Juan P Frias, Laura Fernández Landó, Katelyn Brown, Ross Bray, Ángel Rodríguez


Lancet 2021; 398: 583–98 Published Online August 6, 2021

https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(21)01443-4/fulltext


A tirzepatida é uma nova droga da classe dos agonistas da GLP-1. Esses agonistas já tem mostrado efeito em perda de peso e controle de hemoglobina glicada, esse último similar ou até melhor que a insulina. A tirzepatida já se mostrou superior a placebo e não-inferior a semaglutida (e nesse mesmo estudo, chegou a ser superior) nos estudos SURPASS 1 e 2, respectivamente. Ela não havia sido previamente comparada a insulina, um dado que pode auxiliar na tomada de decisão clínica sobre progressão do tratamento de diabetes melito (DM) para pacientes sem controle adequado com drogas VO.

Os pacientes elegíveis eram pacientes com DM tipo 2, que nunca haviam usado insulina, utilizando metformina ou metformina mais iSGLT2, com HB1Ac entre 7-10,5%, com IMC de no mínimo 25 e peso estável nos últimos 3 meses. Critérios de exclusão eram DM tipo 1, história de pancreatite, retinopatia diabética nã-proliferativa necessitando tratamento agudo ou DRC estágio III ou maior. Foi realizado um ensaio clínico randomizado de não-inferioridade, multicêntrico, paralelo, aberto que comparou tirzepatida, grupo intervenção, contra insulina degludeca. A tirzepatida poderia ter dose de 5,10 ou 15 mg. A randomização era realizada por sequencia aleatória por computador e era estratificada por Hb1Ac >8,5% e uso de metformina ou metformina mais iSGLT2. O desfecho primário era variação da Hb1AC em 52 semanas, com margem para não-inferioridade de 0,3%. Houve também análise para superioridade, considerando uma margem de 0,35% para superioridade. A análise do estudo, tanto para não-inferioridade quanto para superioridade, foi realizada por intenção de tratar. A descrição dos resultados se deu por diferença estimada do tratamento (estimated treatment difference - ETD).

Foram randomizados 1.444 pacientes, com 1.437 recebendo pelo menos 1 dose da intervenção e 1.325 completando o estudo. A amostra apresentava 90% de brancos, com tempo médio de diabetes de 8,5 anos e um terço utilizando metformina mais iSGLT2 e os outros dois terços utilizando somente metformina. Houve uma redução da Hb1AC basal após 52 semanas de tratamento de 1,93%, 2,2% e 2,37% nos grupos de tirzepatida de 5, 10 e 15 mg, respectivamente, comparado a uma redução de 1,34% no grupo da insulina. As 3 doses de tirzepatida atingiram valores de hemoglobina glicada abaixo de 6,5%. Quando comparados com insulina, todos foram superiores, porém com pouca diferença entre si. Não foi apresentada comparação estatística das doses entre si. Em análise de desfechos secundários, a insulina mostrou um ganho médio de 2,3kg, enquanto a tirzepatida mostrou uma perda de peso média de -7,5-12,9 kg no fim das 52 semanas, ao comparar as duas drogas com o ETD, o achado foi -9,8 a -15,2, com P<0,0001. Naturalmente, seguindo a linha da perda de peso, houve também redução de IMC e circunferencia abdominal no grupo da tirzepatida.

Os efeitos adversos foram a causa mais comum de desistencia de tratamento no grupo da tirzepatida, enquanto no grupo da insulina a razão mais comum para não completar o estudo foi desistência do paciente. O efeito colateral mais comum do agonista da GLP-1 foi intolerância gastrointestinal, principalmente náuseas e diarreia. Esses sintomas eram mais comuns quanto maior a dose da medicação. No grupo da insulina, 50% apresentou pelo menos 1 episódio de hipoglicemia, porém apenas 26 pacientes apresentaram hipoglicemia grave (abaixo de 54mg/dL) e apesar da prevalencia de efeitos adversos, menos de 1% dos pacientes descontinuaram o tratamento por causa deles, enquanto 7%, 10% e 11% descontinuaram tratamento nos grupos de 5, 10 e 15 mg da tirzepatida por efeitos adversos, respectivamente. Principais pontos discutidos no Clube:

  • Mesmo a dose mais baixa, 5 mg, de tirzepatida chegou a níveis baixos de Hb1AC e excelentes resultados de perda de peso, com melhor perfil de efeitos adversos. Por isso, parece haver poucos argumentos para as doses maiores, com base nesse estudo;

  • O fato dos agonistas de GLP-1 conseguirem atingir consistentemente alvos baixos de Hb1AC sem risco de hipoglicemia é um achado muito importante e pode influenciar a sua utilização na prática clínica, visto a prevalencia de hipoglicemia ser um dos grandes limitadores da Insulina para alvos baixos de Hb1AC;

  • Além disso, ser associado a perda de peso é um importante diferencial para controle de outros fatores de riscos.


Pílula do Clube: A tirzepatida em comparação com a insulina degludeca levou melhor controle de Hb1AC sem o risco de hipoglicemia e ainda com perda de peso.


Discutido no Clube de 23/08/2021.

Once-daily, subcutaneous vosoritide therapy in children with achondroplasia: a randomised, double-blind, phase 3, placebo-controlled, multicentre trial

 Ravi Savarirayan, Louise Tofts, Melita Irving, William Wilcox, Carlos A Bacino, Julie Hoover-Fong, Rosendo Ullot Font, Paul Harmatz, Frank Rutsch, Michael B Bober, Lynda E Polgreen, Ignacio Ginebreda, Klaus Mohnike, Joel Charrow, Daniel Hoernschemeyer, Keiichi Ozono, Yasemin Alanay, Paul Arundel, Shoji Kagami, Natsuo Yasui, Klane K White, Howard M Saal, Antonio Leiva-Gea, Felipe Luna-González, Hiroshi Mochizuki, Donald Basel, Dania M Porco, Kala Jayaram, Elena Fisheleva, Alice Huntsman-Labed, Jonathan Day


Lancet 2020, 396(10252):684-692.

https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(20)31541-5/fulltext


A acondroplasia é uma displasia esquelética primária causada por mutação ativadora do gene FGF-R3, sem tratamento específico, mas para a qual tem sido usada a somatropina com resultados pobres. Este estudo avalia o vosoritide, análogo biológico do peptídeo C natriurético, com capacidade de restaurar e aumentar o crescimento de ossos longos e craniofacial, por meio de uma proteína quinase ativada por mitogênio. Trata-se de estudo multicêntrico de fase III, randomizado, duplo-cego, placebo-controlado e multicêntrico, comparando vosoritide subcutâneo diário (15mcg/Kg/dia) vs. placebo em crianças com acondroplasia por 52 semanas. Foram incluídas crianças de 5 a 18 anos de idade com diagnóstico clínico e molecular de acondroplasia, que tinham acompanhamento pré-clínico de pelo menos 6 meses com medida de altura de pé. Criancas com placas de crescimento fechadas (RX), cirurgia óssea planejada, apnéia do sono grave não tratada e outras condições que afetam o crescimento foram excluídas. A randomização foi de 1:1, e foi feita estratificação por sexo e estágio de Tanner. Depois que os pacientes mostraram tolerar o vosoritide ou placebo e os critérios especificados foram atendidos, cuidadores treinados foram autorizados a administrá-los em casa. As visitas foram realizadas na triagem; dias 1, 2, 3 e 10; semana 6; meses 3, 6, 9 e 12. Os pacientes fizeram avaliação clínica médica completa, com medida de sinais vitais e antropometria. As medicações foram fornecidas pelo financiador BioMarin. O desfecho primário foi a alteração da velocidade de crescimento (VC) da linha de base em relação à semana 52 em pacientes que receberam vosoritide vs. placebo. O desfecho secundário foi a mudança da linha de base do score Z de altura  e da proporção corporal do segmento superior para inferior (SS/SI). Também foram avaliados segurança e tolerabilidade, farmacocinética e imunogenicidade, mudança da linha de base nos marcadores de metabolismo ósseo, incluindo marcador de colágeno sérico tipo X (um biomarcador de ossificação endocondral). Como pontos finais exploratórios se avaliou a mudança da linha de base nas proporções corporais das extremidades e avaliação do efeito do vosoritide na qualidade óssea. Avaliação das mudanças na qualidade de vida relacionada à saúde e avaliação de possíveis mudanças na independência funcional foram alteradas para desfechos secundários durante o ensaio por meio de emenda ao protocolo (em 01/02/2019), devido à sua potencial importância clínica e feedback das autoridades de saúde. Foi feita avaliação dos danos com medida da incidência de eventos adversos, resultados de testes laboratoriais, sinais vitais, exame físico, eletrocardiograma, ecocardiograma, avaliação clínica do quadril e respostas de imunogenicidade antivosoritide. Foram realizados exames de imagem com medidas da coluna e ossos longos dos braços e pernas, juntamente com dados relativos à placa de crescimento, densidade mineral óssea (DMO) e idade óssea (IO). O n calculado foi de 110, para detectar diferença de 1,75cm/ano entre os grupos na mudança da linha de base da VC é de  aproximadamente 90%, assumindo que o desvio padrão (DP) na mudança da linha de base da VC é 2,80. Foi utilizado teste t, nível de significância de 0,05 e a análise foi por intenção de tratar. Os participantes foram recrutados entre 12/12/2016 a 07/11/ 2018, 121 pacientes foram avaliados como elegíveis, 64 meninos, 60 receberam vosoritide e 61 receberam placebo. As características da linha de base foram semelhantes entre os grupos. Após a conclusão do estudo (dez 2019), 119 crianças foram inscritas no estudo de extensão, no qual todos os participantes estão recebendo vosoritide. Durante o estudo de 52 semanas, dois pacientes do grupo vosoritide descontinuaram, um após 2 dias devido à dor das injeções e um após 6 dias devido ao medo de agulhas.

Após 52 semanas de tratamento, houve aumento na VC em pacientes tratados com vosoritide de 1,57cm/ano. A alteração média dos quadrados mínimos da linha de base que ajustou as diferenças da linha de base entre os grupos tratados e placebo representou uma alteração de 1,11cm/ano na VC da linha de base do grupo tratado versus 0,13cm/ano para o placebo. As concentrações séricas do marcador de colágeno tipo X, foram elevadas ao longo de 52 semanas em pacientes tratados com vosoritide. A IO progrediu normalmente em ambos os braços do estudo e a DXA não mostrou alterações no conteúdo mineral ósseo ou DMO durante o período nos grupos. Para o escore Z da altura a diferença média de quadrados mínimos entre vosoritide e placebo na semana 52 foi +0,28 a favor do vosoritide. Não houve diferença entre os grupos para alteração da SS/SI e nas proporções das extremidades corporais (incluindo membro inferior, membro superior e envergadura do braço), além de alteração na qualidade de vida relacionada à saúde ou independência funcional. A maioria dos eventos adversos foram leves, sendo as reações locais as mais comuns, porém transitórias. Não houve reações de hipersensibilidade acima de grau 3 ou anafilaxia. Nenhuma alteração cardiovascular clinicamente significativa foi observada e todas as alterações na pressão arterial foram assintomáticos, exceto por um paciente tratado com vosoritide, que teve um único evento hipotensivo sintomático associado a sentar-se repentinamente antes de uma coleta de sangue, que foi transitório e resolvido sem intervenção médica. Um total de nove eventos adversos graves foram relatados em sete pacientes, nenhum destes foi considerado pelo investigador como relacionado ao medicamento em estudo e nenhuma morte ocorreu. Os títulos séricos de anticorpos antidrogas totais foram detectados em 42% dos pacientes em uma ou mais visitas. Os títulos de anticorpos antidrogas totais no soro foram positivos em uma única visita (n = 8) ou em duas ou mais visitas (n = 17) durante o estudo. Nenhum anticorpo neutralizante foi detectado em nenhum paciente. Não houve associação entre a presença de anticorpos antidrogas totais e mudança na VC, frequência ou gravidade das reações de hipersensibilidade ou no local da injeção. No Clube foram discutidos os seguintes pontos:

  • Houve aumento na VC e no score Z de altura após 52 semanas de tratamento com vosoritide e a ausência eventos adversos na maturação óssea ou SS/SI reforça a previsão de que períodos mais longos de tratamento podem resultar em efeitos duráveis ​​e proporcionais no crescimento do esqueleto, levando ao aumento da altura final;

  • No tempo proposto pelo estudo não é possível avaliar o efeitos relacionados com a funcionalidade, qualidade de vida e atividades da vida diária em pessoas com acondroplasia;

  • Ainda não se sabe se o tratamento irá melhorar as complicações médicas associadas à acondroplasia e diminuir a necessidade de intervenções cirúrgicas;

  • Não houve efeitos adversos ou melhorias significativas na SS/SI, o que se questiona se períodos de tratamento mais longos ou o início do tratamento mais cedo podem ser necessários para detectar essas alterações;


Pílula do Clube: A administração SC diária de vosoritide em crianças com acondroplasia resultou em aumento significativo da VC e do score Z de altura sem eventos adversos importantes. O vosoritide foi bem tolerado e os efeitos vasculares que ocorreram foram leves e autolimitados.


Discutido no Clube de Revista de 16/08/2021.

Associations between statins and adverse events in primary prevention of cardiovascular disease: systematic review with pairwise, network, and dose-response meta-analyses

 Ting Cai, Lucy Abel, Oliver Langford, Genevieve Monaghan, Jeffrey K Aronson, Richard J Stevens, Sarah Lay-Flurrie, Constantinos Koshiaris, Richard J McManus, F D Richard Hobbs, James P Sheppard


BMJ 2021, Jul 14;374:n1537.

https://www.bmj.com/content/374/bmj.n1537.long


Embora estatinas sejam eficazes na redução do risco de doenças cardiovasculares e portanto recomendadas como primeira linha na sua prevenção dessas, são vários os eventos adversos relatados com seu uso clínico, incluindo problemas musculares, disfunção hepática, insuficiência renal, diabetes e condições oculares.  Diretrizes recentes recomendaram o uso mais amplo de estatinas na prevenção primária de doenças cardiovasculares, levando a maior número de pessoas de baixo risco para doença cardiovascular elegíveis para tratamento e expostas aos efeitos adversos. Esta é uma revisão sistemática (RS) de ensaios clínicos randomizados (ECR) em adultos sem história de doença cardiovascular, com o objetivo de quantificar as associações entre estatinas e eventos adversos, e examinar como eles variam por tipo e dosagem de estatina para poder informar melhor sobre o uso de estatinas em prevenção primária de doenças cardiovasculares. Para maximizar a eficiência da pesquisa, primeiro se identificaram seis revisões sistemáticas de ECR de tratamento com estatinas; para complementar a pesquisa e identificar estudos mais recentes, se pesquisou em PubMed/Medline, Embase e Cochrane estudos publicados de 2013 a 2020.

Os estudos elegíveis eram ECR em adultos, sem doenças cardiovasculares prévia que compararam estatinas com controles sem estatina (placebo, cuidado usual ou sem tratamento) ou diferentes tipos ou dosagens de estatinas e relataram pelo menos um desfecho de interesse. Os tratamentos com estatinas eram monoterapia, tratamento complementar aos cuidados habituais ou tratamentos não medicamentosos (por exemplo, dieta ou exercício). Estudos onde 70% ou mais dos participantes não tinham histórico de doença cardiovascular foram considerados elegíveis para evitar a exclusão de grandes estudos. Para evitar a inclusão de estudos de fase precoce para pesquisa mecanística, foram excluídos aqueles com menos de 100 participantes ou duração menor que 4 semanas. Dois revisores selecionaram os estudos elegíveis independentemente e as discrepâncias foram resolvidas por consenso.

Desfechos primários foram eventos adversos relatados na prática clínica ou presentes em grandes estudos recentes: problemas musculares, disfunção hepática, insuficiência renal, diabetes e doenças oculares. Para resolver as definições inconsistentes de problemas musculares e distinguir sua importância clínica, se classificou como sintomas musculares auto relatados (SMA) e distúrbios musculares clinicamente confirmados (DMC), e se examinou esses dois resultados separadamente. SMA incluíram mialgia (dor muscular), fraqueza muscular e outros desconfortos musculares não especificados, sem aumento substancial na creatina-quinase (CK). DMC incluíram aumento na CK em mais de 10 vezes o limite superior do normal e o diagnóstico de miopatia ou rabdomiólise, conforme definido nos estudos originais. A disfunção hepática incluiu o aumento na concentração de enzimas hepáticas (TGO e TGP) em mais de três vezes o limite superior e outras doenças hepáticas diagnosticadas. Insuficiência renal (IR) incluiu qualquer declínio na função renal, proteinúria, e outros distúrbios renais. Diabetes tipo 2 e condições oculares foram definidos como nos estudos originais. Para comparar os potenciais danos com os benefícios de estatinas na mesma população, também foram extraídos dados sobre três eventos cardiovasculares como desfechos secundários de eficácia: infarto do miocárdio (IAM), acidente vascular cerebral (AVC) e morte por doença cardiovascular.

Uma meta-análise pareada foi conduzida para comparar estatinas com controles sem estatina para cada desfecho primário e secundário. Para comparar as diferenças de risco absoluto para desfechos de segurança e eficácia, as taxas de eventos derivadas de diferentes durações de estudos foram transformadas em incidências anuais comparáveis. A robustez dos resultados combinados foi inspecionada por análise de influência ao “deixar-um-de-fora”. Foi feita uma meta-análise em rede para comparar os efeitos adversos de diferentes tipos de estatinas e controles sem estatinas. 62 estudos foram incluídos, com 120.456 participantes, acompanhados por uma média de 3,9 anos. A idade média era 61 anos e 40% eram mulheres. A maioria dos estudos tem participantes com dislipidemia, e as comorbidades comuns eram diabetes (11 estudos), aterosclerose assintomática (9 estudos) e hipertensão (4 estudos). Vinte estudos incluíram alguns participantes com doença cardiovascular prévia, compreendendo 6% (7673 participantes) do total dos participantes. Sete tipos de estatinas foram avaliados: atorvastatina (29 estudos), fluvastatina (2 estudos), lovastatina (5 estudos), pitavastatina (9 estudos), pravastatina (21 estudos), rosuvastatina (18 estudos), e sinvastatina (9 estudos). O evento adverso mais comum foi DMC (42 estudos), seguido por SMA (40 estudos) e disfunção hepática (38 estudos). Insuficiência renal, diabetes e doenças oculares foram relatadas em menos estudos (16,10 e 6 estudos, respectivamente). As estatinas foram associadas a um risco ligeiramente aumentado de sintomas musculares autorreferidos [21 estudos, OR 1,06 (IC 95% 1,01 a 1,13)], principalmente mialgia (16 estudos). Não foram encontradas associações entre estatinas e distúrbios musculares clinicamente confirmados. As análises de influência mostraram que a associação entre estatinas e sintomas musculares foi amplamente determinada pelo ensaio duplo cego, controlado por placebo HOPE-3. As estatinas aumentaram o risco de disfunção hepática (21 estudos, OR 1,33, IC 95% 1,12 a 1,58, I2 = 0%), que foi definido como aumento da concentração sérica das enzimas hepáticas. Elas também foram associadas a insuficiência renal (8 estudos, OR 1,14 (1,01 a 1,28); I2 = 0%, que incluiu a presença de proteinúria (4 estudos) e distúrbios renais não especificados (4 estudos); e a condições oculares (6 estudos, OR1,23 (1,04 a 1,47); I2 = 0%, que incluiu catarata (1 estudo) e distúrbios oculares não especificados (5 estudos). As análises de influência mostraram que a associação com insuficiência renal foi determinada pelo JUPITER, que examinou “distúrbios renais não especificados”; e a associação com o condições oculares foi determinada pelo ensaio HOPE-3, que avaliou catarata. Para desfechos secundários de eficácia, as estatinas reduziram os riscos de IM [22 estudos, OR 0,72 (0,66 a 0,78), I2 = 33%], AVC [17 estudos, OR 0,80 (0,72 a 0,89); I2 = 20%], e morte por doença cardiovascular [22 estudos, OR 0,83 (0,76 a 0,91); I2 = 27%]. As análises de influência sugeriram uma maior redução do risco para IM e morte por doenças cardiovasculares quando o estudo ALLHAT-LLT foi excluído. 

As estatinas induzem 15 eventos de sintomas musculares, 8 de  disfunção hepática, 12 de insuficiência renal, e 14 de doenças oculares por 10.000 pacientes tratados por um ano. Em contraste, previnem 19 IM, 9 AVC e 8 mortes por doenças cardiovasculares por 10.000 pacientes tratados por um ano. Todos os 62 estudos foram incluídos nas meta-análises de dose-resposta. Uma relação significativa foi detectada apenas para o efeito da atorvastatina na disfunção hepática, com um efeito máximo que dobrou o risco de disfunção hepática com controles sem estatina (OR max 2,03 [1,03 a 12,64]).  Nenhuma outra relação dose resposta foi detectada. Portanto, as estatinas foram associadas à disfunção hepática, insuficiência renal e condições oculares, mas não foram associadas ao diabetes. Porém, o aumento absoluto de risco desses eventos adversos foi pequeno e não comparável (numericamente ou clinicamente) com a redução do risco de eventos cardiovasculares graves alcançados pelo tratamento com estatinas. Pontos discutidos no Clube de Revista:

  • O delineamento do estudo (meta-análise de ECR) configura um ponto forte, assim como o grande N total de participantes;

  • Outra vantagem deste estudo foi a definição que diferenciou queixas musculares auto-relatadas de miopatia clinicamente confirmada;

  • Muitos dos ECR não tinham poder para detectar diferença de eventos adversos entre os grupos (N pequeno);

  • Pode ter sido subestimada a incidência de eventos adversos também porque 27 dos 62 estudos tinham menos de 6 meses de seguimento;


Pílula do Clube: Quando comparados os benefícios do uso de estatinas em prevenção primária com o seu risco de eventos adversos, os primeiros parecem ser de maior magnitude e importância, levando a um balanço de benefício vs. risco favorável ao uso de estatinas em prevenção primária.


Discutido no Clube de Revista de 09/08/2021.

Association of Cycling With All-Cause and Cardiovascular Disease Mortality Among Persons With Diabetes: The European Prospective Investigation Into Cancer and Nutrition (EPIC) Study

 Ried-Larsen M, Rasmussen MG, Blond K, Overvad TF, Overvad K, Steindorf K, Katzke V, Andersen JLM, Petersen KEN, Aune D, Tsilidis KK, Heath AK, Papier K, Panico S, Masala G, Pala V, Weiderpass E, Freisling H, Bergmann MM, Verschuren WMM, Zamora-Ros R, Colorado-Yohar SM, Spijkerman AMW, Schulze MB, Ardanaz EMA, Andersen LB, Wareham N, Brage S, Grøntved A.


JAMA Intern Med. 2021;181(9)

https://jamanetwork.com/journals/jamainternalmedicine/fullarticle/2782014


Atividade física regular é parte integrante do tratamento do diabetes tipo 2 (DM2). O ciclismo é uma atividade potencial para substituir o transporte motorizado para viagens de curta e média distância, existindo descrição de associação inversa entre ciclismo e risco de mortalidade por todas as causas e causas específicas, como DCV, na população em geral, o que não é conhecido no diabetes.

Trata-se de estudo de coorte de pessoas com DM2 (do estudo EPIC) em 23 centros de 10 países da Europa cujo objetivo primário foi investigar as associações entre ciclismo e mortalidade por todas as causas e DCV e o objetivo secundário avaliar as associações entre as mudança no ciclismo ao longo de um período de 5 anos e mortalidade por todas as causas e por DCV. Foram avaliadas medidas antropométricas, avaliação da ingesta alimentar, consumo de álcool e hábitos de atividade física através  de questionário de estilo de vida, além de serem incluídas informações sobre a duração e a frequência do lazer e  atividade física ocupacional. O tempo semanal gasto andando de bicicleta para o trabalho e/ou lazer durante o inverno e o verão foi calculado como tempo total de ciclismo anual e categorizado (0; 1-59; 60-149; 150-299 e > 300 min/sem). Também foi avaliada a mudança do ato de pedalar do baseline para o segundo exame com base no tempo total gasto no ciclismo nas duas avaliações, categorizando em: (1) não ciclismo (2) parou de pedalar; (3) começou a pedalar; (4) ciclismo mantido. O gasto de energia LTPA (atividades de lazer sem ciclismo incluído) foi avaliado como equivalente metabólico de tarefas em horas por semana (MET-h/wk) e calculado em ambas as avaliações como a soma dos gastos de energia das atividades jardinagem, subir escadas, atividades domésticas, caminhadas e esportes. 

A análise estatística calculou os riscos de todas as causas e mortalidade por DCV como taxas de risco (HRs) com ICs de 95% de acordo com o tempo semanal gasto pedalando na linha de base estimado e posteriormente ajustado para sexo e idade (anos) e por centro de estudo para ajustar para confusão desta variável. Outros ajustes: nível educacional, tabagismo, duração do diabetes, adesão à dieta mediterrânea, ingestão total de energia (quartis de kcal/d), atividade física excluindo ciclismo (quartis de gasto de energia LTPA) e atividade física ocupacional, história de acidente vascular cerebral prevalente, infarto do miocárdio prévio, câncer, hipertensão, hiperlipidemia e obesidade central. Na análise secundária para avaliação da associações entre mortalidade por todas as causas e por DCV e mudança no ciclismo da linha de base e em 5 anos, as associações foram ajustadas para sexo e idade no segundo exame e estratificadas por centro de estudo. Um modelo multivariável foi ajustado adicionalmente para o nível educacional no início do estudo, o status de tabagismo em ambos os exames, a duração do diabetes no momento do segundo exame e gasto de energia LTPA em ambos os exames. 

Dos 492.763 participantes inscritos na coorte EPIC, a amostra analítica final foi composta por 7.459 participantes, dos quais 4.701 (63,0%)  tinham DM2 e 4.699 (63,0%) não eram ciclistas. Na amostra, a idade média (DP) foi de 55,9 (7,7) anos, a duração média (DP) do diabetes foi de 7,7 (8,1) anos e 3.924 (52,6%) eram do sexo feminino. Os participantes foram acompanhados por uma média (DP) de 14,9 (4,4) anos (110.944 pessoas-ano) com 1.673 mortes por todas as causas e 811 mortes atribuíveis a DCV. Um subconjunto de participantes (n=5.423) também completou o segundo exame e foi incluído na análise secundária que avaliou a mudança no ciclismo em 5 anos. Essa análise teve média (DP) de 10,7 (4,3) anos de seguimento, acumulando um total de 57.802 pessoas-ano com 975 óbitos por todas as causas e 429 por DCV. O HR para mortalidade por todas as causas foi menor para pessoas que relataram qualquer ciclismo (> 0 min/sem) quando comparado com não ciclistas. Andar de bicicleta também foi associado a risco reduzido de mortalidade por DCV. O ajuste para nível educacional, fatores de risco de estilo de vida e duração do diabetes não alterou a associação entre ciclismo e mortalidade por todas as causas. A diferença de risco de mortalidade cumulativa de 10 anos em relação a 0 min/sem de ciclismo para categorias ascendentes de ciclismo (1-59, 60-149, 150-299 e ≥300 min/sem) foram −1,9%, −2,0%, - 2,7% e -2,1% para mortalidade por todas as causas e -1,2%, -1,2%, -2,2% e -1,0% para mortalidade por DCV, respectivamente. A categoria mais baixa de ciclismo teve, consistentemente, a mortalidade cumulativa mais alta, mas a relação dose-resposta não permaneceu linear quando o ciclismo aumentou de 150-299 para  > 300 min/sem, havendo maior mortalidade. Os HRs para mortalidade por todas as causas foram 0,93 (IC95%, 0,72-1,19), 0,66 (IC95%, 0,45-0,95) e 0,64 (IC95%, 0,51-0,80) para pessoas que pararam, iniciaram ou mantiveram o ciclismo, respectivamente, em comparação com não ciclistas), e os HRs correspondentes para mortalidade por DCV foram 1,08 (IC95%, 0,77-1,51), 0,56 (IC95%, 0,31-0,99) e 0,54 (IC95%, 0,39-0,75). A relação dose-resposta com o ciclismo basal como uma variável contínua para mortalidade por todas as causas e mortalidade por DCV foi modelada post hoc para comparação com o gasto de energia LTPA, o que revelou associação em J invertida entre ambos os resultados e ciclismo, e associação linear para LTPA. No Clube, alguns pontos foram discutidos:

  • O fato da intensidade do ciclismo não ter sido avaliada e sim haver o pressuposto a partir de dados prévios é um ponto fraco do estudo, principalmente por ser multicêntrico, que envolveu populações de diferentes culturas, países com diferentes geografias e clima;

  • A coorte incluiu diversos países europeus e embora tenha sido corrigido para centros de estudo, não há como definir se o clima da região não contribuiu ou prejudicou a prevalência e o tempo de ciclismo em cada população;

  • A estrutura do país ou região para o ciclismo não foi avaliada. Condições propícias para a pedalada afetam a prevalência da atividade pelo risco de pedalar em áreas urbanas sem estrutura adequada , bem como a intensidade que se alcança durante o exercício;

  • Da mesma maneira, a geografia da região não foi avaliada e bem diferenciada. Uma geografia montanhosa pode aumentar a intensidade do exercício, tornando-o de moderada a alta intensidade. Já regiões planas, pelo contrário, podem transformar o ciclismo em uma modalidade de leve intensidade; 

  • A relação dose-resposta ambígua, não linear,  também gerou dúvidas em relação ao tempo e intensidades de pedalada efetiva para diminuição da mortalidade;

  • Um ponto forte do estudo é que ele diferenciou bem as atividades que geraram gasto de energia excluindo o ciclismo (LTPA), demonstrando que o indivíduo mais ativo tem menor mortalidade geral e por causa cardiovascular, com associação linear. 


Pílula do Clube: O tempo gasto no ciclismo foi associado a menor risco de mortalidade por todas as causas e por DCV em pessoas com diabetes, independente de outras atividades físicas e outros fatores de confusão avaliados. No entanto, as relações dose-resposta não foram lineares, mostrando a necessidade de mais estudos prospectivos com maior detalhamento para melhor evidência do tempo e intensidade ideal. 


Discutido no Clube de Revista de 02/08/2021.

domingo, 10 de outubro de 2021

Switching to Once-Weekly Insulin Icodec Versus Once-Daily Insulin Glargine U100 in Type 2 Diabetes Inadequately Controlled on Daily Basal Insulin: A Phase 2 Randomized Controlled Trial

 Harpreet S BajajRichard M Bergenstal Andreas ChristoffersenMelanie J Davies6Amoolya GowdaJoakim Isendahl Ildiko Lingvay Peter A Senior Robert J Silver Roberto TrevisanJulio Rosenstock

 

Diabetes Care 2021, Apr 19;dc202877

https://care.diabetesjournals.org/content/44/7/1586

 

 

Indivíduos com diabetes tipo 2 (DM2) frequentemente necessitam de terapia com insulina em algum momento da doença. A necessidade de injeções frequentes pode resultar em baixa adesão e preocupações excessivas com os efeitos adversos da hipoglicemia.  A icodeca é um análogo de insulina de longa duração, de administração subcutânea semanal, que poderia facilitar  e melhorar a adesão ao tratamento, trazendo benefícios no controle glicêmico e qualidade de vida. 

Este é um estudo de fase II, exploratório, multicêntrico, aberto, randomizado e ativo-controlado treat-to-target, que teve como objetivo avaliar o efeito sobre o controle glicêmico e a segurança na troca de insulina basal diária para icodeca, usando duas abordagens diferentes de mudança (com e sem dose de ataque) em 154 pacientes com DM2 inadequadamente controlados com insulina basal + medicação oral, durante 16 semanas de tratamento e 5 semanas de acompanhamento. Os 154 indivíduos foram randomizados para icodeca LD (icodec com dose de ataque)n = 54; icodeca NLD (icodec sem dose de ataque)n = 50; e IGlar U100 (glargina), n = 50. As doses de insulina eram tituladas semanalmente visando manter uma meta de glicemia de 80-130 mg/dL e os pacientes usaram sistema de monitorização contínua durante os períodos de triagem e tratamento com dados cegados para os participantes e investigadores. O desfecho primário era a porcentagem do tempo no alvo de 70 a 180 mg/dL durante as semanas 15 e 16, enquanto desfechos secundários foram alterações na HbA1c, glicemia de jejum e peso corporal da semana 0 a 16. Desfechos de segurança foram avaliados com o número de eventos adversos e de eventos hipoglicêmicos auto-relatados documentados durante o tratamento. 

Os resultados demonstraram um tempo no albo médio de 72,9% para icodeca LD, 66,0% para icodeca NLD e 65,0% para IGlar U100, representando mudanças em relação a linha de base de 15,4%, 8,6%s e 7,6%; respectivamente. Dessa forma, o tempo no alvo foi maior no grupo icodec LD vs. IGlarU100 (diferença de 7,8%; IC95% 1,83 a 13,93; P=0,01) e semelhante entre os grupos icodec NLD e IGlar U100. Os níveis de HbA1c e glicemia de jejum foram reduzidos em todos os grupos sem diferença entre eles, enquanto a alteração de peso em relação ao baseline foi de 0,6 kg para Icodec LD, 1,3 kg para Icodec NLD e 0,1 kg para IglarU100, demonstrando aumento com icodec NLD vs. IGlar U100 (1,22 kg; IC95% 0,24 a 2,2; P=0,01). A porcentagem de participantes com um ou mais eventos hipoglicêmicos de nível 2 ou nível 3 durante o estudo foi de 7,4%, 4,0% e 12,0% nos grupos icodec LD, icodec NLD e IGlar U100, respectivamente. Nenhum evento de hipoglicemia de nível 3 (grave) foi relatado no estudo. Os principais pontos discutidos no Clube foram:

  • Por ser uma comparação entre insulina semanal e diária, os pacientes não foram cegados;

  • A amostra foi pequensa e a duração do estudo foi curta, o que compatível com desenhos de estudos de fase 2;

  • O desfecho primário avaliado foi tempo no alvo e, até o momento, mais estudos são necessários para afirmar que este desfecho prediz melhor controle glicêmico em longo prazo, e menos complicações crônicas;  

  • O grupo icodeca LD teve maior tempo abaixo do intervalo, não sendo citado isso na discussão do artigo, nem avaliado se houve diferença entre os grupos  (1,6% icodeca LD, 0,6% icodeca NLD, 0,5% IglarU100);

  • No corpo do artigo, os pesquisadores negam que houve hipoglicemias grau 3, mas dados da tabela incluem hipoglicemias 2 e 3 na mesma categoria, o que fica dúbio para o leitor.

 

Pílula do Clube: A mudança da insulina diária para icodeca semanal foi bem tolerada neste estudo, demonstrando eficácia semelhante ou maior em relação ao desfecho primário de tempo no alvo durante as semanas 15 e 16. A presença de hipoglicemia foi semelhante entre os grupos, sem diferenças significativas entre eles. 

 

Discutido no Clube de 26/07/2021.

Metabolic Impact of Intermittent Fasting in Patients With Type 2 Diabetes Mellitus: A Systematic Review and Meta-analysis of Interventional Studies

 Emily Borgundvaag, Jessica Mak and Caroline K. Kramer


J Clin Endocrinol Metab 2021, 106(3):902-911

https://academic.oup.com/jcem/article-abstract/106/3/902/6034139?redirectedFrom=fulltext


Mudança no estilo de vida é um dos pilares do tratamento do diabete melito tipo 2 (DM2), embora seja difícil manter controle glicêmico e perda de peso sustentada apenas com medidas não farmacológicas. O jejum intermitente tem sido empregado como estratégia de perda de peso, porém os dados em pacientes com DM2 são limitados. Esta revisão sistemática com metanálise teve como objetivo avaliar o impacto metabólico do jejum intermitente nesta população. Foram incluídos estudos de intervenção que comparassem jejum intermitente com dieta padrão ou com restrição calórica, em pacientes com DM2. Era necessário conter informação sobre HbA1c e peso corporal. Foram excluídos estudos sem grupo controle, retrospectivos e observacionais. O desfecho primário foi variação de HbA1c e de peso corporal. Desfechos secundários incluíram glicemia de jejum, perfil lipídico, pressão arterial e circunferência abdominal. Foi realizada análise estratificada pelo tempo do estudo, IMC basal e HbA1c basal. 

Foram encontrados inicialmente 210 estudos e restaram 7 após as exclusões (totalizando 338 participantes). Seis estudos eram randomizados paralelos e um era randomizado crossover. A duração média foi de 24 semanas. A idade média foi de 56 anos, 24,2 a 54% eram homens, o IMC basal médio foi 35,65 e HbA1c 8,8%. O tipo de jejum intermitente variou: 1 estudo com time-restricted feeding, 2 com restrição intermitente de energia e 4 com restrição de energia por curto tempo com dietas de muito baixas calorias. Houve redução  de peso corporal no grupo do jejum intermitente: 1,89 kg (IC95% –2,91 a –0,86 kg). A perda de peso foi maior na população com IMC mais alto (>36): (–1,42 kg; IC95% –1,90 a –0,95). Também foi maior a perda de peso no grupo do jejum intermitente tanto nos estudos de curto (–3,73 kg; IC95% –7,11 a –0,36 kg) quanto longo prazo (–1,44 kg; IC95% –1,91 a –0,97 kg). A redução de Hba1c foi não diferente entre os grupos ( –0,11%; IC95% –0,38% a 0,17%). Também não se observaram efeitos positivos adicionais nos desfechos secundários. Os autores concluíram que, devido à perda de peso adicional de 1,9 kg com jejum intermitente em relação à dieta padrão, o jejum intermitente pode ser uma opção como estratégia de perda de peso. As limitações do estudo incluem a heterogeneidade entre as estratégias de jejum intermitente, a adesão incerta, a falta de informação sobre déficit calórico e a ausência de análise de segurança. Pontos discutidos no Clube:

  • Existe grande variação entre as estratégias de jejum intermitente, tornando difícil as comparações propostas;

  • Os grupos controle não tinham a mesma ingesta calórica que os grupos intervenção. Dessa forma, é de se esperar que o grupo intervenção, por ter menor ingesta calórica, perca mais peso, por ingerir menos calorias e/ou por fazer jejum intermitente;

  • Esperávamos que houvesse queda da HbA1c com a perda de peso, o que pode não ter ocorrido pelo prazo curto de seguimento dos estudos;

  • A perda de mais peso nos estudos mais curtos provavelmente se deve à maior facilidade de adesão em curto prazo mais do que em longo prazo;

  • O jejum intermitente pode ser utilizado como estratégia para perda de peso em pacientes com DM2, caso o paciente consiga aderir. 


Pílula do Clube: o jejum intermitente parece ser uma  boa estratégia de perda de peso em pacientes com DM2; porém, não é possível, com os dados desta metanálise, saber se é superior às dietas usuais, pelos vieses observados nos estudos incluídos. 


Discutido no Clube de Revista de 19/07/2021.


Comparative Effectiveness of Sodium-Glucose Cotransporter 2 Inhibitors vs Sulfonylureas in Patients With Type 2 Diabetes

 Yan Xie, Benjamin Bowe, Andrew K. Gibson, Janet B. McGill, Geetha Maddukuri, Ziyad Al-Aly


JAMA Internal Medicine Published online June 28, 2021

https://jamanetwork.com/journals/jamainternalmedicine/fullarticle/2781475


A recente introdução dos inibidores do cotransportador sódio-glicose 2 (iSGLT-2) no arsenal terapêutico para tratar diabete melito (DM), trouxe dados demonstrando benefícios em desfechos relacionados a insuficiência cardíaca e doença renal em paciente com e sem DM. Todavia, a maioria desses dados são oriundos de estudos que comparam a classe com placebo. Sendo as sulfonilureias a segunda classe mais utilizada, atrás apenas das biguanidas - metformina -, uma comparação direta entre essas duas classes pode ajudar a guiar a terapêutica de paciente com DM que necessitem de mais de uma medicamento.

O presente estudo é um estudo de coorte que incluiu pacientes que já estavam usando metformina e iniciaram ou sulfonilureias ou iSGLT2 no período estudado (01 de outubro de 2016 a 29 de fevereiro de 2020). Os dados eram coletados do sistema de saúde dos Veteranos (Veterans Affairs Health Care System), e os pacientes não eram elegíveis se no sistema há menos de 1 ano, tivessem DM do tipo 1, tivessem TFG menor de 30 ou tivessem recebido transplante renal no último ano. O desfecho estudado era mortalidade por qualquer causa. A análise do desfecho primário para metformina + sulfonilureia contra metformina + iSGLT2 foi por intenção de tratar. A suspensão do tratamento era definida por mais de 90 dias sem retirada do mesmo. 

Como um estudo observacional, foi necessário ajuste para diversas covariáveis que poderiam causar confundimento no resultado e interpretação. Cita-se ajuste para sexo, etnia, IMC, tabagismo, níveis de colesterol, pressão arterial, medicamentos utilizadas e os CID-10 mais comuns registrados entre os participantes. Ainda, através de recursos estatísticos, foram realizadas ajustes para igualar os grupos e para ajustar o peso de eventos - overlap weightning - de acordo com a probabilidade dele ocorrer naquele indivíduo (por exemplo, mortalidade em pacientes com muitas comorbidades contam “menos” que em pacientes mais jovens com poucas doenças graves). A análise do desfecho primário foi realizada por modelo proporcional de risco de Cox (Cox proportional hazard), com Hazard Ratio como medida de efeito apresentada. 

A coorte contou com 128.293 pacientes, em torno de 23 mil usuários de iSGLT2 e 105 mil usuários de sulfonilureias. Os grupos ficaram equilibrados após o ajuste, porém ao analisar a tabela original, antes dos ajustes, chamava atenção a grande proporção de usuários de insulina no grupo iSGLT2 (67%) em comparação ao da sulfonilureias (15%). O grupo iSGLT2 também tinha 20% a mais de usuários de iECA/BRA, antagonistas de canal de cálcio e estatinas. Os níveis de Hb1AC já eram equilibrados antes do ajuste. Mais de 75% da coorte eram brancos, 95% eram homens e a idade média era 65 anos. O HR para mortalidade por qualquer causa foi de 0,81, com IC95% 0,75 a 0,87, para o grupo que usava metformina e iSGLT2, ou seja, uma redução de 19% a favor desse tratamento. Essa vantagem para iSGLT2 se seguiu em todas as análises de subgrupos, exceto o subgrupo com pouca amostra de pacientes com DRC estágio IIIb. Principais pontos discutidos foram:

  • A influência da iSGLT2 em insuficiência cardíaca e DRC, especialmente em estudo observacional, pode influenciar pesadamente o resultado, visto que os ajustes estatísticos tem seus limites;

  • A coorte tem grande presença de homens brancos e limitando a validade externa dos seus achados;

  • As diferenças pré ajuste eram bastante relevantes, em específico o uso de insulina mas tambem uso de anti-hipertensivos, estatinas e presença de certas comorbidades, mais uma vez ponderando a limitação do ajuste estatístico.


Pílula do Clube: É possível que iSGLT2 reduzam mortalidade em pacientes com DM2, porém um estudo observacional com amostra de características restritas e diferenças razoáveis entre os grupos não permite extrapolação para clínica e não permite diferenciar bem o benefício real da iSGLT2 contra sulfonilureia para pacientes com DM2, sendo o ideal um ECR comparando diretamente as duas como segunda droga do diabetes.


Discutido no Clube de Revista de 12/07/2021.

Semaglutide and Cardiovascular Outcomes in Obesity without Diabetes

  A. Michael Lincoff, Kirstine Brown‐Frandsen, Helen M. Colhoun, John Deanfield, Scott S. Emerson, Sille Esbjerg, Søren Hardt‐Lindberg, G. K...